domingo, 6 de outubro de 2013

Ex-avecista

Transcrevo abaixo palavras de um “ex-avecista” a um amigo que sofreu anos atrás o mesmo tipo de acidente vascular cerebral (AVC).
É uma verdadeira transfusão de amor à vida, mesmo quando esta se mostra bastante desfavorável.
Antigamente, essa patologia médica era conhecida como rotura de vasos sanguíneos cerebrais, que inundavam a massa encefálica, produzindo a morte imediata do paciente ou sequelas na maioria das vezes motoras, ou da fala.
Seu diagnóstico era clínico, e as pessoas acometidas desse mal, eram vítimas de um “derrame”.
Surgia o temível “derrame cerebral”.
Com a evolução do conhecimento e, especialmente com os sofisticados exames laboratoriais e de imagens, verificou-se que nem sempre o “derrame” era produzido por rotura de vasos.
Os processos isquêmicos que acontecem quando por minutos o sangue não chega ao cérebro, geralmente impedidos por grosseiras calcificações nas carótidas, diminuindo o seu calibre, também produzem morte encefálica e sequelas.
Eis trechos da correspondência.
 ”Contratei aqui no Rio, onde moro atualmente, uma nova acompanhante que irá morar comigo em Friburgo”.
Ela tem 18 anos, é magra, ágil, rápida, viva, atenciosa e prestativa, tudo que um “avecista” necessita.
Dei, como sempre, muita sorte, e bati logo o martelo.
Contratei e vou levá-la na volta para Friburgo para reorganizar minha casa para uma temporada mínima de uns seis meses.
Conte esta minha novidade aos amigos, desiludidos de uma revirada na vida.   
Bom é que o inverno está indo embora e poderei tomar café no jardim debaixo do mangueiral, perto dos passarinhos que pousam num comedor que instalei e abasteço com canjiquinha.
Conseguir uma acompanhe jovem foi o conselho que dou aos avecistas. É melhor ter acompanhante, além de ser mais em conta que uma nova esposa.
Meu ideal seria o Alfredo, mordomo do Batman que agenda e instrumenta as loucuras do patrão "morcego".
Ótimo!
Interessante observar nesse relato de alto astral e fino humor recheado de otimismo e poesia, o poder de regeneração das delicadas e sofisticadas estruturas nervosas do nosso sistema nervoso central.
A parte intelectual permaneceu intacta, após um ano de UTI e hospital.
Num momento onde a vida é banalizada, centenas de anônimos em hospitais e residências reagem de forma admirável para provar que nem tudo está perdido.
Para uma pessoa com essa patologia, qualquer perspectiva é um mergulho no escuro e acho que ele optou pelo menos perigoso.
Apenas faz uma avaliação duvidosa quando coloca a sua acompanhante como uma esposa, pior remunerada.
Talvez os seus neurônios não estejam funcionando tão bem quanto imagina.
Mas, também, como justificar a vida sem fantasia?
Muitos creem que a vida é um prêmio divino e, como tal, deve ser vivida. 

Gabriel Novis Neves
29-09-2013

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