quarta-feira, 31 de março de 2010

REFORMA DA SAÚDE

Tenho uma prima que há mais de vinte anos mora no Canadá. Casou-se com um filho daquela terra, tem uma filha, e agora ficou viúva. Pelo telefone perguntei a minha prima se não pretendia voltar ao Brasil. Aqui ficaria junto à sua imensa família - tão saudosa da sua presença! Sem titubear disse-me ser impossível atender a este pedido, embora fosse seu desejo voltar a conviver com os familiares e colegas da infância neste final de caminhada. As justificativas por ela apresentadas não me permitiu nem uma réplica. Diz ela: “não tenho condições econômicas para viver aí. Aos sessenta e quatro anos seria obrigada a ter um plano de saúde que nesta idade, você sabe, não é barato. Teria que pagar alguns exames por fora, enfrentar filas para marcar consultas, os melhores hospitais e médicos cobram diferença para procedimentos e o pior no meu caso são os medicamentos caríssimos que terei que comprar. Aqui, além da medicina de excelência praticada, tenho assistência médica domiciliar, nutricionista, psicólogo, fisioterapeuta, e principalmente, medicamentos tudo por conta do Estado, sem interrupção no seu fornecimento. Ah, Ia me esquecendo, todos os exames de laboratório também são partes do plano. A minha filha adora o Brasil, mas entende as dificuldades que enfrentaríamos para manter a nossa saúde. Ela também usufrui da medicina de qualidade e gratuita.” Conclui dizendo: “minha filha, além do que, está fazendo tese de pós-graduação em uma universidade pública de excelente reputação.”

Mesmo sabendo que não conseguiria derrubar tantas e verdadeiras colocações, me atrevi a comentar, numa vã esperança de mudar o imudável. Comentei que nosso querido Presidente afirmou recentemente que possuímos o melhor sistema de saúde do mundo, quase atingindo a perfeição. É um plano de saúde tão bom, que ele induziu o Obama a implantar nos Estados Unidos. Com esse plano você não teria despesas, e ficaremos todos juntos novamente. Ela me interrompe para perguntar se esse plano de saúde não é o SUS. Respondo afirmativamente – acho que ela percebeu uma pontinha irônica no meu falar. Do outro lado da linha, ela pergunta se estou bom da cabeça e pesarosa completa: “embora distante do Brasil, pela internet acompanho o dia a dia da minha terra. O que sei desse plano, é que a começar do Presidente, nenhuma autoridade daí confia no SUS. Quando adoecem procuram os melhores médicos e hospitais que não atendem o SUS, e que geralmente estão em São Paulo ou no exterior. Até na medicina estética, o médico vem do Rio Grande do Sul para clientes especiais em Brasília. Sei também que as filas para marcar uma simples consulta demoram meses. Internação hospitalar é loteria, e não há nem medicamentos básicos para os pobres. Soube que aí, na nossa cidade, o governo não possui nem hospital, e os que compraram fechou. Como é que você insiste no meu retorno”? Só tive mesmo que pedir desculpas. Ela está coberta de razão. Despeço-me da prima e desligo o telefone.

Esta madrugada o Presidente da República, após um domingo em que o Senado discutiu a reforma da saúde e finalmente aprovou a mensagem da presidência, ocupou uma cadeia de rádio e televisão para congratular-se com a população pela vitória alcançada. A saúde pública contará com mais recursos e atenderá os pobres no país com a melhor medicina, professores, cientistas e médicos do mundo. Eufórico o Presidente diz que a sua missão está cumprida, e que pode voltar para casa. Eu pensei aqui comigo: até que enfim um Presidente da República colocou como prioridade número um do seu governo a saúde pública! Autoridades e pobres freqüentando os mesmos serviços e hospitais. Que bom!

Só faltou um pequeno detalhe que corro aqui a esclarecer para não pensarem que estou louco: essa reforma da saúde com mais recursos e tudo o mais ocorreu nos Estados Unidas da América e o pronunciamento foi do Presidente Barack Obama.

Gabriel Novis Neves
22/03/2010

terça-feira, 30 de março de 2010

Venda de almas

Nos classificados dos jornais encontramos os mais variados e estapafúrdios anúncios. Nesta época eleitoral, o produto mais anunciado é a venda de almas. Até o velho caçador de marajás foi procurado em Brasília por um comprador de almas - conforme nos informa um site da cidade. Com o prestígio de um passado de lutas, o criador dos caras pintadas, está sendo pressionado a pressionar o cantor de óperas a vender a sua alma para apoiar o vice que deseja ser titular.

Dos hábitos antigos, o velho caçador de marajás, só abandonou as corridas das domingueiras - para o Fantástico - e os esportes radicais aéreos. Os outros continuam os mesmos. Como custa caro esse poder exercido pelo poder! Demonstra claramente a todos, que existem candidatos que desejam retirar a sua alma e comprar uma nova, para usar na campanha. O prazo de validade de uma alma comprada, não dura mais que nove meses. Depois deste período faz-se o reimplante da alma original, proibida de ser exposta agora.

Deve ser engraçado assistir a um comício no CPA, com artistas globais da época delle, acompanhado do patrono de formandos de um curso de administração de Goiânia. Do comandante corretor das empresas multinacionais. Do premiado do Programa Pânico com a turma das ambulâncias, todos falando bem do homem que trocou a alma, e deseja ser titular. Este é o cenário que vivemos ultimamente.

No exterior a situação do nosso país é simplesmente ridícula. Para consumo externo, e principalmente interno, contratos milionários são realizados com agências internacionais para produzirem notícias favoráveis ao Brasil em todo o planeta. Tudo trabalho do eficiente chefe dos seqüestradores do Embaixador americano.

E aqui na terrinha? Alguém ainda acredita nesses pacotes que estão sendo oferecidos? Alguém ainda tem paciência para ouvir promessas que jamais serão cumpridas? Alguém ainda suporta ver este Estado ser totalmente loteado, e ocupado por pessoas na sua maioria despreparadas e indicadas apenas por critérios políticos? Está muito caro para o trabalhador brasileiro, este modelo colonial de capitanias hereditárias, mantidas pelo tesouro nacional. Apresentem-se candidatos de almas não clonadas, capazes de, com emoção verdadeira, trabalhar e amar a sua gente.

Gabriel Novis Neves
19/03/2010

domingo, 28 de março de 2010

DESESPERO

É aflição, angústia, desesperança diz o Houaiss no seu Dicionário da Língua Portuguesa. O filósofo dinamarquês Kierkegaard (1849) traduz o desespero humano como uma doença e não remédio. Diz ser um mal maior que a morte. Procurei uma definição poética para desespero: “Retrospectivas me enjoam. Não preciso de ninguém para me lembrar da composição química das lágrimas que, teimosas, insistiram em hidratar meu rosto, do álcool que bebi para fugir do mundo, e dos beijos que não dei, por vergonha ou tristeza, tanto faz”.

De posse dessas definições, vou tentar decifrar o que quis dizer o vice que deseja ser titular, quando classifica as inaugurações das obras da Prefeitura de Cuiabá, como sinal de desespero. Seria a palavra desespero na visão do vice que deseja ser titular, “idealizar e construir uma avenida melhorando a vida da população mais pobre?” Ou seria desespero “idealizar e construir uma estação de tratamento de águas, para servir a população mais carente de Cuiabá?” Será que o vice entende desespero como melhorias para a qualidade de vida do povo que pretende governar? Estranho! Será que essa palavra ganhou novos significados que por ora me foge a compreensão? Não consigo encaixá-la em nenhuma das definições estudadas.

Do outro lado noto uma euforia incontida. O governo do estado inaugurou a indispensável sede nova do SINE. Está reformando o prédio que abrigará a área administrativa da Copa 2.014. Estão em preparativos para o lançamento da pedra fundamental do novo Verdão. O espetáculo das quinhentas e vinte viaturas da polícia no estacionamento, aguardando data para ser distribuída, para policiais com coletes de proteção vencidos. Enquanto espera, o pobre do Ságuas quase perde a vida numa tentativa de seqüestro. E eles numa euforia semelhante aquela do Obama ao conseguir autorização do Congresso Americano para a reforma da saúde pública nos Estados Unidos. Aqui o problema foi resolvido com a aquisição de quinze modernas ambulâncias, do tipo UTI-MÓVEL!

A língua portuguesa continua igual ao Rio de Janeiro: ”Continua linda”, mas difícil de ser entendida. Que desespero!

Gabriel Novis Neves
26/03/2010

sábado, 27 de março de 2010

ME ENGANA ...

Existe um ditado popular que nesta época específica do ano, entenda-se eleitoral, está na boca do povo. É tanta mentira que o povo sarcástico sacode os ombros e diz: “Me engana que eu gosto.”

Acompanhando as notícias dos jornais dos últimos dias não pude deixar de pensar no ditado bem humorado. Um alto mandatário político do nosso estado apresentou uma justificativa tão esfarrapada para que pudesse deixar o cargo que só mesmo invocando o velho ditado popular. Não é possível, a não ser ao contador da história, crer que a população aceitou placidamente a alegação apresentada.

Ora, neste período enfrentamos problemas muito mais sérios, que não foram levados em consideração, mas que poderiam ser aceitos pela população. Exemplos: a tomada do Estado pelo mosquitinho da dengue. A calamidade da saúde pública. A greve dos professores, com o atraso do ano letivo. Os prédios escolares em escombros, obrigando a prorrogação das férias escolares. As enchentes produzindo vítimas, destruição e doenças. A criminalidade fora do controle do Estado. Qualquer abordagem nesse sentido seria compreendida, menos a escolhida como abacaxi – “X” da questão.

Existe maior abacaxi social para um executivo do que deixar essas situações não encaminhadas, ou eu é que estou raciocinando em termos ultrapassados? Lamento profundamente a falta de sensibilidade dos nossos governantes, hoje mais preocupados com a camada do pré-sal, que com o vestibular do ENEM.

Será que não irá aparecer nenhuma assombração para assustar essa gente? Em termos de desculpas, tenho um arquivo delas, mas essa que circula por aí merece ficar em outra pasta. “Me engana que eu gosto.”

