quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Cesarianas


Constato, com pesar, o abusivo e indiscriminado uso de cirurgias cesarianas.
O Brasil é um dos países recordistas nesse procedimento que determina mês, dia e o horário de nascimento de nossas crianças.
A cirurgia obstétrica foi uma das grandes conquistas da medicina moderna - quando usada com critérios preestabelecidos através de protocolos internacionais.
Não obedecidas as normas   protetoras da saúde do binômio mãe-feto, transforma-se em notícias das páginas policiais.
A mulher, que a princípio foi programada pela mãe natureza para o parto natural, aos poucos viu esse privilégio ser colocado como excepcionalidade na reprodução humana.
A extração cirúrgica do feto, mesmo antes da data provável do parto, salvou da morte, milhares de mulheres e de recém-natos.
Para esse aumento incontrolável da taxa de partos cirúrgicos, múltiplos fatores foram determinantes.
A judicialização da medicina e a remuneração não condizente ao período de trabalho de parto, cuja duração varia de 10 a 12 horas, além da implantação, com sucesso, da ideologia da eficiência tecnológica pelas mídias, foram, com certeza, fatores preponderantes.
Acrescente-se a isso, o despreparo de muitas das nossas escolas médicas na formação de obstetras, além da desumanização que tem sofrido a medicina nas últimas décadas.
Em algumas clínicas particulares o parto natural só acontece se a gestante for internada em período expulsivo.
Nas maternidades públicas a taxa de partos cesáreos é, pelo menos, o dobro da recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
O nosso sistema educacional tradicional básico é um grande incentivador do “parto sem dor”, tido e sabido, erroneamente, como sendo a cesariana.
Por essas razões, pesquisas entre gestantes demonstram uma maior preferência pelo parto cesáreo, isso sem falar na possibilidade de uma laqueadura das trompas durante a cirurgia, e que acaba se tornando o sonho anticoncepcional de muitas mulheres.
Para inverter esse quadro equivocado seriam necessárias, não apenas campanhas sazonais, mas,   principalmente, uma abordagem já nos ensinos fundamental e médio - complementadas pela educação caseira.
Nossos governantes precisam também ter uma visão social para este problema que vem se tornando um flagelo de saúde pública no nosso país.

Gabriel Novis Neves
09-10-2015


* publicado simultaneamente no www.gnn-cultura.blogspot.com

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

CENTRO DE CUIABÁ


Nasci em casa, na “Rua de Baixo” (Galdino Pimentel), há oitenta anos, onde morei até aos onze anos de idade.
Depois, vivi na “Rua do Campo” (Barão de Melgaço) até aos dezessete anos, quando fui concluir o ensino médio (Colégio Anglo Americano) e Medicina na Praia Vermelha (hoje UFRJ), no Rio de Janeiro.
Sou produto do hoje Centro Histórico de Cuiabá, totalmente abandonado pelas nossas autoridades.
Permaneci cerca de doze anos na “Cidade Maravilhosa”. Durante este período residi em treze endereços diferentes em seis bairros, todos na zona sul pelas proximidades com minha escola.
Comecei alugando vaga em quarto e terminei em uma quitinete.
Esse período de “pula-pula” foi enriquecedor! Absorvi muita coisa útil para a minha vida.
Tempo de enriquecimento humanístico, para consolidar a minha educação caseira de menino do interior, com aquisição de novos valores que só me trouxeram benefícios.
Tive muita sorte em frequentar uma excelente Escola de Medicina, com professores que disputaram o Nobel de Fisiologia (Thales Martins), que perdeu para o argentino Houssay, em cujo livro eu estudei.
O nosso professor de Biofísica (Carlos Chagas Filho) era um dos consultores científicos do Vaticano. O corpo docente da Praia Vermelha era composto pelos melhores mestres do Brasil.
Tinha colegas estrangeiros e de praticamente todos os Estados brasileiros, pois na ocasião possuíamos apenas vinte e três escolas para o ensino médico.
O Rio ainda era a capital do Brasil e vivia um momento mágico de efervescência cultural com o surgimento da “bossa nova”. Elenco de jovens músicos e compositores universitários, tendo como líder o poeta Vinícius de Morais, diplomata de carreira do Itamaraty.
O Rio era uma cidade alegre, onde não temíamos assaltos ou arrastões.
Namorava-se nos bancos das praias com a maior tranquilidade, e nosso transporte predileto (por ser barato), eram os bondes da Light. 
Cinemas, teatros, dancings, bares, boates e restaurantes eram a cara do Rio.
Copacabana, com sua famosa praia, era chamada de “princesinha do mar”, mas, o Arpoador no Posto 9, era o que havia de mais sofisticado em termos de praias, com as suas lindas mulheres.
Na época, o Leblon era o fim do mundo e Ipanema a capital do Rio de Janeiro, por mérito.
Terminei o meu curso de medicina e fiquei mais cinco anos me preparando para ser médico do interior.
Retornei à Cuiabá e encontrei o Centro de Cuiabá bastante transformado, para pior.
As residências desapareceram e deram lugar ao comércio.
Depois de tudo deturpado, como é hábito acontecer, a região foi tombada, e hoje pertence ao Patrimônio Histórico Nacional.
Seus casarões terminaram em ruínas, outros foram demolidos para dar lugar a lojas comerciais, como a casa onde nasci.
As calçadas, com suas cadeiras de balanço, eram verdadeiras salas de visitas, e foram substituídas por moradias de dependentes químicos e mendigos.
Sem recursos e sem políticas sociais, acabamos por nos acostumar com o abandono a que foi submetida a nossa manjedoura. Consequentemente, o aumento insuportável do índice de violência, incompatíveis com a outrora “Cidade agarrativa e linda” dos nossos poetas.
Hoje, moro em uma torre de concreto na antiga “Rua do Caixão” (Estevão de Mendonça), de onde observo uma cidade que não é a que nasci.
O progresso chegou! E o desenvolvimento foi esquecido.

