segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

ALIENAÇÃO

Sempre procurei entender e compreender certas atitudes humanas, por mais estranhas que fossem. Quando me defrontava com alguns deslizes morais ou éticos, e era chamado a dar meu testemunho, na mais das vezes, procurava sempre encontrar uma razão plausível para justificar este ou aquele comportamento. Evitava ao máximo o radicalismo.

Mas tudo tem um limite! Face ao que vem acontecendo neste finalzinho de ano, aquela minha capacidade de compreensão e entendimento foi para o espaço. Agora sou um ferrenho adepto da tolerância zero. Aquela expectativa de mudança – que sempre se cria com a troca de governo - também foi para o espaço, pois acabo de perceber que tudo vai ficar “como dantes no quartel de Abrantes.”

Nesses dias presenciamos a Câmara dos Deputados cometer mais um descarado assalto contra o povo brasileiro. Nenhuma voz se levantou em defesa do povo trabalhador – que produz riquezas e recolhe superimpostos – e dos pobres desta Nação.

O nosso quase ex-presidente não falou nem comentou titica nenhuma sobre essa ação extemporânea dos deputados. Talvez porque seja um dos grandes beneficiados desse superaumento salarial.

A ordem do dia, nessa última semana de reinado, é varrer para debaixo dos tapetes palacianos o retrocesso na educação, o sucateamento da saúde pública e tentar sepultar os inúmeros escândalos do período.

Diante desses fatos que povoam o nosso dia a dia, especialmente com as incríveis cenas mato-grossenses, onde o impossível acontece, revi o meu antigo conceito de alienação.

Há séculos o termo alienação faz parte do nosso vocabulário. Mas este termo sempre me incomodou, pois soava como pejorativo e preconceituoso. Incomodava-me tanto que, quando tive oportunidade, troquei o nome oficial do nosso Hospital Colônia de Alienados do Coxipó da Ponte, para Hospital Adauto Botelho. Este hospital atendia pacientes com distúrbios emocionais, que até então eram chamados de alienados.

Agora, no entanto, o termo alienação é aquele que melhor define a maioria do povo brasileiro. Ser alienado hoje no Brasil é normal. Estamos tão anestesiados, social e politicamente, que aceitamos placidamente todos os abusos cometidos contra os nossos mais caros valores.

E, a consequência dessa alienação é que vamos contribuindo cada vez mais para a manutenção deste “status quo.”

Não sei se, nos tempos modernos, mudaria o nome de Alienados para Adauto Botelho.


Gabriel Novis Neves

18-12-2010

Unanimidade

Nelson Rodrigues costumava repetir nos seus escritos, que toda e qualquer unanimidade é burra. Tinha toda razão o nosso grande dramaturgo. Além de burra, a unanimidade é mentirosa - ela não existe. Leio na internet comentários e opiniões sobre o aumentão dos deputados federais - 62 % nos seus vencimentos básicos por mês! Não contando o espetacular efeito cascata.

Apenas 11, dos 395 deputados presentes à histórica seção legislativa dos tempos modernos, ocuparam a tribuna para defender o irresponsável aumento.

Se por acaso, um inocente nas artes políticas estivesse assistindo pela TV à famigerada sessão, com toda certeza apostaria na derrota da proposta no plenário, de tão escandalosa que era.

Veio o resultado: o aumento foi aprovado com uma maioria esmagadora de votos. Embora 11 deputados tenham se manifestado contra a proposta, nas discussões preliminares, apenas 8 dos 395 votaram contrário ao aumento. Do grupinho dos 11, jogaram para a platéia, 3 deputados.

Anunciado o “surpreendente” resultado, a maioria ficou descontente. Esperavam pelo menos o dobro do aumento aprovado, e que nós iremos pagar. A justificativa predominante, e corria à boca miúda nos corredores assombrados da Câmara dos Deputados, é que os nossos representantes precisavam, nesses anos de mandato, fazer a sua independência econômica.

É de justiça registrar o nome dos deputados que votaram contra o aumento.

Foram eles: Chico Alencar, Luiza Erundina, Ivan Valente, Eduardo Valverde, Magela e Fernando Chiareli.

Todos os deputados de Mato Grosso votaram a favor do aumento.

“Esse aumento aprofunda o abismo entre a sociedade e o Parlamento”, disse revoltado o deputado Chico Alencar.

É bom lembrar que, durante a recente campanha eleitoral, esse assunto não foi abordado pelos milhares de candidatos ao Congresso Nacional.