Gabriel Novis Neves
23/03/2010

Tudo pelo social

Antigamente os defensores das políticas sociais eram fichados como comunistas. Estes foram substituídos pelos modernos social-democratas, trabalhistas, socialistas e uma infinidade de “istas”, considerados progressistas de esquerda. Nesse balaio encontramos grandes proprietários rurais e sociais trabalhistas, banqueiros e comunistas, industriais e socialistas, enfim uma verdadeira sopa de estrelinhas. Do outro lado os imperialistas democratas americanos, síndicos do planeta terra e os seus seguidores capitalistas.

É politicamente correto, um governante se intitular como preocupado com as causas sociais. Alguns se manifestam e declamam o seu compromisso com os problemas sociais. Faço então uma pergunta: os nossos governantes de fato estão comprometidos com a justiça social? O estado de Mato Grosso é um estado humanizado? Respondo com toda a isenção deste mundo: não. Um dos mais fortes indicadores de justiça social é aquele que igualam ricos e pobres no acesso rápido e fácil ao medicamento. Qualquer cidadão nesta terra tem o direito de encontrar um medicamento básico, em um raio de um quilômetro. Se isto não for possível, com toda a certeza vivemos em uma cidade desumanizada e sem compromisso social.

Acho importante trazer à discussão este assunto, para que possamos nos defender dos nossos inimigos capitalistas fantasiados de socialistas. A guerra já começou, e tem muita gente vendendo alhos por bugalhos e confundindo João Germano com gênero humano. Você que é mãe, moradora em um dos bairros periféricos de Cuiabá ou do interior, encontra próximo de casa um simples medicamento para baixar a febre do seu filho? Se a reposta for não, denuncie este fato aos Direitos Humanos, pois você está sendo vítima de um crime, contra um sagrado direito universal conquistado: tudo pelo social.

Gabriel Novis Neves
24/03/2010

sexta-feira, 26 de março de 2010

VIAGENS

Este ano de 2.010 promete em termos de dias úteis de trabalho. Na metade de Fevereiro trombamos com o grande feriadão do Carnaval, que teve o seu início logo após as festas de Dezembro. Começamos o mês de Março com as festas de despedidas do nosso governador e prefeito. Estou escrevendo e olhando a folhinha, ou como dizem os eruditos, o calendário. Emendando com as despedidas - ou abandono dos nossos governantes dos seus cargos - temos a Semana Santa encostando com os festejos de aniversário de Cuiabá. Depois é mais festa: campanha eleitoral, Copa da África, segundo turno das eleições e pronto, acabou o ano. Como diz um sábio ex-governador chegamos à ponta do ipslone: ”Quem bejô, bejô, quem não bejô não beja mais.” O caixão do poder será fechado.

Com toda essa folga, as agências de turismo estão nos bombardeando com ofertas de excursões. Como as crianças estão em período escolar, inventaram programas que merecem citação. Disneylândia para o pessoal da melhor idade! Outra? Excursão de gays para os países asiáticos. Tem mais: viagem de navio pelo Caribe, ouvindo música caribenha! O cardápio é longo e atraente, para quem gosta.

Viajar é cultura dizem os folders. Mas discordo em alguns pontos dos apelos dos marqueteiros das agências de venda de passagens. Sempre defendi a tese da cultura universal, partindo da regional. Há tanto o que estudar e compreender por aqui, que acho um desperdício de tempo e dinheiro, contemplar as ruínas romanas ou o que sobrou do Império Otomano. Como querer entender a civilização nórdica, se não conseguimos entender nem a civilização tupiniquim? Por aqui ainda estamos na fase de brigar, através de caríssimos outdoors, sobre a paternidade de uma avenida. Fácil transitar nas excelentes estradas e avenidas alemãs cujas únicas placas existentes são as de sinalização. Lá todos sabem que governo não tem dinheiro, e sim o povo que paga impostos e tem bem visível e bem aplicado o seu dinheiro. Por aqui também pagamos impostos – exorbitantes por sinal. Eu por exemplo trabalho quatro meses e meio por ano para ajudar a encher a burra do governo. Ao inaugurar qualquer obrinha aparecem nomes numa verdadeira briga de vaidade entre os poderes, dizendo inclusive quanto utilizaram do meu dinheiro sem me consultar, e o pior apropriando-se indevidamente daquilo que é nosso.

Recebi um convite luxuoso da Prefeitura para a inauguração de uma avenida. Hoje a cidade amanheceu empetecada de outdoors do Governo do Estado dizendo que doou 10 milhões para a obra, então ela é sua. Santa paciência! 10 milhões de reais foi o que pagamos dos nossos bolsos para a correção do maior concurso público do mundo. Sem falar da reforma para abrigar a sede administrativa da Copa e mobiliário. E o preço sentimental da demolição da tradicionalíssima Escola Estadual José Magno? O espaço deixado pela demolição se transformou na maior fazenda de lazer para aquele mosquitinho que pica e mata - na área mais nobre da cidade verde em frente à nova sede da Copa.

Viajar prá que? A cultura e a história estão aqui. Precisamos conhecê-la para salvar as próximas gerações.

Gabriel Novis Neves
25/03/2010

quinta-feira, 25 de março de 2010

AMIGOS TRAIDORES

Neste período pré-eleitoral a palavra de ordem é - traição. Traição e traidores são palavras recorrentes na boca dos políticos. Ao analisar o conceito que essas personalidades imprimem às palavras traição e traidores, eu cheguei a uma triste constatação: vivo cercado de traidores!

A traição é uma palavra que se aplica a várias situações, dentre as principais cito: a social, familiar, amorosa e política. As três primeiras se revestem de características próprias e colocam frente a frente dois seres singulares e na área do privado. A política desenvolve-se em outro patamar – no público. Certa vez li num antigo artigo, “O caráter deslavado da atividade política obriga a mais honesta das criaturas a trair, a desdizer-se, a gorar expectativas.”

Mas, como diz Ruy Barbosa: “Só os burros não cometem incoerência. Só os burros não mudam de opinião.” Concordo. A pecha de traidor que os políticos tentam dar aos seus auxiliares por terem revisto valores, alterado conceitos e que se recusa a incorporar pensamentos que não os seus, é no mínimo assustador. Afinal eles não detêm nenhum cargo político, e a sua única fidelidade deve ser com eles mesmos. Se mudanças ocorrem, se o cenário muda de aspecto, se nova perspectiva é imposta, o que resta aqueles que querem se manter fiéis aos seus pontos de vista? Uma busca por outros ares que se lhe sejam respiráveis. A pior traição é aquela que fazemos a nós mesmos.

Agora, que na política existe traição, isto é fato. A história está aí para nos mostrar esta afirmação. Lembro-me da declaração de certo senador da base de sustenção do governo: “Não se faz política sem traidores.” O senador admite ser candidato a Presidente da República em 2.014, com o apoio dos traidores, digo da base de sustentação. Ele admite viver hoje com traidores, “mas quem faz política é geneticamente traidor, senão seria gerente de banco.” Esta é uma verdade ofensiva às pessoas de caráter, embora seja a nossa triste realidade.

Traição política para mim é enganar, é se aproveitar da boa fé do povo e mentir, iludir e trapacear. Prometer o que sabe que não terá condições de cumprir. É fazer política em benefício próprio. Roubar, sucatear. Assumir doutrinas com as quais não concorda com o intuito de alcançar seus objetivos de poder. É abraçar personalidades políticas famosas em público, apesar na vontade de estrangulá-lo, apenas para angariar simpatias e adesões. Poderia encher páginas e páginas enumerando essas aberrações, mas facilmente cansaria o leitor, já ciente de tudo isto.

Vivo cercado de traidores – comentei no início. Sim, vivo cercado por traidores somente no conceito dado por certos políticos. Porque os meus “traidores” são pessoas inteligentes, honestas, livres, trabalhadoras, que gostam de reunir-se pra trocarem idéias, sem preconceitos de raça, religião, ideologia, sexo, e se divertem no sentido mais humano, que é o debochar dos nossos erros, fracassos e fragilidade da nossa condição de humanos. Os “traidores” que conheço, não vendem a sua honra em feiras do poder. Vivem simplesmente o presente com dignidade. O amanhã, se existir, será outro dia a vencer.

Gabriel Novis Neves
18/03/2010

quarta-feira, 24 de março de 2010

Porta de laboratório

Hoje acordei mais cedo do que de costume. Era preciso tempo para finalizar os preparativos para realizar os meus exames anuais de imagens. No dia anterior, a partir do meio-dia, comecei a tomar quarenta gotas do remedinho que murcha os intestinos, a cada duas horas. A partir das vinte e duas horas, dieta zero até a hora do exame. O duro mesmo é o preparo da manhã, principalmente pela posição em que a vítima é obrigada a ficar para facilitar o exame do abdome. Pela orientação da bula, o mais confortável é ajoelhar em cima do tapete do banheiro, e deixar os 100 ml de líquido penetrar no organismo totalmente debilitado. Permanecer nesta posição até o aparecimento dos primeiros sinais de rejeição.

Concluído o trabalho, tomo um bom banho e me dirijo ao laboratório. Dou de cara com a porta fechada: “Atendimento ao público, após as sete horas”, dizia o cartaz fixado na porta. Os meus exames estavam marcados para as sete e trinta. Adiantei-me um pouco no horário porque sabia que teria que enfrentar o trabalho burocrático de identificação, com a difícil prova da impressão digital. No idoso as linhas que compõem a impressão digital, ficam mais tênues. É um sacrifício! “Não deu, tenta outra vez, não aperta muito o dedo, não deu. Vamos tentar outra mão, não deu. Outro dedo: deu!” Grita aliviada a atendente. Olho para o relógio: faltam apenas cinco minutos para ser chamado. A atendente pede que eu beba seis copos de água. Estava no quarto copo, quando sou chamado para o exame.

Durante o exame, converso com o colega. Ele pergunta-me se estou lendo muito. Respondo que estou escrevendo mais do que lendo. Disse-lhe que enquanto esperava o laboratório abrir revisava um texto escrito na noite anterior, e presenciei a chegada de um taxi trazendo três passageiras: uma já de idade avançada - provável paciente pensei comigo - e duas acompanhantes da meia idade. Desembarcaram do carro, carregando travesseiro, fronha e toalha. Procuraram entrar no laboratório e encontraram a porta fechada. Informei-as que o atendimento para o público iniciava às sete horas. Agradeceram a informação e sentaram-se no mesmo banco que eu estava. Aqueles bancos de madeira que antigamente compunham a beleza dos jardins cuiabanos e que foram substituídos pelos fixos de concreto armado, por razões inexplicáveis, mas óbvias.