Gabriel Novis Neves

25/10/2015

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Sequelados digitais


A medicina já começa a se preocupar com a nova doença do século XXI - os sequelados da era digital.
Tudo muito relacionado à imensa solidão que dimensiona o número de amigos pela maior ou menor quantidade de pessoas conectadas virtualmente.
São pessoas que, para se sentirem permanentemente conectadas, começam a usar de dois a três celulares. Quando, por alguma razão, a conexão não pode ser estabelecida, passam a desenvolver sintomas de abstinência, tais com sudorese e taquicardia.
Isso já tem sido observado com relativa frequência nos ambulatórios clínicos.
A tecnologia moderna, apesar de sua absoluta relevância, tem desencadeado inúmeros casos de dependência, exatamente como as drogas ilegais, já que a linha entre o usuário digital compulsivo e o viciado em drogas é muito tênue.
Crescem também os problemas ortopédicos, em função das quedas daqueles que não abandonam a verificação de suas mensagens nem durante a deambulação. 
Dia desses, numa de minhas viagens ao Rio, durante a encenação de uma excelente peça teatral, cujo conteúdo demandava uma grande atenção da plateia, um senhor ao meu lado conferia neuroticamente as mensagens recebidas, numa total demonstração de compulsividade.
Fiquei a pensar sobre a gravidade desse fato que se repete em todos os ambientes.
Isso para os jovens é devastador, já que as nossas mais profundas experiências e emoções estão ligadas ao tato, ao olfato, à audição e à visão.
São os nossos bilhões de neurônios sensoriais privados de suas verdadeiras funções em virtude de uma enorme perda de tempo em busca de emoções virtuais, na maioria das vezes frustrantes.
Estamos todos nos tornando cegos em relação às nossas próprias percepções e, portanto, mais suscetíveis a uma visão de mundo vendida pela obnubilação da coletividade.

Gabriel Novis Neves
08-10-2015

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

ESCREVER


Nos bancos escolares do ensino básico somos obrigados a escrever as tarefas de casa. Na Faculdade de Medicina aprendemos a escrever anamneses, que são a história dos pacientes. 
A queixa principal sempre é o título do artigo. A investigação científica dos sinais e sintomas compõe o conteúdo da matéria, no caso, as informações para o diagnóstico da doença, causa da vinda dos pacientes ao consultório.
Sempre desconfiei que todo médico, por ofício, é um escritor em potencial.
Pelos anos de exercício de profissão, esses textos vão sendo aprimorados e cada um desenvolve a sua técnica de passar suas perguntas técnicas ao papel.
Esses escritos são confidenciais e só por ordem judicial podem ser revelados.
Publicar anamneses em revistas e jornais, nem pensar!
Pois bem, alguns psiquiatras especialistas em análise recomendam, para auxiliar na cura da autoestima perdida, a publicação de textos livres escritos pelos seus clientes, uma espécie de catarse dos seus sofrimentos.
É um remédio amargo expor seus conceitos e opiniões ao domínio público para quem não é profissional em comunicação.
Como é para recuperar a saúde perdida, com muito esforço alguns “heróis” aceitam essa terapêutica.
Os primeiros artigos publicados causam um constrangimento pior que a autoestima perdida.
Adquirido o hábito de escrever e publicar os textos e metabolizar o julgamento dos leitores, o “paciente” torna-se outra pessoa.
Sente-se útil servindo de ponte entre semelhantes, e o ato de escrever passa a ser uma necessidade.
Quem escreve modifica a sua própria vida e, às vezes, a de outros.
Aprendi com a jornalista Valéria del Cueto a colocar no papel, sem nenhuma lógica, tudo que vem à cabeça.
Nessa fase quanto menos se pensar melhor - diz a minha professora da “Ponta do Leme”.
A fase seguinte é tentar ordenar aquele lixo em texto final.
Sempre foi assim, sendo que a única coisa no mundo moderno que mudou foi a velocidade da informação.
O ato de escrever, porém, produz uma coisa maior na nossa alma, que é a paz.