Para remunerar condignamente os seus deputados, que a partir da próxima legislatura serão os mais bem remunerados do mundo, houve necessidade de se fazer cortes no orçamento.

A primeira conseqüência foi com relação ao aumento do salário mínimo, que será pífio.

Foram feitos também cortes substanciais, em áreas não prioritárias ao desenvolvimento nacional como Educação, Ciência e Tecnologia.

Até o falado PAC sofrerá cortes, assim como outros programas assistenciais.

Ía me esquecendo: aquela historinha de torneiras abertas para a Copa do Mundo está com a sua água bem racionada.

Enquanto isso, os fazedores de leis se esbanjam em festas do auxílio exercício de função.

Oh, Vida!


Gabriel Novis Neves

23-12-2010

domingo, 26 de dezembro de 2010

CULTURA

Meu relógio fantasia “Made in China” quebrou. Que situação! Tive que apelar e usar um novinho, de marca famosa, que, de tanto tempo guardado na gaveta, virou de estimação.

Tenho esse patológico hábito de guardar os presentes novos e de valor, e andar feito mendigo. Não entendam, por favor, que eu esteja fazendo uma apologia à avareza. Isto não. Sou católico e sei que a avareza é um dos setes pecados capitais. É cultural mesmo esta minha mania.

Venho de uma família simples, com muitos irmãos e parcos recursos financeiros onde o desperdício, este sim, era um pecado. Então cada irmão cuidava muito bem das suas coisas para o devido repasse ao irmão menor. Creio que veio daí a minha mania de guardar “coisas boas”.

Cuidava com o maior zelo das minhas roupas, sapatos e livros, pois no próximo ano seriam utilizados pelo meu irmão menor. Ah, sim! Tinha obrigação de guardar a melhor roupa para eventos especiais: missa aos domingos, aniversário da dinda, Natal – essas coisas.

Na família do meu pai só o mais velho dos irmãos ia ao médico para obter um par de óculos de grau. Depois os óculos passavam aos outros irmãos, respeitando a idade.

Quando deixei Cuiabá para estudar medicina no Rio, a minha mãe preparou o meu enxoval. Colocou em uma pequena mala de papelão, aquilo que eu dizia ser material para a Arca de Noé. Eram duas - camisas, calças, camisetas de algodão e cuecas. Como também, dois - lenços, pares de meia, pijamas e calções. Um par de sapatos nos pés, um pulôver de tricô feito pela minha mãe e o terno branco da formatura no ginásio. É, acho que foi só isso. Quando ganhava uma camisa nova, claro que guardava!

A história da minha doença é essa e o diagnóstico independe de resultados laboratoriais.

O meu velho relógio quebrou. Com que tristeza remexi na gaveta e resgatei lá do fundo o novo para substituí-lo. Ainda não me acostumei com ele. Além da insegurança de não contar mais com um reserva para “situações especiais”, como diz o meu irmão ao abrir uma conta bancária.

A durabilidade da máquina que uso hoje no pulso esquerdo tem um certificado de garantia bem superior ao dado pelos meus médicos com relação a minha ótima saúde.

Já que extraí das profundidades das minhas origens a razão de guardar as coisas novas para um dia qualquer desses usar, será então, que assim mesmo, ainda continuarei usando trapos?


Gabriel Novis Neves

05-11-2010

Vizinho

Moro no bairro dos Fuxiqueiros. O líder deles - pelo menos assim ele se auto-intitula, habita num edifício quase em frente ao meu, mas a dois quarteirões de distância.

Sua principal função em casa parece-me ser a de bisbilhotar a vida dos seus vizinhos. Acho que ele nem dorme! Fica na janela com a sua poderosa luneta em punho, só assuntando o acender e o apagar das luzes dos apartamentos vizinhos, e até onde a sua luneta alcançar.

Já fui vítima por diversas vezes da sua bisbilhotice. Não que eu tenha percebido a invasão. Mas fiquei sabendo pelo próprio. É! Ele não tem nenhum pudor em divulgar essas coisas.

Dia desses me contou por telefone, ter observado que as luzes do meu quarto de dormir foram acesas um pouco antes das cinco da manhã. “Levantou cedo né?” – o cara de pau ainda me perguntou. “Sim” – respondi meio contrariado. Realmente naquele dia levantei-me mais cedo e fui escrever na “sala de parto” que fica nos fundos do apartamento, longe da curiosidade do meu vizinho. Aí o bisbilhoteiro, para meu espanto, me falou que naquele dia eu devia ter chegado atrasado à academia, pois as luzes do meu banheiro se acenderam mais tarde que de costume. Sim, sim, ele também sabe a que horas eu vou para a academia. Aliás, eu acho que ele sabe tudo o que eu faço dentro de casa. Que horas eu almoço, tomo banho, vejo televisão, vou ao banheiro, durmo. Tudo, ele sabe tudo!