Voltando ao assunto: as três mulheres falavam sem parar, e eu escrevia sem parar, mas com os ouvidos escancarados para aquela conversa animada. Fiquei sabendo que eram de uma cidade da Grande Cáceres. Percebia o olhar enviesado delas em minha direção, assim como quem quer puxar conversa. Acho que o meu reservado silêncio as incomodava. A mais espevitada não se conteve e perguntou-me se eu sabia que exame era aquele que a sua mãe iria fazer - e me mostra o pedido do médico da sua cidade. Li e traduzi: “densitometria óssea”. Pede-me esclarecimentos sobre a finalidade do exame, mesmo não sabendo a minha profissão. Digo que é para saber se a paciente está perdendo cálcio dos ossos, que é a doença da perda excessiva do cálcio e tem o nome de osteoporose e acomete geralmente mulheres idosas. Ela exclama: “Ah! Entendi!” A seguir me pergunta: “O senhor é professor?” “Também”, respondi. Acho que empreguei um tom um tanto quanto professoral na minha resposta. Ela cochichou então para as outras: “ele disse também, quer dizer que ele é outras coisas.” Continuo escrevendo, fingindo concentração. Elas cochicham outra vez entre si. Ah, como eu estava apreciando aquela deliciosa curiosidade, tipicamente feminina! Não se conformam, querem saber mais sobre esse velho que escreve tanto. “O senhor vai fazer exame?” Respondo que sim. “De que?” Digo que é de próstata. “Aquele da dedada?” Sorrindo intimamente esclareço que hoje é só ultrason, e dedada quem dá é o urologista. Elas riem da resposta e me saem com esta: “Sabe que o senhor até parece médico? Mas sei que não é porque está sentado no banco da fila.” Ia responder quando a porta do laboratório abriu, e lá fomos nós fazer os nossos exames!

Tudo isto relatei ao meu colega. O tempo exato para o término dos meus exames: abdome, artéria renal, próstata e tudo o mais que se encontra na antiga caixa de segredos, dos médicos antigos. Deixo o laboratório com o certificado de prazo de validade por um ano, e a lembrança do simpático, embora rápido, bate-papo com as três mulheres.

Gabriel Novis Neves
16/03/2010

terça-feira, 23 de março de 2010

CRIANÇA

Adulto é adulto que um dia já foi criança, criança é criança que um dia será adulto. Parece elementar este conceito, mas não é. Por incrível que pareça, com exceção dos nossos índios, a nossa sociedade costuma confundir tudo, prejudicando o desenvolvimento psico-social das nossas crianças, e, por tabela, colocando muitas vezes os adultos e idosos em situações ridículas. A criança não é um pequeno adulto, e o adulto e idoso não são crianças.

Fui ao aniversário de uma criança. Logo percebi que essa criança teve a sorte ter pais que sabem que criança é criança. A festa que participei era de criança para criança. Quanta felicidade essa pequena aniversariante, tratada como criança, transmitia! Sabia que a festa era sua, de seus amiguinhos e amiguinhas. Os poucos adultos presentes eram meros figurantes e não atores principais. Creiam! Fui contaminado pela felicidade daquelas crianças!

Já compareci a inúmeras festas de crianças feitas para adultos. A frustração imperava absoluta! As crianças não conseguiam entender aquele mundo criado pelos adultos. Frustração contagiante! Também eu ficava frustrado – e aborrecido. Crianças são alegres, espontâneas e simples. O seu mundo é diferente do mundo dos adultos. A criança vive intensamente o presente. Não se preocupa com o amanhã, que para ela não existe. Chora desconsolada quando é obrigada a deixar de fazer o que mais ama – brincar. Mesmo com a promessa de continuar a brincadeira amanhã, ela continua o choro, pois não entende que existe um amanhã.

Como é triste tornar-se adulto quando não possuímos a capacidade de vivermos o presente. O adulto geralmente troca o presente, pelas lembranças do passado e pela ilusão do futuro.

Gabriel Novis Neves
29/01/2010

domingo, 21 de março de 2010

TROTEANDO

Hoje o dia amanheceu nublado, com cara de chuva. O sol estava tão tímido lá no céu que fiquei em dúvida se saía ou não para a minha caminhada matinal. Arrisco e vou. No meio do percurso, na mesma calçada em que estava - só que em sentido contrário - vem se aproximando de mim uma jovem. Não caminhava nem corria. Simplesmente troteava com uma elegância encantadora - o relógio marcava poucos minutos passados das seis horas da manhã de um sábado. Os cabelos amarelos estavam presos em um longo rabo de cavalo. Com o trotear ritmado da jovem, os cabelos balançavam suavemente prá lá e prá cá. Era hipnotizador aquele balanço! Não sei o motivo, além da perseguição à saúde perfeita, que estimulou a jovem à caminhada e não aproveitar na cama mais uns minutinhos que o sábado nos oferece. Falo isto porque a jovem – não pude deixar de reparar - não apresentava nenhuma gordura corporal excedente. A jovem cruzou por mim, fez um leve balançar de cabeça em sinal de cumprimento, e se afastou no seu trotear.

Logo a seguir São Pedro mandou água. E não economizou! Talvez em homenagem ao seu colega São José, ou como a sinalizar aos nossos agricultores que este ano terão uma excelente safra. Com a chuva pesada, carinhosamente chamada pelo cuiabano de chuva para bobo, porque parece que não vai cair e cai - e eu como bom cuiabano que sou, saí de casa assim mesmo – logo fiquei todo molhado. Enquanto caminhava na chuva em busca de um abrigo, me veio ao pensamente a jovem dos cabelos balançantes. Com certeza aquele longo rabo de cavalo, agora encharcado de água, não mais teria aquele balanço pendular tão apreciado pelos poetas. Se pareceria mais com um chicote de mal feitor. Não encontrei mais a minha companheira de molhação. Será que procurou um abrigo ou continuou o seu programa de exercícios? Sou um esforçado estudioso da alma feminina. Há meio século faço isso sem muito êxito. A alma da mulher é dotada de mistérios infindáveis. Não por isso, um poeta já profetizou: “mulher não foi feita para ser entendida, mas sim para ser amada.” A minha intuição me diz que ela continuou o seu trotear. As mulheres são mais determinadas que os homens, e mais corajosas e fortes também. Não é qualquer chuvinha que irá tirá-las do seu objetivo.

Eu por meu lado entrei no primeiro abrigo que encontrei e assim que pude abandonei a caminhada. Minha preocupação agora era com a janela do meu quarto que eu deixei aberta, pois entrei no conto da chuva pra bobo.

Gabriel Novis Neves
20/03/2010

sábado, 20 de março de 2010

Domingo

Para uns transmite tristeza, para outros, paz. De qualquer maneira é um dia diferente. Sinto nas manhãs de domingo um misto de emoções: solidão, inquietação, inspiração e serenidade. É um dia tão rico em estímulos, que lamento que muita gente perca a manhã desse dia especial, para tirar o atraso da semana dormindo até a hora do almoço.

Saio de casa assim que o dia começa a clarear. Caminho alguns metros e um carro para rente ao meio fio da calçada. Desembarcam três lindas adolescentes e o jovem motorista. Observo-os, e um detalhe me chama a atenção. Uma das meninas estava descalça, segurando os seus sapatinhos de salto alto com a mão direita. A sua tênue blusa preta generosamente mostrava um imenso dragão cuspindo fogo na região dorsal, com as chamas atingindo a região cervical. O panorama frontal era mais preciso do que uma boa mamografia.

Continuo a minha caminhada. Com o silêncio da rua ouço o sussurro dos passarinhos, e até o cacarejar alegre de uma galinha anunciando a postura do ovo. E não é que fiquei comovido? Sou um homem com emoções do interior. Durante a semana, com o barulho dos carros e a agitação normal da cidade, esse “cantar” nos passa despercebido. Vou meditando, observando e sentindo a beleza que está à minha volta e que raras vezes percebemos.

Então, de repente, no meio desse devaneio, sou presenteado com um show de automobilismo. Carro lotado. Jovens alterados. Alta velocidade. Curvas em duas rodas, com direito a cantada de pneus, marcas no asfalto e muita fumaça. Será este o retrato de jovens modernos? Quero crer que não.

Vou adiante e passo em frente a um grande hospital. Um grupo de jovens, na maioria mulheres, conversava com grande alvoroço e alegria. Estranhei, pois aquele espírito de descontração não combinava com o local. Provavelmente faltava um componente do grupo que, imagino se encontrava sob cuidados médicos. Acidente físico ou gasoso? Estaria sendo operado ou apenas hidratado? Não sei, mas o ambiente de alegria dos jovens fez o velho médico supor mais em hidratação.

Estou agora na avenida principal. Poucos carros e motos trafegam. O sol começa a castigar - e o relógio não marca nem sete horas. Vou apreciando as mensagens dos outdoors, algumas bem criativas. A mais pitoresca é de um órgão público enaltecendo os seus grandes feitos. Acho até graça! Nós não pagamos altos impostos para que o governo faça exatamente isso? Trabalhar? Mas deixa isto prá lá. Hoje é domingo, vamos relaxar. Até que tento, mas logo adiante topo com um matagal ornamentando as laterais da nossa principal avenida. E olha que ela funciona como cartão de visita da eterna capital de Mato Grosso! É complicado explicar a um turista europeu que estamos na cidade da Copa, e não no início da floresta amazônica em extinção. Já ouvi turistas comentando, ao passarem por esta avenida, da beleza da plantação da soja transgênica.

Finalmente retorno ao meu ponto zero, apressado em colocar no papel as impressões e emoções de uma manhã calorenta de domingo. Amanhã, o que vi hoje, será passado.

Gabriel Novis Neves
07/03/2010

MARINA SABE?

Li em alguns sites e rodapés de jornais, que a Senadora Marina Silva está em Cuiabá. Dona de uma das mais lindas histórias de vida, a menina do interior do Acre que foi alfabetizada aos 16 anos, teve uma recepção tão simples como as suas origens. Sem foguetórios, policiamento ostensivo, carros oficiais na passeata, helicópteros e chegada com ponto facultativo para o beija-mão no Palácio das Ilusões.