Gabriel Novis Neves
24-10-2015

Barco à deriva


A situação do Brasil é semelhante à de um barco à deriva no meio de uma forte tempestade e, o pior, sem um timoneiro aparente para conduzi-lo.
A responsável pela navegação não consegue visualizar a gravidade da situação da embarcação com duzentos milhões de atônitos passageiros a bordo. Sua única preocupação é com a própria sobrevivência, coisa inadmissível pelas leis do mar.
Seus auxiliares, ditos de confiança, mesmo vendo o mar bravio, aguardam uma distante, porém, esperada, calmaria. Enquanto isso, o barco está indo a pique.
Triste a situação dos brasileiros que acreditaram em dias melhores, iludidos que foram pelos discursos eleitorais, e, agora, se veem à deriva na embarcação, bem no olho da tempestade, completamente abandonados.
A ausência de uma solução urgente para o gravíssimo problema que vivemos deu origem à desesperança e ao descrédito, que terminaram por impregnar de pessimismo todos nós moradores dessa outrora "ilha da fantasia".
Os detentores do poder veem como saída única para essa terrível crise financeira, moral e ética, impor mais sacrifícios à nossa gente, como novos impostos, aumento dos existentes e ressuscitação de alguns - como o do cheque (CPMF), agora na sua forma moderna de débito e crédito.
Quem sabe isso seria a salvação para cobrir os imensos rombos do governo?
O tão propalado ajuste fiscal não passou de mais um parto da montanha.
Foi tão modificado pela classe política dominante que perdeu seus objetivos. Quase ninguém mais se lembra dele e, muito menos, dele se fala.
A falta de entusiasmo com o governo é evidente, o que atesta o fracasso do plano.
As pedaladas fiscais, condenadas no exercício passado, continuam sendo feitas e, segundo o pensador maior do partido governamental, elas são para o bem dos pobres desta nação.
O que existe de fato neste país é um projeto único para salvar a presidente do processo de impeachment.
O barco está afundando e a timoneira não consegue evitar um possível naufrágio. Não sei como esta nação irá aguentar por mais três anos o sofrimento de uma morte programada.
A economia só tende a piorar, não havendo nenhum sinal de melhoria. A incerteza é generalizada.
É bom lembrar a falta de apoio crescente ao Ministro da Fazenda, chegando ao cúmulo do partido do governo, capitaneado pelo seu proprietário, pedir publicamente a sua saída.
O ideal seria um entendimento político amplo, em que fosse colocado o futuro do Brasil acima de qualquer interesse partidário.
Difícil encontrar estadistas para liderar este processo de salvação nacional!
O que mais se encontra nesses tempos sombrios, lamentavelmente, são os oportunistas sedentos do poder.

Gabriel Novis Neves  
23-10-2015

DEBOISMO


Em todo verão, ou com a proximidade dele, surgem nas grandes cidades os modismos e os neologismos, principalmente nas mais modernas, como o Rio de Janeiro.
Começa, geralmente, nas novelas ou nas periferias e, em poucos meses, toda a cidade está tomada por esses bordões que, em seguida, se espalham por todo o país.
No momento o “de boa” é o novo bordão, especialmente entre os jovens.
Dessa forma, já se fala no “deboismo” como antídoto para a grave crise social e econômica que vem atingindo o Brasil.
Difícil imaginar que diante de tanta preocupação com o futuro possamos ver algumas pessoas “de boa”, a menos que se encontrem sob efeito de drogas ou em total desajuste de suas funções mentais.
Tudo muito ligado ao modismo digital de postar fotos que transmitam momentos de felicidade explícitos.
Só serão “seguidos” aqueles que, através de caras, bocas e fotos, conseguirem passar essa sensação de realização e poder totais. Ainda que falsa.
Pelo andar das coisas, essas “fácies de felicidade”, talvez tenham se estendido às nossas classes dirigentes, numa verdadeira atitude de “deboismo”, enquanto manchetes nacionais e internacionais escancaram o mar de lama  que envolve esses elementos. Muitos deles continuam ocupando posições chave na direção do país.
Talvez essa alienação generalizada seja mesmo cultivada pelo sistema, uma vez que esses modismos rapidamente são divulgados pelas diversas mídias, contaminando toda uma sociedade.
Só mesmo uma pequena minoria de cabeças pensantes não consegue atingir esse estado invejável “de boa” num momento tão crítico para as nossas instituições!
Lamentavelmente!