Francamente! No começo até achava engraçado esta diversão dele. Comuniquei-lhe então que o limite da minha paciência, para tamanha invasão de privacidade, tinha se esgotado. Pela manhã tomaria duas decisões: chamaria o meu advogado para processá-lo judicialmente por invasão de privacidade, e iria procurar nos classificados um novo lugar para morar. De preferência uma pequena casa, bem distante deste burburinho. Bem humorado ele respondeu: aguarda mais um pouquinho, que a sua mudança será definitiva para o outro mundo. Não sei se ria ou se chorava.

Queixei-me sobre este fato com a minha madrinha durante as visitas domingueiras que eu faço a ela. A minha dindinha, quase uma santa, aconselhou-me a não levar a sério essas pessoas. Releve - me falava ela. E empregou toda a sua sabedoria e religiosidade me doutrinando. Ouço calado e compenetrado os conselhos da minha madrinha. Na despedida disse-lhe: gostei dos seus conselhos. Não farei nada. Agora, minha madrinha, queria ver se fosse com a senhora!


Gabriel Novis Neves (7.5 + 17)

23-07-2010

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

NOVIDADE

Lembro-me como se fosse hoje da chegada da minha primeira neta. Era Natal de 1987. Camilla chegou num clima de paz e harmonia que esta data inspira em todos nós. Filha da Mônica e do Mauro, irmã da Isabelle. Hoje Camilla é advogada. Esbanja beleza e generosidade. Dona de uma personalidade vibrante. Encanta a todos que com ela convivem. Principalmente a este avô.

Foi “abre-alas” dos netos da minha família, por onde desfilaram depois a sua irmã, primas e o único primo. Acompanhei todo o pré-natal da Camilla.

No dia 24 de dezembro pela manhã, a Mônica me telefona dizendo estar sentindo umas coisas estranhas. Vou até o seu apartamento e a examino.

- O que tenho, pai? - pergunta minha filha.

- Parece que a sua filha arrumou as malas para a viagem de chegada à Terra – disse a ela entre comovido e assustado. Afinal, era minha primeira neta.

- Vou internar agora?

- Por enquanto não. Você está apenas em premonitórios de trabalho de parto.

- Vai demorar? – pergunta ansiosa.

- Se tudo acontecer como dizem os livros, a sua filha irá nascer daqui a dez horas.

- Então posso almoçar, né?

Ri intimamente diante da pergunta, e percebi que ela estava tranquila. Até pensava em comer!

- Claro! – respondi. - E para você ficar mais tranqüila vai lá para casa. Está tudo preparado. Na hora indicada a levarei à Maternidade.

Chegamos à noitinha para a internação, com a Mônica já em franco trabalho de parto.

Na reta final da chegada para o nascimento, a minha filha cansou. Indiquei a cesariana.

Era um procedimento que eu realizava todos os dias, e com grande sucesso. Montei uma excelente equipe de atendimento no Centro Cirúrgico. Estava me preparando para o ato cirúrgico quando veio a grande novidade: eu não iria fazer o parto, só ficaria de expectador. Olhei admirado para o meu excelente colega auxiliar, mais jovem do que eu, e que estava me dando aquela “ordem”.

Argumentou comigo e com a família, e foi tão convincente que lhe passei o bisturi.

Parteiro cinqüentão; a gestante minha única filha; nascimento da primeira neta; a emoção da noite de Natal. Só estes fatores seriam uma afronta às minhas coronárias.

O interessante nessa história é pensar em como a novidade interfere na vida das pessoas. A Camilla foi a novidade na carreira do parteiro avô. Mas foi uma novidade que interferiu positivamente na minha vida. Minhas outras netas e neto nasceram comigo - muito embora a emoção sempre estivesse fortemente presente.

Deixei para o final o papel da vó Regina em todos esses eventos. Ela foi uma condutora firme e amorosa nesses momentos maravilhosos. Acolhia os netos com aquele aconchego de que somente as avós são capazes. E assim, sempre no aconchego do seu colo, os netos foram chegando e crescendo. Não à toa todos os seus seis netos foram totalmente apaixonados por ela.