Modesta, sábia, cedo compreendeu que para tratar das doenças tropicais que estavam precocemente encerrando a sua vida neste plano espiritual, tinha que fugir para São Paulo. Para evitar o analfabetismo adotou a tática da caminhada na selva, cortando caminhos para encurtar distâncias. Freqüentou o Mobral e todos os cursos para rápido encontrar à Universidade. Tornou-se professora do interior, após ser salva por Deus na paulicéia. Amiga do Chico Mendes e dos utopistas daquela época. Participou dos movimentos sociais que a fizeram política na terra dos “barões”. Senadora, Ministra, fundadora de um pequeno partido que se tornou grande tanto para ela, quanto para Heloisa Helena e outros. Tem com o seu ex-patrono uma diferença fundamental. Sempre usou como arma de libertação da sua gente, a educação. Marina é um nome respeitado e reconhecido no mundo todo, não como “a cara”, mas como a, aparentemente, frágil mulher que propõe a utopia para melhorar o planeta Terra.

Esteve pela manhã reunida com os estudantes da ex-universidade da selva. Debateram a importância do meio ambiente para a preservação da vida com qualidade no planeta onde vivemos. Avaliaram o desastre que o “progresso” da moto-serra trouxe de irreversível para nós. Despertou nos jovens da “Universidade do Enem”, o embrião adormecido do espírito de luta - tão típico da sua geração - para preservar o que ainda temos.

Infelizmente, senhora senadora, a grande maioria desses estudantes desconhece o passado da sua escola. Jamais ouviram falar que ela surgiu como Universidade da Selva, numa sinalização, até então ímpar, que não seríamos mais uma universidade para estatísticas do Ministério da Educação. O ministro era de Xapuri no Acre, e entendeu a nossa mensagem. Não tivemos o Chico Mendes como professor colaborador, infelizmente. Foi substituído pelos irmãos Cláudio e Orlando Vilasboas, Chico e Apoena Meireles, e todos os missionários pesquisadores da Missão Anchieta: Adalberto, Moura, Thomas de Aquino, Iasi, entre outros, num total de onze. Utiariti era o nosso campo avançado de trabalho. Noel Nutels o médico dos índios o nosso consultor para a área de saúde. As comunidades tribais opinavam sobre o trabalho da Uniselva. Ceremecê, o grande cacique xavante, orientou o programa educacional da Uniselva ao dizer em reunião: “Ninguém ensina o que não sabe”. Estava definido o rumo a ser seguido. Invertemos o consagrado e até então “imexível” binômio ensino-pesquisa, para pesquisa-ensino. Como iríamos formar profissionais para a Amazônia, se a desconhecíamos? Foi criada a cidade-laborátório de Humboldt em Aripuanã, 800 quilômetros em linha reta de Cuiabá. Foi uma epopéia vivida pela primeira geração desta Universidade. Resumindo Senadora: por desinteresse de uma geração fomos derrotados pelos recém chegados “progressistas” com as suas motos serras.

Espero que alguém tenha levado ao seu conhecimento esses fatos. Gostaria de poder dizer-lhe que, assim como a senhora, também fomos e somos utópicos. E a indagação final: a Senadora sabe que a palestra realizada foi na Casa da Utopia?

Gabriel Novis Neves
19/03/2010

quinta-feira, 18 de março de 2010

Final de Governo

É mais melancólico que final de festa. Faz parte da nossa tradição republicana o governante no início de seu mandato encher de passageiros seu barco do poder e também sentir-se abandonado em seu barco no final da viagem. É muito difícil alguém pedir para desembarcar no início da maravilhosa aventura. Conheço alguns poucos casos de pessoas esclarecidas, (do bem) que pularam do barco, antes da ratazana tomar conta de tudo.

Estamos praticamente no final de uma viagem de oito anos. Muitos já pularam fora do barco e a água já começa a ocupar os seus lugares. O comandante geralmente termina só, sendo que, às vezes, ele também abandona a embarcação. Desde que me entendo por gente observo este fenômeno. Geralmente ninguém é amigo do comandante do barco, mas dos benefícios que ele lhe pode trazer. Há troca de comandante, de passageiros não. Se não fossem os valorosos homens da polícia militar, que por disciplina cumprem ordens, o barco iria à deriva, quando não, afundaria. É nessa hora que o preparo psicológico é importante. A população nunca participa destes festejos e, no final da travessia, é a mais prejudicada.

O poder é desgastante. O cinturão de proteção ao chefe é tanta que, às vezes, ele não percebe o seu desgaste. Alimenta-se de produtos artificiais comprados a peso de ouro, por aqueles que ficam em sua companhia até o barco ancorar no porto. A esperança nunca desaparece de um bom negócio já no final da viagem. E dão-lhe pesquisas falsas, elogios encomendados, aplausos comprados, Mas o santo é de barro e, após deixar o oratório do poder, percebe que saiu do céu e agora sua vida será no inferno. Já vivemos este clima. Há um esforço para colocar em seu lugar um santo, que de tão pesado, não cabe no lugar sagrado – o oratório do poder. Se forçar, o oratório quebra.

Esta tradição republicana tão cedo não mudará. Nos Estados Unidos os comandantes do barco do poder, terminado o seu trabalho, são aposentados. Aqui o uso do cachimbo do poder faz a boca torta e muitos são mumificados em uma das dependências do barco ou nas despensas do poder.

Como é triste o final de governo!

Gabriel Novis Neves
17-06-09

IDADE

Sou o primogênito de uma família de nove irmãos. Com exceção de três meses por ano, estamos sempre comemorando o aniversário de um dos nove. Considerando que todos são casados, e com inúmeros descendentes, os aniversários entre nós passaram a ser comemorados duas vezes por semana.

Já estamos na quarta geração da “dinastia” Irene – Bugre. Uma família bastante numerosa. Pois bem. Fui ao aniversário da minha irmã número cinco, em companhia do meu irmão número três. Na manhã seguinte à festa, mal o dia começava a raiar recebo um telefonema. Era minha irmã número dois. Queria saber as novidades da festa, pois não pudera comparecer - ficara cuidando do meu cunhado número um recém-operado. De cara foi logo me perguntando se o irmão número três tinha comparecido a festa. Claro que sim, respondi. E você também foi? Quis saber ela. Ora bolas! – retruquei – eu sou o acompanhante oficial dele, se eu não fosse ele também não iria. Dando prosseguimento ao interrogatório, me pergunta se tinha muita gente presente e quem estava lá. Mais uma vez sacio a sua curiosidade. Não sei muito bem o que ela entende por muita gente, mas para simplificar a conversa matutina respondi que não havia cadeira vazia. Parece que ela ficou satisfeita com a resposta. Agora, quanto a citar o nome de todos os presentes, aí já era abusar do meu senso de observação e lhe informei que era impossível citá-las.

Imaginando estar a minha irmã número dois satisfeita com o relatório, estava eu prestes a dar por encerrada a conversa, quando recebo o golpe fatal na minha santa paciência: a irmã número cinco compareceu? Ela me perguntou, e eu não acreditei no que estava ouvindo. Valha-me São Benedito! A irmã número cinco era justamente a aniversariante e a festa era na sua casa. Aí não teve jeito – entrei em convulsão.

O meu irmão número três que mora comigo, e entende tudo sobre diabetes e convulsão vem em meu socorro - pega a sua fitinha de medir glicemia, pensando tratar-se de crise de hipoglicemia. Com o resultado normal e eu acordando, ele me pergunta se está tudo bem comigo. Disse que sim. Ele então insinuou, jocosamente, que eu tive foi um ataque de histeria. Claro que concordei com ele! Eu precisava, naquele momento, era de uma fitinha para medir o meu teste de tolerância, que naquele momento estava zero, para perguntas desarticuladas. Voltando ao telefone - a irmã número dois ainda estava a postos, só escutando a balbúrdia – perguntei se ela tinha noção do absurdo da pergunta. Ela deu uma gostosa gargalhada e disse para perdoá-la pelo equívoco. Na verdade ela queria se referir à irmã número nove. Finalizou me dizendo num sussurro: “Também são tantos... na nossa idade as confusões agora são mais frequentes.” Vejam bem! Ela, ainda por cima de tudo, me incluiu no rol dos confusos.

Encerrando este maravilhoso colóquio matinal informei-a que a aniversariante número cinco estava muito feliz, e a que a cantora do conjunto era excelente.

Gabriel Novis Neves
06/03/2010

quarta-feira, 17 de março de 2010

Como explicar

Saio da academia de ginástica, pego meu carro e – ato quase automático – ligo o rádio. E lá estava ela! A ex-ministra de Minas e Energia explicando, ou tentando explicar, sobre os constantes cortes de energia que estão acontecendo quase que diariamente por todo o Brasil. Como é uma pessoa importante do governo, procuro ficar atento às explicações. Quem sabe eu entendo né?

Com voz professoral começou por ensinar aos ignorantes ouvintes, a diferença existente entre apagão e corte de energia: “Apagão aconteceu no governo passado. Neste governo existe corte de energia, que é outra coisa.” O entrevistador lhe solicita então que explique melhor esta diferença. Ela até que tenta explicar. Entretanto se perde no meio de explicações técnicas numa clara demonstração de falta de conhecimento nesta área. Confusa, fala nada com coisa alguma, deixando em nós, pacienciosos ouvintes, a impressão de ser mais uma daquelas famosas enganações visando angariar os preciosos votos.

Dá para confiar em gente que não fala a verdade? Ou que fala meia-verdade? Mas a verdade é que, aqui em Cuiabá, estamos sem energia. Os motivos? Sei lá! Talvez por falta de planejamento; recursos para modernização do setor; má gestão; aparelhamento da área técnica por políticos sem conhecimento técnico ou por briga com o padre do Paraguai onde está a usina de Itaipu – enfim, podem ser tantos os prováveis motivos que só pensar em enumerá-los dá agonia.