Gabriel Novis Neves
02-10-2015

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Gastos


Enquanto o governo só pensa em criar e recriar novos impostos para cobrir a gastança escandalosa da estrutura do poder, o deputado federal por Rondonópolis, (MT) Adilson Sachetti (PSB), critica veementemente os gastos exagerados dos Poderes e posiciona-se contrário à criação de qualquer novo imposto no país – é o que nos informa a mídia.
Há necessidade urgente de que sejam criados redutores de estruturas administrativas, os famosos cabides de emprego, antes de, mais uma vez, penalizar o cidadão trabalhador.
Também é importante estudar a redistribuição de recursos ao Judiciário, ao Tribunal de Contas e ao Legislativo.
O site que vinculou o protesto do deputado afirma que o judiciário brasileiro é o mais caro do mundo, gastando por ano cerca de cento e vinte bilhões de reais, segundo matéria publicada no Jornal Valor Econômico.
Aprendi que o exemplo vem de cima, e é o que fez a Presidente da República cortando parte dos seus salários, do Vice e Ministros.
O mesmo é esperado pelo povo brasileiro com relação aos outros poderes da República.
A população não suporta mais tanto arrocho sem retorno de serviços, especialmente os essenciais como saúde, educação, segurança, transporte e emprego.
Aqui, na terra do boi, dezoito frigoríficos foram fechados por falta de matéria prima. Acreditem se quiser.
O número de empresas de grande porte que estão pedindo recuperação judicial tem se tornado alarmante.
O reflexo dessa quebradeira é a diminuição da arrecadação, e menos benefícios fiscais para investimentos.
A denúncia da gastança feita pelo nosso representante no Congresso Nacional é grave, pois o país passa por um momento de grandes dificuldades econômicas e falta de credibilidade – com seus efeitos cascata nos cofres públicos dos poderes estaduais e municipais.
O toma lá, dá cá parece estar acima dos interesses nacionais.
Triste terra de Pedro Álvares Cabral!

Gabriel Novis Neves
07-10-2015

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

INTOXICAÇÃO SOCIAL


Sinto que ando meio intoxicado com toda essa encenação social que somos obrigados a fazer durante a vida a fim de que sejamos aceitos como seres normais.
Ela acaba se estendendo para todos os níveis, seja o econômico, o político, o das amizades - nem sempre tão amigas.
Vamos tornando-nos verdadeiros autômatos na arte da convivência, na maioria das vezes frios, cínicos e hipócritas.
Qualquer um de nós tem a percepção exata desse tipo de pessoa que nos cerca nos mais diversos ambientes.
A coisa vai se tornando generalizada até que, num determinado momento, não mais sabemos quem somos nem o que verdadeiramente pensamos.
Daí para a baixa autoestima e a sensação de falta de identidade, é apenas um passo.
Mas, como tudo que não é verdadeiro acaba tendo o seu ponto de saturação, surge o desequilíbrio entre o psíquico e o somático.
Finalmente aprendemos que o nosso corpo dá gritos de alerta antes de adoecer. É a chamada fase funcional da doença
Fazendo parte de todo esse aprendizado mentiroso, a nossa cultura costuma desprezar esses sinais, uma vez que nossos questionamentos comportamentais e dos circunstantes, nunca devem ser levados em conta na fabricação de doenças.
Felizmente, esses conceitos estão sendo revistos, mas ainda me lembro de que na época de estudante a medicina psicossomática era totalmente rechaçada.
No fundo, adoecemos para impedir a nossa loucura, loucura no sentido da dificuldade de vivenciar as nossas ambivalências.
Isso é o que nos diferencia dos bichos que, além de não modificarem a natureza, quando livres, nascem, vivem e morrem.
Quando domesticados, atrelados às nossas leis e distorções sociais, também se tornam, tal como nós, diabéticos, neuróticos, obesos, artríticos, cancerosos.
Imagino que apenas na velhice, quando perdemos a nossa grande utilidade como máquina de gerar lucros, consigamos ter esse insight de quantos anos se perderam durante todo esse teatro de vida e, o que é mais grave, de quantas doenças poderíamos ter nos livrado se não tivéssemos sido obrigados a engolir tantos sapos.
Sim, porque, num determinado momento, eles serão expelidos através da somatização por algum de nossos órgãos de choque.
Quem trabalha em gastroenterologia sabe bem do que estou falando ao tratar de gastrites, colites, úlceras gastrointestinais e, até, de patologias bem mais graves.
Ando preferindo pertencer ao grupo dos chamados egoístas, que apenas dizem e fazem o que querem, mantendo profundo desprezo   pelas condutas condizentes com os códigos sociais preestabelecidos.
Estes, pelo menos, são pessoas bem mais saudáveis, e que pouco ou nada se agridem.