Nostálgico e emocionado, mas ao mesmo tempo feliz pelo prazer dessas recordações, deixo aqui registrado meu pessoal encantamento neste Natal dos 23 anos da advogada Camilla.

Beijos, Milla.

Do vô,

Gabriel


Natal de 2010

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Tudo pronto

Não faz muito tempo um deputado do Nortão mato-grossense apresentou na Assembléia Legislativa um projeto de lei propondo nova divisão do nosso Estado.

Com o poder na palma da mão a partir de 2003, o Nortão começou a ser agraciado com muitas obras. Também pudera! Os cuiabanos cederam o poder a um grande empreendedor e trabalhador de lá. Assim falavam os plantonistas do poder.

Não se comentou mais sobre a tal divisão do Estado. Antes das eleições deste ano, o deputado autor do projeto veio a público dizer que, com o governo implantado em 2003, todo o Nortão estava com suas reivindicações atendidas. A divisão agora seria uma grande bobagem. Era jogar dinheiro fora construir uma cidade burocrática.

Com o desenvolvimento do Nortão assegurado, retorna a idéia ameaçadora da nova divisão do Estado.

Alguns sintomas começam a surgir. O exemplo mais preocupante diz respeito à chegada do trem do Vuolo a Cuiabá. A informação oficial é que aquele traçado é antigo e não atende mais ao Mato Grosso moderno pós-2003.

A realidade econômica é outra, dizem. O seu ponto final, no novo traçado da ferrovia, será no estacionamento de uma grande firma exportadora em Rondonópolis.

Agora, o que me assusta e me deixa perplexo: não escutei nenhuma voz se elevar em favor da manutenção do traçado original da ferrovia. Cuiabá simplesmente se cala. Assiste, complacentemente, o sonho do senador do Coxipó ser desfeito. Incompreensível o silêncio reinante. Como incompreensíveis também, para mim, são uma série de atos e atitudes que vêm acontecendo na terra de Dom Aquino Correa.

Mas, voltando ao trem. Foi divulgado o novo traçado da Ferrovia Centro-Oeste: passa pela região Norte de Mato Grosso.

O traçado é de Uruaçu (GO), passando por Cocalinho, Água Boa, Lucas do Rio Verde, Campo Novo do Parecis (MT), seguindo até Vilhena (RO). De Uruaçu termina em Tocantins. Daí pega a Ferrovia Norte-Sul até o Porto de Itaqui, no Maranhão, ganhando o Atlântico pelo norte do Brasil, rumo à Europa e à Ásia, via Canal do Panamá.

A região que irá ser cortada pela ferrovia é riquíssima em produção agrícola, com as qualidades exigidas tanto pelo mercado europeu, que paga mais, porém não importa grãos transgênicos, quanto pelo asiático, que engole qualquer coisa. Pura sorte dos empresários que escolheram o chapadão, e não caíram na tentação da produtividade científica - tão do desagrado daqueles mercados seletivos.

A região também é rica em minérios. Tanto é assim que megainvestidores estão se preparando para sua exploração e exportação.

A linha da ferrovia da produção seria o limite de Mato Grosso com o novo Estado.

O fato é que aonde chega a ferrovia em Mato Grosso, nasce um novo Estado. Foi assim com Rondônia e Mato Grosso do Sul.

Com esse novo projeto, o Porto de Santarém, no Pará, perde a sua importância como pólo exportador das nossas riquezas agrícolas e minerais.

Dificilmente o asfalto da rodovia federal 163 chegará ao Porto de Santarém, que não receberá recursos para a sua adequação e modernização.

Segundo fontes fidedignas, está tudo planejado e pago. A ordem de serviço virá logo, para executar no menor prazo de tempo o projeto da divisão, digo, do traçado da nova ferrovia.

O ministro dos Transportes, em visita recente a Cuiabá, garantiu a estrada até Rondonópolis.

Depois uma comissão fará um estudo de viabilidade técnica- econômica, para saber se a ferrovia deve prosseguir até a capital eterna de Mato Grosso!

Trocando em miúdos - ela não virá!

Aguardemos, pois está tudo pronto.


Gabriel Novis Neves

22-12-2010

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

EDUCAÇÃO DE BERÇO

A mais importante educação que alguém possa receber é aquela que vem de casa. O lar é a primeira escola na vida de uma criança. Os pais têm uma missão divina. Burilar a mente de seus filhos, transmitindo-lhes os valores que irão servir de base para a formação de seu caráter e personalidade: moral, ética, disciplina, respeito aos mais velhos e às instituições. Esses valores, quando bem incorporados à mente das crianças, as acompanharão pelo resto de suas vidas.