Aqui em Cuiabá – terra dos recordes - há pouco tempo vivenciamos um superapagão noturno, o maior dos últimos tempos. Dos apagões, agora chamados de corte de energia, somos vítimas quase diariamente. Também não tem horário certo para acontecer... Pode ser de madrugada, logo ao clarear do dia, à tarde, e mais freqüentemente, à noite. Hoje o corte de energia, segundo a ex-ministra, aconteceu às 11:00h no meu bairro. Se isso que sofremos na própria carne não é apagão, que o governo atual tome as providências necessárias e urgentes para sanar este irritante problema – seja ele o nome que tiver.

E quanto a nós? Pobres pagadores de impostos exorbitantes? O que recebemos? Eu respondo: recebemos discussão entre o passado e o presente - que daqui a um pouquinho irá para o lixão do passado. E sobre o nosso futuro? Dos nossos filhos, netos e bisnetos? No momento o que vejo é um legado não muito recomendável.

O Brasil precisa de investimentos principalmente nas áreas formadoras de gente saudável e competente, e dinheiro para melhorar ou construir um sistema de infra- estrutura. O trabalhador brasileiro está fazendo a sua tarefa de casa, trabalhando cada vez mais para o enriquecimento do país, pagando os seus impostos sem receber a contrapartida essencial como educação, saúde, segurança, trabalho digno e esperança de dias melhores.

Por outro lado, realizamos todos os caprichos dos nossos hermanos cocaleiros, padre-reprodutor, coronel desparafusado e do finado comandante matador! Humanitários que somos, emprestamos dinheiro aos nossos pobres amigos, outrora inimigos do Fundo Monetário Internacional (FMI). Perdoamos as dívidas dos países pobres africanos e ajudamos outros da América Central. Carinho especial para a sobrevivência das ONGs, tão necessárias ao desenvolvimento nacional - assim como dos movimentos sociais. A mais recente preocupação do Brasil é dar uma mãozinha ao Irã ajudando-o em tecnologia nuclear. Ah, sim ia me esquecendo, dos intercâmbios culturais para acelerar seu desenvolvimento preparando-o, para num futuro próximo, pertencer ao MERCOSUL. Tem mais, tem mais, somos muito generosos! Vamos ajudar aquela coroa da terra do tango, para outra guerra suicida. “As Malvinas são da Argentina” é a ordem brasileira. Sobre os cadáveres de Cuba o Brasil não opina para não ferir a autonomia de um país democrático e amigo. Enquanto isso o jato francês não para de voar nem para manutenção, e faltam recursos para impedir o apagão do passado ou o corte do final do presente.

Há explicação? Se há, não entendemos nada – nem nunca entenderemos.

Gabriel Novis Neves
11/03/2010

terça-feira, 16 de março de 2010

FRASES GENIAIS

É o nome de um livro. Um livro de frases que todos nós gostaríamos de ter dito. Compilado por Paulo Buchs Baum, ilustrado por Jaguar e editado pela Ediouro. Às vezes passo horas lendo essas pérolas produzidas por escritores, poetas, filósofos, aventureiros - em um leque que vai de Aristóteles a Renato Russo. Algumas frases nos fazem pensar em algo que nunca pensamos, ou até pensamos, mas de um novo ângulo.

Hoje ao abrir meu email fui contemplado com uma de Mário Quintana: “O segredo não é correr atrás das borboletas... é cuidar do jardim para que elas venham até você”. Poético né? Gosto particularmente de uma do Alceu Amoroso Lima, o Tristão de Ataíde: “Saudade é a presença da ausência”.

Ontem incluí na minha coletânea a frase que o “Imperador” estampou na sua camiseta branca: “Que Deus perdoe essas pessoas ruins”. Após marcar o gol decisivo, mostrou aos torcedores no Maracanã - e a televisão, jornais e a internet, mostraram ao mundo. Estou curioso para saber o nome do autor da frase. Deve ser do filósofo do morro do Alemão, no Rio de Janeiro. Em poucas palavras deu a receita para a paz mundial: perdão. Reconheceu a presença de pessoas ruins, que não admitem a vitória dos pobres.

Existem pessoas que vivem para praticar o mal – e se comprazem com isto. São aquelas que acordam pensando em quem prejudicar e dormem selecionando vítimas para o dia seguinte. Não acredito que as crianças nascidas e criadas na favela do Alemão, sejam ruins. Não acredito que elas nasceram para morrerem cedo, vítimas de pessoas ruins. Não acredito que elas nasceram condenadas à miséria, muito menos que o preço do sucesso lhes custe muito caro. Elas nasceram para serem crianças, como todas as crianças do mundo. Para brincarem nas lajes das casas, para freqüentarem boas escolas, crescerem com saúde, não passarem fome, e não serem órfãos prematuros.

O “Imperador” venceu todo tipo de dificuldade - hoje é um vitorioso e não esqueceu as suas origens. Sempre que a barra está pesada na sua cobertura de luxo no bairro de ricos, com carros importados lotando a sua garagem, é para o útero materno que busca proteção. Procura os seus amigos do morro do Alemão e ficam na laje da casa da infância tomando a sua cervejinha. Os nossos políticos não cuidam dessas crianças, abandonando-as reféns das pessoas ruins, que as transformam em pessoas ruins. O “Imperador” da Itália, ídolo do Brasil rubro-negro, mito da favela, denuncia a existência de pessoas ruins e pede o perdão de Deus a elas! Mais uma frase genial para a minha coleção!

Gabriel Novis Neves
16/03/2010

segunda-feira, 15 de março de 2010

A alegria de um pai

No consultório recebo o telefonema de um colega, pai de vestibulando de medicina: “Quero dividir a minha alegria com você. O meu filho passou no vestibular de medicina!” A sua voz era de uma contagiante alegria. Estava criada a grande oportunidade ao jovem, pensei eu. Só a ele e a Deus, pertence agora o seu futuro.

O vestibular, especialmente o de medicina, é um sofrimento não apenas para o candidato, como para os seus familiares, amigos e professores. Considero o atual método de seleção ao ensino superior, totalmente obsoleto. Só serve para esconder a porcaria de ensino oferecido neste país às nossas crianças. O antigo vestibular agora substituído pelo falecido ENEM, imita o gato ao esconder as suas porcarias debaixo da terra. Este método aloprado de seleção nacional tenta esconder o descaso do governo com a educação infantil, o ensino fundamental e médio. É quase proibitivo ingressar num curso superior. Em primeiro lugar o governo detém pouco mais de vinte por cento das vagas – o restante das vagas está em mãos dos empresários da educação. Em segundo lugar, somos os campeões mundiais na formação do analfabeto funcional no ensino básico.

É a grande perversidade social criada, e cuidadosamente mantida pelo governo. Os alunos em melhores condições financeiras e sociais freqüentam os melhores colégios com os melhores professores. Os pobres, maioria neste país, onde a classe média foi rebaixada, ficam à mercê da mentira e falsas estatísticas. Na nossa cidade o governo federal oferece oitenta vagas de medicina por ano, enquanto o curso privado cento e vinte oito vagas! No Brasil possuímos quase cento e noventa escolas médicas, na sua grande maioria pertencente à iniciativa privada. Conseguir uma vaga em um curso de Medicina, em um país de quase duzentos milhões de habitantes, sendo a maioria de jovens, é considerado um ato de extremo heroísmo, e por que não, de superação.

Parabéns a todos os pais sofredores e jovens vencedores!

Gabriel Novis Neves
13/03/2010

sábado, 13 de março de 2010

MORTO VIVO

Não tenho ilusões! Tenho esperanças! - e só deixarei de tê-las com a minha mudança para o plano espiritual. Procuro viver a minha vida verdadeira, e não a vida inventada - desejo de muitos.

Ambição? Tenho. Não nego, desejo acrescentar muitas vidas aos meus dias. Vaidade? Só de me sentir útil à sociedade. Poder? Somente o poder de expressar livremente o que penso - que não representa, necessariamente, a opinião de todos. Errar? Procuro evitar o erro de todas as maneiras - embora “errar seja humano”.

É neste mundinho, com meus poucos e escolhidos amigos, que vou tocando o barco da minha existência. Aqueles que fazem essa opção de vida, longe dos holofotes, são considerados por muitos, como mortos.

Sou médico e não desaprendi a fazer o diagnóstico da morte física, mental ou emocional. Sei que estou vivo - e muito bem obrigado. Algumas pessoas crêem que estou morto. Entretanto, às vezes, me surpreendem tratando-me como se vivo fosse. A esta contradição costumo chamar de “morto-vivo”.

Os últimos acontecimentos ocorridos na minha vida, principalmente na área da minha profissão, me deram a certeza de que a vida continua plena em mim e que gozo de perfeita saúde física, mental e emocional. Qualquer movimento que faço com o meu velho esqueleto, ou com a minha mente, aqueles que me consideram morto, estão sempre de plantão para: lerem o meu pensamento e falarem por mim. Começo a desconfiar que, para essas pessoas, além de vivo, sou considerado uma pessoa importante, poderosa e incomodativa.

O único poder que reconheço que tenho, e que nunca vou perder, é a herança de caráter que herdei dos meus pais.

O resto - aprendi com a vida.

Gabriel Novis Neves
Cuiabá, 14/12/2009

A importância da leitura

Sempre fui um leitor voraz e um defensor da leitura. Leio de tudo um pouco. É um excelente exercício para estimular meus neurônios, que trabalham quando cutucados pelas emoções, sejam de raiva, medo, pesar, alegria ou desprazer. As páginas de classificados dos jornais, por exemplo. Este encarte exerce sobre mim um grande fascínio: oferece aos leitores uma variedade incrível de assuntos, desde os tradicionais anúncios de compra e venda de imóveis - e de tudo que se possa imaginar - até oferecimento de massagista. Quantas coisas interessantes eu descubro nessa leitura especializada! Existe maior poesia que o anúncio de uma vaga em um quarto em hospedaria para senhor de fino trato? A profundidade dessa frase vale muito mais que essas campanhas governamentais contra o preconceito. O candidato a uma vaga de quarto, geralmente é pobre, e é exigido apenas que seja de fino trato - educação e ética. Por outro lado conheço muitos freqüentadores de cinco estrelas, que só têm o cartão de crédito - única exigência para a sua hospedagem.