Gabriel Novis Neves
18-10-2015

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Triste realidade


Se já não bastasse todo o descaso das autoridades que transformou o Rio de Janeiro numa das cidades mais violentas do mundo, agora essa pecha internacional de rebaixamento como bom pagador, era justo o que nos faltava! 
A tradução ao pé da letra é bastante pesada - somos o “lixo para o investimento de capital estrangeiro”.
Essas firmas para avaliação de risco surgiram como um tipo de pressão na economia de mercado, bem mais sutil e menos apavorante se comparada a dos anos 60. 
Naqueles anos, “marines” eram colocados nas costas brasileiras caso não andássemos como mandava o figurino das grandes potências internacionais.
Sinal dos tempos! Ficamos todos como crianças de escola à mercê dos castigos que nos serão impostos em virtude do nosso boletim deficitário.
Enquanto isso, os nossos dirigentes, umbigados nos seus próprios privilégios, só fazem deteriorar cada vez mais rapidamente a grande crise político-econômica em que nos meteram.
Nessa minha última estada no Rio fiquei impressionado com o grande número de lojas comerciais fechadas, inclusive, nos bairros mais nobres como Copacabana, Ipanema e Leblon.
A falta de movimento nas casas noturnas e bares elegantes, aptos para atender aos gostos mais requintados, é absolutamente assustador.
Num deles, um dos mais em voga, apenas três pessoas compunham o cenário da casa: eu e mais dois amigos. Coisa de dar pânico numa quinta-feira, considerada, recentemente, a noite mais borbulhante de Ipanema.
Mas, parece que, além-muros, nada disso afeta o governo, que continua dando aumentos exorbitantes para as castas privilegiadas, mantendo suas viagens megalomaníacas recheadas de convidados em hotéis do mais alto nível, seus trinta e um ministérios, seus cento e vinte mil cargos comissionados, enfim, tudo indica que a orgia com os cofres públicos continua a todo vapor.
Afinal, o que será que se passa na cabeça dessas senhoras e senhores que pertencem a esse verdadeiro reinado? Será que não conseguem se tocar com essa imensa insônia que tomou conta de todos os habitantes dessa nação, do mais humilde, já à míngua, até aos poderosos, assustados com a possível perda repentina de suas benesses?
A falta de pudor social é patente, e os desvios estratosféricos do erário público são temas proibidos em qualquer avaliação dos desmandos sucessivos.
Como conseguir assistir pacificamente a derrocada de um país rico como o nosso? A sétima economia do mundo?
A exaurida sociedade civil já pouco se manifesta.
Nada nos interessa e, tal como o menininho sírio encontrado emborcado numa praia da Turquia, aguardamos inertes a ruína final.
Os imigrantes dos países devastados pela guerra e pela fome, mesmo diante da possibilidade da morte, lutam desesperadamente por um mundo melhor.
E nós, náufragos em potencial, tornamo-nos todos apáticos e deprimidos, incapazes de uma ação rápida que nos tire desse pesadelo de um país sem rumo.
Onde estão os jovens, os estudantes, os artistas, todos com grande capacidade de mobilização e que em movimentos de protestos passados de nossa história se mostraram tão atuantes?
O que me passa é que estamos todos comatosos, incapazes de qualquer reação, apenas aguardando que a mãe natureza nos indique a redenção.