Para o bom desempenho dessa missão, os pais não necessitam do saber acadêmico. Basta, tão somente, colocar amor, e muita paciência, nos ensinamentos transmitidos.

Eu tive a sorte e o privilégio de ter tido pais assim. Educadores natos e sensíveis, em que a ausência do saber acadêmico não foi impedimento para que cumprissem com êxito a missão a eles confiada.

Minha mãe era de prendas domésticas, não concluiu o primário. Meu pai, dono de um bar, também não possuía grandes instruções acadêmicas. Mas, quanta sabedoria existia naquelas mentes!

Meu pai trabalhava o tempo todo fora de casa, inclusive aos domingos. No Natal, Ano Novo e Carnaval - à noite. Nunca celebramos a Ceia do Natal ou a festiva e tradicional entrada do Ano Novo!

Meia noite em ponto, nas noites de Natal e Ano Novo - durante 35 anos - o Bugre do Bar telefonava para cumprimentar a minha mãe que, acordada, aproveitava o tempo para colocar em dia os inúmeros afazeres domésticos. Enquanto isso, nós, crianças ainda, dormíamos o sono pesado da felicidade. Crianças saudáveis, protegidas e amparadas pelo amor dos pais, dormem, como se costuma falar, o sono dos anjos. Assim era a nossa noite do nascimento de Jesus.

Como me lembro dessa dupla maravilhosa de educadores que foram os meus pais! Passagens edificantes e prazerosas passam constantemente pela minha mente. Coisinhas bobas até, mas repletas de calorosas lições.

Dia desses estava debaixo do chuveiro preparando-me para ir ao consultório. De repente me veio à lembrança um dos ensinamentos da minha mãe. A minha emoção foi tão forte que cheguei a ter a impressão de que ouvia a sua voz dizendo-me: “Menino, aprenda a limpar os pés. Use um pouco de sabão em cima dos pés e muito cuidado para não escorregar.” O banho era tomado numa pequena calçada que fazia o entorno do tanque nos fundos do casarão da Rua do Campo. A água era retirada do tanque com uma pequena lata de banha de porco. O corpo era esfregado com uma bucha, produto de uma trepadeira da família das cucurbitáceas.

A limpeza dos pés era uma verdadeira engenharia de arte. “Meu filho, coloque a sola do pé direito em cima do esquerdo e esfregue bem. Depois faça o mesmo do outro lado”.

Confesso que ao fazer essa manobra no meu banheiro, debaixo do chuveiro, cheguei às lágrimas.

Que mundo maravilhoso eu tive a sorte de viver! No mundo globalizado de hoje, em vez da mamãe, é a babá que ensina essas pequeninas coisas às crianças.

Feliz-infeliz globalização e tempos modernos! As crianças afastadas de seus pais e a tecnologia ocupando o lugar das brincadeiras e descobertas ao ar livre. Acho que as crianças de hoje nem sujam os pés!

Difícil, no mundo atual de tantas conquistas, a presença integral da mãe no desenvolvimento e crescimento dos seus filhos. É preciso, entretanto, compreender que no mundo de hoje, como no de ontem, é mais importante ser do que ter.

Não estou em crise de melancolia, mas a presença dos pais é insubstituível nos pequenos detalhes iniciais da vida de uma criança.

Criança sem esse berço de coisas pequenas é um adulto carente de grandes bens materiais.

“Lave bem os pés, meu filho!”


Gabriel Novis Neves

16-12-2010

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Mundo encantado

Vou criar o meu mundo de fantasias, o meu mundo encantado. Este mundo real em que vivo não me satisfaz mais. Muita crueldade, muito abandono e muita hipocrisia.

Este meu mundo encantado não seria um mero carbono desses que vemos por aí. Não. Em primeiro lugar, ele seria totalmente humanizado. Em segundo, a verdade seria o preceito básico e indispensável para a boa convivência. Em terceiro, o mérito de cada um seria o único passaporte para o alcance da felicidade. E, por fim, tudo funcionaria com a perfeição de um corpo humano – obra máxima e inquestionável de um Deus.

Qualquer pessoa poderá se habilitar a morar neste meu mundo encantado – desde que siga aquelas regrinhas básicas.

De vez em quando visitaria outros mundos, especialmente o mundo em que vivo atualmente, para dizer das vitórias conseguidas somente com o uso da verdade.