E as ofertas de vendas e aluguéis? Certa ocasião eu descobri nos classificados o anúncio de aluguel de caixão para velório. Funciona assim: o indivíduo aluga um caixão; chegando ao cemitério, o defunto é transferido para uma rede barata para dormir o sono eterno no fundo da cova. O caixão retorna então para a empresa à espera de outro cliente. Alugam-se pássaros ornamentais; procuram-se acompanhantes para executivos, de preferência alemãs; cachorro para cegos, e por ai vai. Uma diversão a leitura desses maravilhosos classificados! Nem vou comentar a interessantíssima coluna de trocas, onde se troca até seis por meia dúzia. A leitura também disciplina o raciocínio e geralmente quem lê é coordenado nas suas colocações.

Hoje na primeira página de um classificado leio um anúncio de interesse mundial. Uma cantora-coroa-baiana, dona de um trio elétrico, esclarece num anúncio que durante o carnaval faz sexo três vezes por dia. Segundo a cantora, os seus neurônios são ativados pelo ponto G, que lhe transmite energias suficientes para os sete dias de carnaval em Salvador - é isso mesmo, lá são sete – Aí eu me pergunto: o que vem a ser isto? Será procura por candidatos? Será que é para incutir em nós complexo de inferioridade? Sei lá... Daí o meu fascínio pelos classificados - me leva a profundas reflexões...

Precisamos de leituras não seletivas, pois com o vestibular do ENEM, estes podem ser alguns dos temas da dissertação. Um amigo saindo da UTI vitimado por um grave acidente vascular cerebral (AVC), ditou à enfermeira uma mensagem que acabo de receber: “A cobiça desune a humanidade, mas a burrice une novamente”.

Gabriel Novis Neves
13/02/2010

sexta-feira, 12 de março de 2010

SEXTA-FEIRA

Todos os dias da semana possuem um significado especial. Se a segunda-feira é o dia da preguiça, terça é do São Benedito, a quarta começa o ano como dia das cinzas depois do carnaval é início da Quaresma, que se transforma em Santa, e o resto do ano como quarta do futebol noturno. A quinta é o dia que marca o final da semana em Brasília, o sábado é do churrasco. O domingo é de tristeza ou paz, sendo a noite da pizza. Esqueci da sexta? Não, apenas deixei para o final por ser o dia mais complexo e abrangente da semana. Mereceria até um artigo especial. Vou abordar apenas uma das utilidades da sexta-feira o dia das ilusões. Todo tipo de notícia desagradável, especialmente as mais surpreendentes e porque não traidoras, é dada no crepúsculo da sexta, quando as possibilidades de reação praticamente inexistem. Geralmente essas decisões são tomadas no início da semana, mas o comunicado é dado na sexta. Recebi um email de um jovem, com futuro brilhante relatando que fora vítima da síndrome da sexta-feira. Trabalhou a semana toda sendo elogiado pelo chefe. Jovem não está habituado ao mundo das falsidades e traições. Preparava-se para deixar o serviço quando foi chamado pelo “chefe”. O diálogo foi dos mais cínicos e cretinos: precisamos enxugar a folha de pessoal, e vamos cortar os funcionários não desejáveis ou dispensáveis. O seu salário de quase novecentos reais é altíssimo. Temos muitos “aspones” que estão solicitando aumento de salários. Você sabe que essa especialidade está em alta, e muito valorizada pelo mercado. Aqui mesmo temos "aspones" ganhando quinze mil reais por mês, e estão pedindo aumento de salário. Agradeço esses anos todos de convivência, e iremos até pagar o aviso prévio. Com essa prova de gratidão, boa sorte e procure o departamento de pessoal, para o acerto no Ministério do Trabalho. Esta característica da sexta-feira cheira covardia e traição. Não entendo porque não simplificamos a nossa vida, partindo direto do dia do nosso nascimento até o dia finito, anunciador do infinito. Creio que assim seremos mais felizes, onde todos os homens e dias seriam iguais.

Gabriel Novis Neves
09/03/2010

quinta-feira, 11 de março de 2010

Base de sustentação

Uma das perguntas mais frequentes que me fazem, e tenho dificuldades em explicar - não sou um expert no assunto - é o que significa “base de sustentação do Governo”. O Presidente da República, Governadores e Prefeitos, falam abertamente do assunto. Os Senadores, Deputados Federais e Estaduais, e Vereadores idem.

Deve ser alguma coisa muito importante na tal da engenharia do poder. Existem até especialistas nessa área ostentando o pomposo título de construtores da engenharia do poder. Na escola me ensinaram que todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido. Essa base de sustentação é algo misterioso, e que propiciam na população grandes suspenses. Há todo um ritual para se ingressar nesse grupo que, dizem, é o responsável pelo desenvolvimento do Brasil. Entre outras atribuições, é a base de sustentação a responsável pela aprovação dos programas sociais como: Saúde para Todos, Educação de Qualidade Universal, Segurança Pública, Saneamento Básico e tantos outros indispensáveis.

Sem essa base, nenhum governante, mesmo com altos índices de aprovação, faria alguma coisa. Logo, quem é avaliado não é o Presidente da República, Governadores ou Prefeitos; se hoje temos um Brasil mais justo, democrático e transparente nas suas ações, devemos às bases de sustentação do governo. Causa-nos espanto, portanto quando certos governantes, com altos índices de aprovação popular, entendem serem eles, e somente eles, os detentores de todo o mérito de suas ações. Aí acontece o seguinte: vão às urnas, com a megalomania natural de todo político dito popular, e sofrem uma derrota inimaginável – por eles claro! Não conseguem entender que o povo aprovou a eficiência das bases, e não o seu executor.

Mas há um senão dificultando o entendimento da população, e subtraindo a lógica do meu raciocínio. Ultimamente todos os grandes escândalos aconteceram nas bases de sustentação do governo. Não recordarei os maiores destes últimos dez anos, pois perderia o fio da meada. Gostaria apenas de citar o que aconteceu com a base de sustentação do governo do Distrito Federal, e que é do conhecimento da nação brasileira. Toda a farta distribuição de dinheiro foi filmada: dinheiro na bolsa, dinheiro nas meias, dinheiro nas mãos, dinheiro nos bolsos, dinheiro abençoado merecedor de orações. Como explicar ao povo este fato da Capital Federal? Tarefa difícil para o trabalhador que recebe salário mínimo compreender! E quem pertence a essa privilegiada base? Ora, só gente que “não é qualquer um” - nas palavras gravadas do nosso Presidente: o “criador de rãs”; homens “sortudos nos negócios” – que ficaram milionários da noite para o dia; “conhecidos” agentes públicos, o maior “grileiro de terras do Brasil”, etc.. Só gente muita fina mesmo! Gente que abandonou a sua história de vida, para pertencer à base. Quanto patriotismo não?

Enfim, é a fotografia do Brasil. Depois que me converti em defensor das “forças”, que um dia serão fortes o suficiente para mudar esse quadro, acho normal tudo o que estamos vivendo. O difícil mesmo é explicar ao povo que sofre o que é e para que serve realmente a base de sustentação do Governo. Se o povo não consegue entender, pelo menos ele sabe que foi roubado!

Gabriel Novis Neves
26 de Fevereiro de 2010

quarta-feira, 10 de março de 2010

INICIOU

Estamos num ano eleitoral. A propaganda eleitoral antecipada há muito já começou, contrariando as normas do Tribunal Superior Eleitoral. Segundo o meu consultor para assuntos internacionais, até no Paraguai a lei eleitoral é respeitada. Aqui na terra da transparência e ética, não. Com o famoso jeitinho brasileiro, comícios de lançamento e propaganda de candidaturas, são chamados agora de “reuniões de trabalho” para planejamento estratégico para o próximo milênio - coisa que na verdade ninguém está interessado.

Exclusiva para as chamadas lideranças políticas e empresários financiadores das campanhas políticas, essas reuniões são na verdade um grande enigma. O que será que tanto discutem? Fechamento de alianças – com o olho gordo mirado nos preciosos minutos da televisão no horário político gratuito? Nomes dos componentes das chapas majoritárias? Recursos financeiros para “montar o palanque” do candidato a ser escolhido em convenções partidárias livres e democráticas? Não sei, não sei...

Depois de tudo acertado, vem o almoço íntimo, seguido por uma entrevista coletiva à imprensa. Perguntas poderão ser feitas, mas só as comportadas – uma mais complicada pode ficar sem resposta. Inspirados naquele samba de uma nota só, as autoridades fazem longuérrimos discursos enaltecendo as qualidades do burlador da lei eleitoral. Para o deleite dos fotógrafos são assinados protocolos de intenções – de quê? De nada, claro! Enfim uma prova material de que houve trabalho, e não campanha. É, a Lya Luft é que está certa ao comentar: “Está inaugurado o circo de manobras, mentiras e traições escrachadas ou subliminares que conhecemos”.

Este primeiro contato do candidato ao mais alto posto do governo brasileiro, já é um engodo e – o pior - apoiado pelas maiores autoridades do estado! Assim também já é demais! O cobrador de ônibus exclama do alto da sua indignação: “como esperar dias melhores de quem mente!”

A verdade é que a propaganda eleitoral extemporânea há tempos começou. A população de Cuiabá não agüenta mais receber cartas - mais parecidas com as enviadas pelos “heróis da imaginação infantil”. As criancinhas, que nem sabem ler, estão alvoroçadas: querem saber o que estão recebendo. Lá pelo bairro Pedra 90, estão dizendo que muitas dessas cartas são de justificativas do Papai Noel pela não entrega do presente prometido. No ano que vem, ele não vai esquecer! Podem dizer ao papai, mamãe e a todos os seus amiguinhos que Papai Noel é amigo.

Gente! Uma sociedade justa e humana não se constrói sobre os alicerces da mentira! A informação correta e precisa é fundamental para que a população se arme com a única arma para se conseguir as mudanças éticas e morais necessárias – o voto. “Mal informados ou desinformados, somos vulneráveis; alienados, somos tolos, e a ignorância nos faz assinar a nossa sentença de morte”.

Quando as nossas autoridades dão mais importância à fiscalização de um concurso público, cujo potencial de eleitores é considerável; quando deixam de percorrer, em canoas, os lugares onde as enchentes destruíram tudo inclusive vidas humanas; quando permitem que um simples mosquitinho aniquile famílias, então só me resta vestir o manto da paciência e escrever, escrever e escrever - para não perder a alegria das coisas boas desta vida.