Gabriel Novis Neves
05-10-2015

ANÃO


Para a maioria da população brasileira passou despercebida a notícia do anão que fez strip-tease em cima de uma mesa de trabalho da Delegacia de Entorpecentes de São Paulo para comemorar o aniversário de uma escrivã.
No início dos anos noventa tivemos os “Anões do Orçamento” - composto por um grupo de congressistas brasileiros que se envolveram em fraudes com recursos do Orçamento da União, onde apenas seis parlamentares foram cassados, pois eram deputados sem expressão.
Essa matéria teve grande repercussão na mídia nacional e internacional.
“A realidade está cada vez mais distante do racional”, interpreta Fernando Gabeira sobre a festa na Delegacia de São Paulo.
A nossa Presidente, no dia da Independência do Brasil, fez o seguinte pronunciamento amplamente divulgado pelos órgãos de comunicação: “Se errei, isso é possível, mas vamos superar todas as dificuldades”.
O erro no condicional significa que é possível que Ela tenha errado. Não admite o erro, só uma possibilidade, mesmo olhando para fora do palácio e se ver representada num imenso boneco com nariz de Pinóquio.
Num momento de crise política-financeira, uma Presidente que foge do encontro com a população, é tão estranha quanto um anão dançando na mesa da delegacia, ou praticando atos não republicanos com o dinheiro do contribuinte.
No desfile de 7 de setembro ficou isolada por tapumes de aço. Ainda assim, teve a ideia de reduzir os poderes dos militares, logo voltando atrás.
Eles não estão interessados em salvá-la, muito menos derrubá-la, mesmo tendo ministros sob investigação, tesoureiros e ex-ministros presos.
A polícia está batendo na porta do Palácio do Planalto pelo Petrolão e verbas de campanha.
Vivemos numa profunda crise econômica e, diante de tudo isso, a presidente ainda admite que é possível ter havido um erro.
Realmente não houve erros, e sim, crimes, pois a polícia não se interessa por erros.
O Brasil necessita, com urgência, encontrar o seu caminho.
As novas gerações precisam ser poupadas de anos de um retrocesso.
Não temos comandante em quem confiar para assumir o leme nessa tão falada travessia por mares revoltos.

Gabriel Novis Neves
18-10-2015

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Maquiagem


Após longa e complicada gestação o governo anunciou a tão esperada reforma ministerial para salvar a nossa economia.
Os cortes foram pouco expressivos se compararmos com os gastos astronômicos feitos nos últimos anos.
Lembra mais uma maquiagem do que medidas de austeridade.
A certeza que ficou para nossa gente foi que houve, de fato, uma enorme barganha política.
Barganha no sentido de conseguirem empurrar goela abaixo do contribuinte mais impostos via aprovação do amestrado Congresso Nacional e exorcizar o pavor do impeachment da presidente pelas pedaladas fiscais, além, de prováveis complicações com a equipe do juiz Sérgio Moro.
Presenciamos um escandaloso toma lá, dá cá, onde qualificações não foram sequer pensadas para preenchimento dos cargos vagos de ministro.
Esse estardalhaço todo em torno do novo ministério teve como único objetivo garantir a permanência no poder do grupo dominante.
Precisamos, na verdade, de um Ministério de Salvação Nacional, e não, de Salvação Pessoal.
Tentar demonstrar que o governo irá fazer economia tirando dez por cento do salário dos ministros, presidente e seu vice, é pura enganação.
O Ministro da Fazenda receitou um corte bem mais acentuado para evitar a criação de novos impostos e a retirada de direitos adquiridos dos aposentados (fator previdenciário).
Controlando a evasão fiscal ficaríamos com o ajuste fiscal dos sonhos, mas o novo Ministro da Saúde tem como prioridade a defesa do renascimento da nova CPMF (imposto sobre os cheques) em cobrança dupla.
Essa troca de ministros não promoverá equilíbrio fiscal, nem melhorará a credibilidade e eficiência na gestão pública. Apenas oito ministérios saíram do organograma do governo, de um total de trinta e nove.
Seus componentes não foram escolhidos por mérito, o que inviabiliza qualquer possibilidade de recuperação da nossa economia.
Houve um arranjo para garantir maioria no Congresso Nacional.
Na República Velha era frequente a formação de ministério de coalizão para enfrentar crises nacionais com a participação da oposição.
Este apresentado é de salvação da pessoa da presidente.
Não perder as esperanças é o que nos resta.
Esperamos que a maquiagem não continue na próxima votação do Congresso.