Mas, isso tudo são sonhos. A realidade deste nosso mundo é um pesadelo. As notícias divulgadas pela mídia são estarrecedoras! Há um verdadeiro colapso ético nas nossas instituições. Mas isto tudo que estou falando não é novidade para ninguém. A novidade que choca e deprime é saber da existência de pessoas, até nos mais altos escalões do poder, que afirmam que tudo está correndo às mil maravilhas.

Há pessoas também crédulas, ou simuladoras que crêem, para usufruir das benesses do proprietário provisório do mundo da fantasia que ele inventou para administrar um sucesso que ele acredita existir.

Na História Universal, há relatos de mundos reais de fantasias. Só que estes não existem mais. A minha geração acompanhou o desaparecimento de dois deles.

Sonho de jovens de algumas gerações - o encanto mágico e fantasioso da União Soviética - transformou-se em matéria de pesquisa para estudiosos deste mundo sem fantasia. A marca do seu finito foi a destruição, pelo povo, da imensa escultura humana da Praça de Moscou e a instalação da fábrica da Coca-Cola.

Outro mundo real de fantasia há anos está em formol. Morreu com as inúmeras fugas dos seus filhos em inviáveis barcos para mundos mais humanos.

Se me fosse possível optar, gostaria de viver no meu mundo encantado. Não quero mais viver neste mundo de videntes!


Gabriel Novis Neves (7.5+138)

21-11-2010

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

LAZER

Pertenço a uma árvore genealógica enorme. Generosa, produz muitos frutos. Frutos de todas as idades, pendurados em seus arqueados galhos. Muitos desses frutos amadureceram e não estão mais na árvore. Outros, ainda em flor, frutificarão para substituí-los.

Necessário, todavia, observar que apesar de pertenceram à mesma árvore, cada fruto tem as suas peculiaridades e preferências – devido talvez à sua produção em épocas tão distintas? Não sei. Só sei que cada fruto da minha árvore tem as suas características próprias.

Dezembro chegou. E com ele as festas tradicionais de final de ano. Final de ano também é sinônimo de exames finais das crianças para encerramento do ano letivo. Depois das festas e das provas, o assunto é um só: férias.

Férias e lazer – duas palavras que devem andar de mãos dadas. Mas como é complicado conceituar o lazer! Geralmente está associado a prazeres (!) não rotineiros.

Aqui em casa, por exemplo, ouço muito os meus dois meninos conversarem sobre pescaria. Se pescaria for lazer, estou perdido! E fora dela, claro! Para eles é pura diversão e lazer! Agora pensem bem: pescaria requer planejamento, disciplina, condicionamento físico, paciência e, acima de tudo, grande espírito esportivo. Não é qualquer um que acha graça em ser comido vivo por aqueles mosquitinhos infernais. E quando não se pesca nada? Dizem meus meninos que este risco faz parte de uma boa pescaria, e faz parte do lazer.

Lazer, para mim, já é algo totalmente diferente. Não tem que gerar nenhum esforço, sacrifício, nem grandes deslocamentos ou frustrações. Também não tem que ter local nem horário pré-estabelecidos. Lazer significa prazer.

Um encontro inesperado pode me dar um grande prazer, assim como a visão reconfortante da natureza. O prazer é o lazer sem planejamento, sem investimento do local escolhido para ser usufruído. Ficar sem fazer nada, por exemplo, é um tremendo lazer. Lazer é um apêndice para aquisição de novos conhecimentos e inclusão de culturas diferenciadas. Entenda-se como cultura a curiosidade despertada pelo belo. Nada a ver com pacotes adquiridos nas agências de turismo.

Cada um tem o seu conceito de lazer e este tem que ser respeitado. Mas, é bom saber que existem adeptos de lazeres não convencionais.

O meu maior lazer é deixar o meu cérebro desligado por longos instantes dos problemas mundanos. Nestes preciosos instantes sinto minhas energias recarregadas e volto rejuvenescido.

Como na imensa árvore existem frutos nos mais diversos estágios, o lazer não pode mesmo ser padronizado. Há tipos de lazer para todos, mesmo para os rebeldes do prazer institucionalizado.

Nestes tempos conturbados, saber escolher um lazer que traga junto um grande prazer tornou-se, hoje, nosso mais importante aprendizado!


Gabriel Novis Neves

20-12-2010

domingo, 19 de dezembro de 2010

O CAJU

Na rua onde moro, a arborização é feita com árvores de médio e grande portes. Não são árvores frutíferas, mas produzem enormes sombras protetoras. O nosso sol não brinca em serviço; dificilmente entra de férias ou licença médica.