Gabriel Novis Neves
01/03/2010

segunda-feira, 8 de março de 2010

LEVEI UM "PITO"

É próprio do cuiabano referir-se a uma repreensão, como pito. Não tenho o hábito de passar pito em ninguém, mas em compensação levo pito todo santo dia. Sabe que acho bom? Muitas vezes é a oportunidade para um papo. Chego ao hospital (embora muita gente ande espalhando que deixei de trabalhar) e ao passar pela recepção encontro um casal conhecido de avós. Antes do meu cumprimento social, levo o maior pito da vó, pior, sem saber o motivo. A vó revoltada liga a sua metralhadora em cima de mim e descarrega toda a sua munição verbal. “ A minha netinha de quatro anos foi operada agora de hérnia inguinal bi-lateral. O ato cirúrgico foi rápido, sem nenhuma intercorrência. Inclusive já falei com ela, que está bem com a mãe e o pai no centro cirúrgico. Acontece que estamos aqui, aguardando um quarto que está sendo preparado para recebê-la. Um absurdo, a cirurgia terminou há vinte minutos, e nada do quarto”. O pito que na verdade foi um pitão, estava com os seus minutos de glória findando. Enquanto a vó abria a enorme bolsa para procurar o cigarro, tive a oportunidade de falar sobre o problema ( da vó ). Disse que a sua netinha estava sendo atendida no melhor hospital infantil de Mato Grosso. Tudo que é bom é muito procurado. Atendemos crianças não só de Cuiabá e Mato Grosso. Já atravessamos as nossas fronteiras. Para melhorar a auto-estima da vó, relatei que recentemente duas netas minhas foram operadas neste hospital. Sempre aviso as minhas clientes que irão ser submetidas aos procedimentos cirúrgicos, que o ato cirúrgico tem horário programado. A chegada ao quarto poderá ser demorada, pois provavelmente dependerá de uma alta. Relatei que a minha neta depois de operada, ficou quatro horas no centro cirúrgico aguardando um quarto. Observei que a vó estava tranqüila. Não sei se pela “sedação” do cigarro, ou pela minha conversa terapêutica. Achei o momento oportuno, para perguntar-lhe: quem é o responsável por esses transtornos desagradáveis? A vó percebeu que tinha dado um pito errado. Para reabilitar-se gritou para que todo mundo ouvisse: o governo! Obrigado doutor, o senhor me fez compreender o que os governos realizaram pela saúde em nosso estado. Fecharam hospitais, sucatearam a saúde pública, o único hospital federal que atende só pacientes do SUS está na UTI, e o nosso velho hospital municipal após morrer de inanição financeira, está sendo embalsamado. Esses são os únicos responsáveis, concluiu a vó. O vô que a tudo ouvia, acrescentou com sabedoria: e nós também que votamos neles e os idolatramos, tanto é que são candidatos ou apoiadores de candidatos nas próximas eleições. Finalmente chego ao meu consultório, para fazer a única coisa que procuro: tentar entender o sofrimento humano.

Gabriel Novis Neves
08/03/2010

domingo, 7 de março de 2010

Perder alguém querido

Perder alguém querido. Não há palavras para expressá-la. Não há livro que a descubra. Por isso, o melhor jeito de consolar é falar pouco, orar junto e estar presente, cada um do jeito que sabe. Palavras não explicam a morte de alguém querido. Sabe disso o pai, a mãe, os filhos, os irmãos, o namorado e a namorada, o marido e a mulher, amigos de verdade. Quando o outro morre, parte da matéria da vida vai com ele. A parte que fica torna-se ainda mais intrigante. Descobrimos a relação profunda entre a vida e a morte, quando alguém que era a razão, ou uma das razões de nossa vida vai-se embora. Para onde? Para quem? A gente vai se ver de novo? Como será o reencontro? Acabam para sempre ou apenas partem na frente? Porque agora? Porque desse jeito? As perguntas insistem em aparecer e as respostas não aparecem claras. Dói, dói e dói... Então, a gente tenta assimilar o que não se explica. Cada um do jeito que sabe. Há o que bebe o que fuma o que grita o que mergulha no fatalismo e o que, mesmo sem entender ou crer, aposta na fé. Um dia nós nos veremos de novo. Enquanto esse dia não chegar, aqueles que eu amo, sei que me ouvem e oram por mim, junto de Deus. Para eles a vida tem agora outra dimensão. Alcançar o infinito, o definitivo. Quem fica perguntando e sofrendo, somos nós. Mas como a vida é um riacho que logicamente deságua, a nossa vez também chegará e quando isso acontecer, não haverá mais lágrimas. As que aqui ficaram chorando terão a sua explicação. Por enquanto fica apenas a matéria. Alguém que não sabemos porque nascem de nós e porque crescem de nós, fecham os olhos e foi-se embora. Quem ama de verdade não dirá que acabou. A vida é uma só, começa seu tempo e continua, depois, na ausência do tempo e do limite. Seguem a quem amamos ou tornam eterno. E essa pessoa já sabe o porquê da sua partida. Por isso, convêm falar em mandar recados à Deus por meio dela. Se ela está no céu, o então alguém, além de Deus, de Jesus e dos Santos, importa conosco. Definitivamente não estamos sozinhos, por mais que doa a solidão de havê-los perdido. Mas será apenas por pouco tempo. Quem amou aqui, sem dúvida se encontrará no infinito.

Mensagem de Gio Bosco.

* (Psicografada por Pedro Novis Neves, em Cuiabá, hoje pela manhã, 07 de março de 2010, após receber a notícia sobre a morte do Dr. Iglésias, grande amigo nosso. A mensagem publicada neste blog foi recebida em minha presença e dela também sou destinatário, daí a deferência da necessária publicação)

A BENGALA

Viver sem emoções? Nem pensar! As emoções são tão importantes para a minha vida que não me imagino fazendo nada sem que elas sejam as grandes motivadoras.

Fui ao aeroporto pegar meu irmão que mora comigo e que passou as férias na casa da sua filha no Rio de Janeiro. O vôo chegava à noite, e os relatos dos últimos dias não eram nada favoráveis à pontualidade dos horários. Ninguém estranhe se eu dou a entender que buscar alguém no aeroporto é um problema. Mas não é que para mim se tornou um problema? É que sou portador de duas hérnias de disco na coluna lombo-sacro - e com a minha idade fico muito limitado nos exercícios do tipo “abaixa-levanta” carregando pesos – e o meu irmão é um cadeirante. Sentiram o drama? Solicitei o apoio de um motorista para me ajudar. Ele ficou encarregado das malas, enquanto eu fiquei encarregado de transportar meu irmão na cadeira de rodas – com sua inseparável bengala que ele carrega sempre no colo quando está na cadeira. Abro aqui um parêntese para explicar que não era qualquer bengala, mas sim a bengala que pertenceu ao nosso pai.

O meu ajudante, com dificuldade, coloca o meu irmão no banco do carona, as malas no porta malas e provisoriamente deixou a bengala dentro de um cone do DETRAN. Encaixe perfeito! Não posso esquecer-me de comprar um cone para utilização doméstica! Até então não via utilidade naqueles cones, a não ser para reservar lugares para autoridades estacionarem os seus veículos em locais privilegiados.

Retorno ao salão de desembarque para devolver a cadeira de rodas. Saio depois apressado em direção ao carro e embarco no banco de passageiros. Ao chegar em casa noto a ausência da bengala. Puxa viva, pensei! Meu irmão não caminha sem a bengala, e ela é de estimação! Lembrei-me do cone. O motorista volta ao aeroporto. Depois de grande expectativa e ansiedade o motorista retorna com a bengala. Só então dei por terminada a minha missão de “resgatar” meu irmão e a bengala no aeroporto.

Gabriel Novis Neves
15/02/2010

A Garrafa

Uma mesa simples, quase rústica, coberta por uma toalha bege; três pratos com os seus respectivos talheres; três copos; cadeiras vazias ao seu redor; uma garrafa de vinho no centro. Simples, encantadora, de uma comovente beleza e de uma rara sensibilidade. Esta é a imagem de uma foto que recebi de uma amiga, via email. Uma verdadeira obra de arte – tanto pela arte na composição do cenário, como pela sua mensagem. Feito o preâmbulo, conto o fato.

Dia desses recebi a visita de uma querida amiga. Conversa vai, conversa vem, me falou que estava indo para a serrinha. Perguntou se eu queria ir – só por delicadeza, pois ela sabe que eu gosto é de ficar aqui. Na despedida dou-lhe uma garrafa de vinho – bem apropriado ao clima da serrinha. Adivinhem onde foi parar a garrafa de vinho? Acertaram: no centro da mesa da foto.

Fiquei horas observando a foto, e divagando. A foto me transmite tranquilidade suficiente para me fazer apreciar a beleza em toda a sua simplicidade. Dá até vontade de voltar a viver aquela vida simples e pacata da Cuiabá de antigamente.

No mínimo, naquele local, três pessoas são apreciadoras da bebida dos deuses, talvez pelo clima da região, um dos mais agradáveis do estado, talvez pelo sabor e aroma das uvas pisoteadas, transformando-as num dos líquidos mais saborosos do mundo, e com certeza, são apreciadoras também de um bom papo. A falta de uma cadeira naquela mesa talvez faça companhia à solidão da garrafinha. A seqüência da vida da garrafa é totalmente diferente da pessoa da cadeira ausente à mesa. Uma será totalmente consumida - daqui a pouco será lixo reciclável; a outra continuará vagando por este mundo surpreendente de belezas naturais.

Fico imaginando a cena, afinal servir vinho exige certo ritual, como diz o nosso poeta Drummond: “Respeito silencioso/paira sobre a toalha./A garrafa espera o gesto,/o saca-rolha espera o gesto,/ a família espera o gesto/ que há de ser lento e ritual”. O dono da casa pega a garrafa, geralmente com a proteção de um enorme guardanapo, analisa o rótulo, o ano da fabricação, a sua procedência, retira a rolha e a cheira, segura a taça com a mão direita próxima da base e lentamente faz descer o vinho, roda o vinho dentro da taça para espalhar seu verdadeiro cheiro, coloca o nariz dentro da taça inclinada e cheira, faz a degustação inicial, de forma lenta para verificar sua qualidade. O anfitrião aprova - e só então é servido aos convidados.