Gabriel Novis Neves
05-10-2015

AMOR AOS PORCOS


Através de uma entrevista com pessoas que criam porcos como animais de estimação, cresceu a minha simpatia por esses bichinhos muito estigmatizados pela sociedade. 
Por exalarem um cheiro forte através de glândulas que possuem em seu corpo, têm a sua imagem ligada à sujeira, embora, ao contrário, sejam extremamente limpos.
Alimentam-se basicamente de verduras, legumes e grãos.
Quando em bando, são chamados de vara. Evoluíram dos javalis, domesticados há milhares de anos pelo homem.
Atualmente o porco é muito usado como companhia por alguns seres humanos mais carentes.
Sua cabeça de forma triangular e seu focinho cartilaginoso, com seus quarenta e quatro dentes, confere-lhe um ar gracioso que encanta crianças e adultos.
Tem um período de gestação de cento e doze dias, findos os quais pode parir de seis a doze leitões ou bácoros, e a grande maioria é destinada ao abate, sendo sua carne muito apreciada nos quatro cantos do mundo.
Livres na natureza os porcos conseguem viver de quinze a vinte anos.
Aprendi, por exemplo, que em contato constante com o ser humano, tornam-se extremamente dóceis e carinhosos, num nível bastante parecido ao dos cães.
Sua pele reage como a nossa aos raios UV e, após exposição solar prolongada, podem sofrer queimaduras extensas. Com uma visão deficitária, vale-se do olfato apurado, razão pela qual se afeiçoam rapidamente aos seus cuidadores.
Interessante imaginar que até nas preferências por companhias animais o homem tem mudado tanto, e tão rapidamente.
Impossível pensar numa entrevista como essa há cinquenta anos!
Carinho e amor não chegam com bússola e podem se direcionar a qualquer ser vivo, seja ele da espécie que for.
Afinal, somos todos feitos da mesma matéria.
Realmente, o porquinho “Joãozinho” mostrado na entrevista, além de muito bem tratado, era elegantemente carinhoso com o seu cuidador, mostrando também uma timidez encantadora com os circunstantes.
Nós sim, cruéis predadores, ainda temos muito que aprender com os nossos irmãos do universo.

Gabriel Novis Neves
21-09-2015

União desunida


Afinal, por que o Tratado de Waastrich, que instituiu a União Europeia (UE), onde determinou o Espaço de Schengen (que inclui 22 estados membros e 4 não membros da UE),  que aboliu ausência de fronteiras e o uso de passaportes, não está funcionando?
Ele foi criado diante da premissa de uma total unificação da Europa, inclusive, com uma única moeda.
As cenas lamentáveis recentes na fronteira da Hungria com a Sérvia, de agressão aos refugiados sírios que tentam entrar na Europa, estão mostrando ao mundo toda a hipocrisia que rege esses tratados.
Cenas desumanas e chocantes foram vistas em todas as mídias. Soldados húngaros atacaram refugiados com bombas de gás lacrimogêneo e jatos de água, estando entre eles inúmeras mulheres e crianças.
Espera-se que o dito mundo civilizado europeu não repita os horrores que, de tempos em tempos, envergonham a humanidade.
Quatro milhões de pessoas já fugiram e outros tantos tentam fugir diariamente das guerras e da miséria que afligem países antes considerados berços da cultura.
São milhares de pessoas enfrentando fome, estafa, falta de higiene e tendo como tesouro apenas os familiares mais próximos. Elas buscam, apenas, um lugar na Terra em que possam trabalhar e ter um mínimo de paz.
Nós aqui no Brasil já estamos com quatro mil e quinhentos refugiados oriundos, principalmente, de países africanos vítimas de ditaduras cruéis e da barbárie que as acompanha.
Esperamos que, após tantos meses de reuniões, a União Europeia consiga urgente uma solução humanitária para a distribuição desses refugiados.
A Alemanha tem feito dignamente a sua parte, muito em função de anular a pesada pecha que sobre ela  recai em função dos horrores ocorridos durante a segunda guerra mundial.
É bom não esquecer que em 2012 a União Europeia foi laureada com o Nobel da Paz “por ter contribuído ao longo de mais de seis décadas para o avanço da paz e da reconciliação, democracia e direitos humanos na Europa”.