Caminhando dia desses por essa rua, me vi frente a um fato inusitado: uma fruta do cajueiro debaixo de uma enorme figueira. A fruta madura parecia que tinha acabado de cair da árvore. Não preciso ser policial, e muito menos detetive, para saber que aquele suculento caju foi trazido de longe.

O que mais me chamou a atenção diante daquela cena foi o abandono da fruta - um dos símbolos da nossa cidade. Parei por uns segundos diante do caju, fonte permanente de inspiração a todos que vivem no mundo dos sonhos, e fiquei a matutar: “será que apanho este caju, será que não apanho...”. Juro que fiquei na maior indecisão. Estava até com água na boca só de ver aquele caju.

Finalmente, resolvi deixar o caju onde estava - apesar do modo provocativo com que ele me olhava. Pensei: “vai que o dono do caju perdido volta para resgatá-lo. Quem não sentiria falta daquela bela fruta?”

Continuei a minha caminhada. Por umas duas ou três vezes, dei uma olhadinha para trás para ver se a caju ainda se encontrava lá. E, até quando meu olhar pode vê-lo, ele se encontrava no mesmo lugar.

No meu retorno, sou tomado pela ansiedade ao me aproximar da árvore onde estava o caju. Será que ainda encontraria aquela fruta avermelhada, com uma semente esquisita chamada de castanha?

O caju continuava no mesmo lugar. Fui tomado por uma alegria inexplicável ao ver o caju. Até chamei-o de meu caju. Imóvel, tranquilo, belo, imponente e apetitoso. O meu caju continuava intacto. Não fora vítima ainda dos predadores das ruas. Acho mesmo que não será. Tão bonito que parece que impôs certo respeito! Deve ter mexido com o emocional dos habituais arruaceiros.

Resolvi deixá-lo quieto no seu lugar. Antes de ir para casa passei na quitanda e comprei meia dúzia de cajus.


Gabriel Novis Neves (7.5+152)

05-12-2010

sábado, 18 de dezembro de 2010

O porco

Até há pouco tempo os porcos eram alimentados com restos de comida, tanto nas grandes fazendas como nas pequenas granjas. Além disso, a criação de porcos era sinônimo de mau-cheiro, sujeira e grande poluição do meio ambiente.

Hoje este quadro mudou. Os porcos possuem médicos, psicólogos, nutricionistas, vivem em ambientes higiênicos, com água tratada, luz e música selecionada. Nada de chafurdar. Fazem inseminação artificial para melhorar a prole, que significa filhotes com predominância de músculos e quase nada de tecido adiposo. A famosa banha de porco é conversa para as velhas cozinheiras.

O porco atualmente leva uma vida mais digna que a dos catadores de lixo. Milhares de catadores de lixo ganham a vida retirando os rejeitos dos lixões. Sem falar que disputam o espaço com os urubus, seus grandes concorrentes. Não tenho o número de pessoas que vivem dos lixões e nem sei se o IBGE se preocupa com essa categoria social. Sei apenas que são milhares em todo o Brasil, e que a sociedade de um modo geral os ignoram.

Enquanto os porcos são paparicados, pois a sua carne é muito valorizada no mercado internacional, os nossos irmãos catadores de lixo são simplesmente ignorados, considerados mesmo como párias da sociedade.

As minorias são sempre lembradas e aduladas. Mas não os catadores de lixo. Será que os políticos pensam que eles nem fazem parte das minorias? Que estão abaixo das minorias? Em todo caso é de se estranhar que nenhum político profissional tenha se lembrado deles.

Falo isto porque está muito em moda falar em preservação do meio ambiente. Nos países do primeiro mundo, a reciclagem do lixo e a separação dos resíduos domiciliares pelos moradores já fazem parte da cultura e estão firmemente enraizadas na consciência do cidadão. Além disso, existe toda uma bem montada infra-estrutura por parte do governo para a coleta e destino do lixo. Mas, aqui? Aqui não existe nada.

Enquanto não existir essa conscientização cidadã com relação ao lixo – por pura falta de educação e descaso das autoridades públicas – os nossos catadores de lixos devem ser vistos como pequenos agentes saneadores para ajudar na preservação do meio ambiente. Trabalho de formiguinha, mas trabalho. Devem ser vistos não como párias da sociedade, mas como seres de grande valia social.