E a ausência do copo que deveria estar na mesa nem foi notado, a não ser por mim.

Gabriel Novis Neves
28/02/2010

sexta-feira, 5 de março de 2010

PROCISSÃO DO FOGARÉU

Na cidade de Goiás Velho existe uma das manifestações religiosas mais belas e tradicionais do Brasil: a Procissão do Fogaréu - que começa às 00h00min da noite de quarta-feira da Semana Santa. Essa Procissão foi introduzida no centro-oeste pelos espanhóis em meados do século XVIII e encena a prisão de Jesus. Quando o Estado de Goiás cedeu ao Governo Federal uma área do seu território para a construção de Brasília, jamais imaginaria que, cinqüenta anos após, mesmo antes da Semana Santa, a nova capital do Brasil, também teria o seu fogaréu, só que político.

Os dicionários nos dizem que fogaréu é excesso de fogo em uma chama, ou uma grande fogueira ou ainda um fogo alto. Os cientistas dizem que o fogaréu é uma das conseqüências do aquecimento global; as ONGs, que é a ganância dos homens que, em nome dos negócios agro-pecuários, destroem o meio ambiente queimando os campos; a população diz que fogaréu é a queimada na Floresta Amazônica. Qualquer que seja a versão eu tremo e me apavoro com o calor do lume.

Brasília está queimando! O calor do fogo se espalha por todo o Brasil, e o povo, mais uma vez, sofrendo o suplício da fogueira. E tem gente por todo o Brasil, pregando o continuísmo como virtude, quando a verdade é exatamente o contrário! Mas o fogaréu que destrói Brasília e contamina todo o país, não é uma manifestação da Quaresma. O fogo que está destruindo as mais remotas esperanças do povo foi aceso pelo mau caratismo e pelo descompromisso ético e moral de alguns dos nossos políticos. É o fogaréu do desrespeito ao cidadão - cuja origem foi na “base de sustentação” do governo. Essa “Instituição” existe nos Governos Federal, Estadual e Municipal. A capital do Brasil cheira coisa queimada pelo fogaréu das negociatas, vaidades, interesses pessoais e ganância. É uma cidade que transforma bandidos em “pessoas especiais”. Os inocentes como motoristas, jardineiros e pequenos servidores públicos são sacrificados para salvar a honra dos graúdos - aqueles que não são “qualquer um”.

O mais desalentador é que, por mais que os combatentes do fogo estejam em alerta máximo, não serão suficientes para deter o fogaréu que se alastrará até aos próximos meses – leia-se período eleitoral. Conseguiremos sobreviver ao fogaréu da imoralidade? No caso do Brasil, não precisamos de ajuda externa. É só sabermos clicar o número certo na urna eletrônica - com aquele entusiasmo queimando no peito.

Gabriel Novis Neves
27/02/2010

quinta-feira, 4 de março de 2010

A Dinâmica do SISU

Domingo aqui em casa é dia de reunião. Minhas cinco netas, meu neto e eu nos reunimos e conversamos sobre tudo – geralmente os temas das discussões partem deles. O grupinho confia no velho avô. Três das meninas já estão na universidade. A mais velha, de vinte e dois anos, conclui o curso de Direito este ano. A segunda neta, de dezoito anos, faz o segundo ano de Administração e a de dezessete o segundo semestre de Direito. Graças a Deus até agora nenhum deles manifestou o desejo de seguir a carreira do avô.

Neste domingo o assunto central foi o novo vestibular do ENEM. Como sempre acontece, ouvi mais que falei. Contaram “causos e causos” do vestibular e da educação em geral. Falaram que sempre que anunciam uma mudança no sistema educacional, a qualidade é prejudicada. Lembraram a progressão automática no ensino fundamental. Ninguém cumpre a lei, e essa política criou a maior fábrica de analfabetos funcionais do mundo. As netas que estão na universidade demonstraram certo desencanto e decepção pela qualidade do ensino oferecido. Os outros netos terão ainda alguns anos de espera para vivenciarem esta experiência, mas escutaram atentamente as primas mais velhas. Com toda certeza outras medidas surgirão até o ingresso deles no ensino superior - quando muitos países já abandonaram este método de seleção que é o nosso vestibular.

Após ouvi-los atentamente disse-lhes que estamos vivendo o mundo modernoso. Temos que estar atentos 24 horas por dia, para não nos perdemos no mundo das informações céleres. Incentivei-os ao esforço contínuo para acompanharem o aparecimento de tantas siglas e o desvirtuamento de tantas palavras, assim como entender o que elas significam.

Por exemplo: desapareceram algumas vagas que já tinham donos, no curso de medicina da UFMT. Ao procurar matricularem - se os alunos são informados que as vagas agora têm outros proprietários. Desesperados ouvem a informação do funcionário do MEC: “está tudo correto, esta é a Dinâmica do SISU” – Sistema de Seleção Unificado! Entenderam a sutileza? Modificaram a seu bel-prazer, uma das leis dos 10 Mandamentos - não roubar. Não sei não, mas creio que isto é um roubo descarado! Parece-me que para os executores do modernoso SISU, que são prepotentes e arrogantes, roubar agora virou dinâmica. Não admitem nem diálogo! E sempre são os donos da verdade.

Precisamos com urgência de educadores para salvar os nossos jovens, e não de etiquetas acadêmicas. Os títulos honoríficos muitas vezes, são úteis somente à vaidade do professor e para melhorar o valor do seu holerite. E sem educação estamos condenados a ficar nesta faixa de país exportador de matéria prima e atração aos investidores estrangeiros pela mão de obra barata que ofertamos. Será que os nossos políticos não percebem que sem educação, ciência e tecnologia iremos sempre patinar na faixa dos países não pertencentes aos do primeiro mundo?

As minhas netas e neto pediram-me para continuar a conversa na próxima semana. O assunto é muito indigesto e o almoço já ia ser servido. Também pudera! Servir a “Dinâmica do SISU” como aperitivo não faz bem a digestão.

Gabriel Novis Neves
21/02/2010

quarta-feira, 3 de março de 2010

MICROONDAS

Estava ainda escuro, o dia começando a raiar, e eu já me encontrava na academia de ginástica, “sofrendo” em um aparelho de fortalecimento dos bíceps.

Tão concentrado estava que não percebo a aproximação da minha linda professora. Com os dedos das suas delicadas mãos, corrige com suave compressão a minha coluna dorsal mal posicionada. Sinto naquele ato técnico que o meu hipotálamo liberou todo o seu estoque de serotonina. Que sensação agradável! Enquanto prosseguia nos exercícios dos bíceps, aquela compressão em cima da minha coluna produzia efeitos terapêuticos e sensoriais. Solicitei a minha permanência por mais alguns minutos naquele exercício.

Quanta diferença do mesmo ato produzido por um médico. A minha professora não usa luvas, e o corpo dos seus alunos está encoberto. O médico para examinar, ou diagnosticar, usa luvas em corpos descobertos. Enquanto a correção do médico enluvado produz dor e desconforto, o da professora produz conforto e prazer.

Deus sabe o que faz. Diariamente nos deparamos com os múltiplos ângulos da vida. Felizes aqueles que estão preparados para perceberem. A dor, a perda, o infortúnio, a simplicidade, podem ter várias interpretações - depende de nós. Quantas vezes achamos que estamos vivendo uma tragédia, simplesmente pela impossibilidade de observarmos a vida por ângulos melhores. É na destruição que reconstruímos – na reconstrução, muitas vezes, surgimos mais fortalecidos, tal qual uma fênix.

Devemos prestar mais atenção nos pequenos detalhes que a vida, na sua sabedoria, nos oferece. Na maioria das vezes nos fazemos de cegos e surdos, e não percebemos que, nesses pequenos detalhes, existem grandes ensinamentos. E assim eles nos passam despercebidos pela corrida louca atrás do nada.

Apesar de todas as conquistas tecnológicas, o dia está cada vez mais achatado, dificultando o nosso encontro com a felicidade.

Tudo passa com o tempo: mocidade, beleza física, dinheiro, poder e saúde. Só não passam as nossas emoções - que ninguém compra ou vende, e às vezes transformam-se em verdadeiros aparelhos de microondas de emoções.

Gabriel Novis Neves
09/02/2009

segunda-feira, 1 de março de 2010

Escrevendo crônicas

Sou um fã das notas de esclarecimento que os jornais sempre divulgam como “Informe Publicitário.” Leio todos com atenção e alegria incontida. Recentemente em “Literatura - A arte”, interessei-me por uma “nota de esclarecimento” sobre crônicas, dividida em dezenove capítulos. Irei aproveitar um deles para este artigo. Todos são interessantes, mas como “nota de esclarecimento”, enfocarei resumidamente o capítulo Temas.

Diz o seguinte: “O cronista é aquele que capta breves momentos que compõem a condição humana, fatos irrisórios ou imagens pitorescas. Ele ouve conversas, recolhe frases, observa pessoas e registra situações, flagrantes de esquina e do cotidiano; as palavras de uma criança, incidentes domésticos e coisas que acontecem nas ruas. Lida com acontecimentos corriqueiros ou inusitados e com fatos do noticiário. Cabe ao cronista mostrar ao leitor aquilo que só ele vê nas entrelinhas do fato. Normalmente, parte de situações particulares que funcionam como metáforas de situações universais. A experiência pessoal é o ponto de partida para acessar verdades maiores. Em alguns casos pode abordar diversos assuntos numa mesma crônica, desde que haja uma linha central de raciocínio, que permita ao escritor, no final, amarrar as matérias que escolheu. O cronista pode falar sobre atualidades em geral ou eleger focos determinados. A Crônica é democrática quanto aos temas que escolhe, mas há matérias que não cabem neste gênero”.

Este trecho me dá a oportunidade para esclarecer uma concepção que muitos têm do cronista: que são, muitas vezes, amargosos ou de mal com a vida. O cronista, na verdade é um prestador de serviço de utilidade pública. Chama a atenção da sociedade para pequenos fatos do nosso dia-a-dia que, por estarem distraídos ou cegos, não conseguem ver.

A ironia muitas vezes utilizada nas minhas “crônicas” é um artifício que emprego para aliviar as situações angustiantes que vivemos nesta chamada vida moderna.

Gabriel Novis Neves
05/01/2010