Gabriel Novis Neves
21-09-2015

ANDAR PRA TRÁS


Parece que o governo brasileiro desandou com as suas últimas medidas e intenções para nos aliviar do sufoco financeiro em que vivemos.
Senão vejamos: enviou ao Congresso Nacional um orçamento prevendo um déficit de trinta bilhões de reais, fato inédito na história deste país. Deixou que o Congresso descobrisse as fontes de recursos para sanar essa falta.
Parece que o Ministro da Fazenda está com o seu prazo de validade vencido e já se questiona quando deixará o governo.
Os medicamentos para curar a crise que nos acomete não são aceitos, produzindo um efeito cascata corrosivo nas finanças dos Estados e municípios, atingindo em cheio toda a população.
Perdemos o nosso selo de bons pagadores, o que propicia a fuga de capital estrangeiro e dificuldades enormes de captação de novos. Não somos um país sério.
Já houve grupos políticos que sugeriram como solução o pagamento de uma taxa para o atendimento no SUS.
O núcleo duro do poder - Presidente da República, Ministros do Planejamento, Casa Civil e Fazenda - quer a volta da cobrança do imposto sobre os cheques (CPMF), injusto por atingir linearmente todas as classes sociais.
Para o Congresso Nacional apoiar novos impostos, manter os vetos da Presidente e evitar o seu impeachment, terceirizou o seu governo para o PMDB.
Para limpar a área demitiu por telefone o seu Ministro da Saúde, pessoalmente o da Educação e prepara um remanejamento fisiológico, com extinção de algumas pastas e secretarias com status de ministério para enganar a população da seriedade e comprometimento do governo, enfim, tentando resolver a maior das crises, a da credibilidade.
Desandou por completo a administração pública, uma vez que essas medidas servirão apenas para saciar a fome de poder de grupos políticos.
Até quando este país irá suportar tantos desmandos e demagogia? A situação agrava-se cada vez mais e os sinais de recessão econômica são visíveis a olho nu.
Há um sentimento de frustração generalizado entre nós. O desânimo e falta de expectativa para sair dessa crise não aparecem, por esgotamento dos nossos dirigentes.
O Brasil é grande demais para sucumbir, entretanto, sem liderança, fica difícil uma saída institucional que possa manter o regime democrático por nós conseguido a duras penas.
Talvez estejamos procurando aquela mola no fundo do poço para revertemos esse quadro sombrio que adoeceu a nossa pátria.
Vamos reaprender a caminhar para frente!

Gabriel Novis Neves

01-10-2015

Erotismo e pornografia


A rica e próspera indústria pornográfica não raro vende os seus produtos como eróticos, o que nem sempre é verdade.
O erotismo está sempre envolto por muita criatividade e delicadeza, enquanto que a pornografia é grosseira e, com frequência, agressiva.
A percepção desse pequeno limiar entre uma e outra é o que distingue as pessoas mais ou menos requintadas na sua sensibilidade.
Plagiando Arnaldo Jabor com as suas considerações entre sexo e amor: A pornografia seria a prosa e o erotismo a poesia.
“A Casa dos Budas Ditosos” é um livro do falecido escritor João Ubaldo Ribeiro. Foi publicado em 1999 e faz parte da série “Plenos Pecados”. Tem a luxúria como o pecado-tema.
Foi adaptado para o teatro em forma de monólogo - a primeira vez em 2004 e depois em 2015. Encenado pela atriz Fernanda Torres em ambas as apresentações.
O primeiro espetáculo causou muito mais impacto que o segundo, como era de se esperar.
São relatos de uma sessentona que resolve contar suas experiências sexuais vividas durante a revolução sexual dos anos sessenta.
Era muito difícil, após gerações e gerações de repressão, enfrentar aquela nova mulher que tudo queria e que tudo podia.
Na época, a obra foi considerada pornográfica e, após todos esses anos, tornou-se interessante apenas pelo trabalho da atriz, considerado excelente.
Os tempos mudaram, mas, ao que pude constatar através da reação da plateia, é que a repressão continua muito forte.
Risos histéricos e desconfortáveis diante da sexualidade do momento, aberta para todas as suas formas, não me pareceram condizentes com uma sociedade em que as mídias incentivam até o poliamor como forma melhor de relacionamento.
Pessoas que viveram o deslumbramento da ausência da repressão sexual, excessiva até então, experimentaram a total quebra de todos os limites, apelando, inclusive, para o   uso de todos os tipos de drogas do momento.
Muitos não conseguiram reverter esse quadro e se perderam na procura do êxtase perene.
Enfim, a cabeça das pessoas continua reprimida quando o assunto é sexo, ainda sem conseguir distinguir bem o sexo exuberante, praticado sem culpa, da pornografia agressiva, como se diabólica fosse.
Que o João Ubaldo em 1999 tenha sido tumultuado pelo tema, dá para entender, mas, passados quase vinte anos, em que todos os conceitos estabelecidos foram tragados pela modernidade, inclusive, com o aparecimento do amor na era da tecnologia, causa-me espanto essa reação histérica da plateia, mais do que a peça em si.

Gabriel Novis Neves  
06-09-2015