Tenho esperança que alguém se lembre dos catadores de lixo, dando-lhes um tratamento pelo menos parecido com o recebido pelos porcos.


Gabriel Novis Neves

13-12-2010

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

VISITA

No dia 10 de dezembro Cuiabá recebeu a visita expressiva de duas personalidades: o gerente de segurança da FIFA e o ex-governador Pedro Pedrossian (82).

A FIFA mandou o seu representante para checar, in loco, as providências que estão sendo tomadas pelo Estado quanto à segurança física dos turistas que visitarão nossa cidade durante os dois jogos da Copa do Mundo de 2014.

O ex-governador Pedro Pedrossian - após longa ausência - veio a Cuiabá, atendendo ao convite especial da UFMT, para receber o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Federal de Mato Grosso - em solenidade que marcava o 40º aniversário da sua criação.

O representante da FIFA foi recebido oficialmente pelas nossas autoridades e tratado como tal. A sua presença foi amplamente divulgada pela mídia televisada e escrita.

O ex-governador Pedro Pedrossian que, entre outras obras de grande relevância social, criou três universidades federais em Mato Grosso, desembarcou anonimamente no Estado. Sua chegada foi timidamente divulgada pela imprensa. Para recepcioná-lo, ele contava com um grupo de amigos leais e comprometidos com a educação.

Longos 40 anos transcorreram para que esta justa homenagem lhe fosse prestada. No decorrer de todos esses anos, o criador da maior usina de conhecimento e cultura do Estado de Mato Grosso foi displicentemente ignorado pelos nossos governantes de plantão. Não que Pedrossian aspirasse ou tivesse a pretensão de reivindicar tal homenagem - a sua grande sabedoria o isentava de tal desejo.

A solenidade de entrega do título outorgado pela UFMT a Pedrossian foi marcada pela emoção. A presença de um grande público, uma prova inequívoca do valor da justa homenagem. A ausência de representantes dos governantes de plantão, uma prova inequívoca da indiferença com a educação.

Bem a propósito: durante a semana o assunto foi o péssimo desempenho do nosso Estado, na avaliação feita pelo MEC, com relação à compreensão da leitura dos nossos alunos do ensino fundamental.

A conclusão do relatório é desesperadora! Nos últimos 10 anos, não avançamos um milímetro com relação à melhoria desse quesito básico.

Na classe social de grande poder econômico, a melhoria da leitura teve um acréscimo dez vezes inferior às classes pobres de países como, por exemplo, o Chile.

Pelo andar da carruagem, o governo continuará a não priorizar a educação. A idolatria pelo nada continuará na ordem do dia das prioridades do atraso.


Gabriel Novis Neves

13-12-2010

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Caiu a máscara

As chuvas chegaram. Com elas chegaram também transtornos para a população. É bom que comecemos desde já a nos munir de paciência para esperar as providências da municipalidade.

As autoridades já estão sendo solicitadas a falar sobre a infra-estrutura da, até então, Cidade Verde. Hoje a Cidade Verde do Brasil é Curitiba, capital do Paraná. De acordo com matéria divulgada por Marcos Antonio Moreira, “a cidade de Curitiba obteve a distinção de metrópole mais verde entre outras 17 da América Latina, segundo um estudo sobre meio ambiente.”

Pois muito bem. Não somos mais a Cidade Verde. E as chuvas? Bom, só sei que um chuvisco mais prolongado bastou para fazermos o fácil diagnóstico de uma das doenças crônicas que afligem a nossa população.

Todo ano, no período das chuvas, a situação é a mesma. Inundações, desabamentos, ruas transformadas em rios, buracos gigantes cheios de água - oferecendo risco de morte a pedestres e motoristas -, e as conseqüências sociais dessa tragédia: populações desabrigadas e as epidemias.

Os problemas da cidade são crônicos. Seus administradores nunca pensaram no crescimento natural da cidade. Faltou, portanto, planejamento urbano e vontade política geradora de recursos financeiros. Ao longo de todos esses últimos anos, a cidade nunca se preparou para as chuvas. Apenas remendos foram feitos.

A prefeitura não dispõe este ano de recursos orçamentários para resolver este problema. Os buracos permanecerão abertos, e pouquíssimos trabalhadores estão à disposição da Secretaria de Obras de Cuiabá. O prefeito está tentando recursos federais para os próximos anos. Seria para solução a médio e longo prazo. Até lá, é isso aí.

O que chama a atenção, com certa revolta, é que há apenas dois meses os governos Federal, Estadual e Municipal se digladiavam no Horário Político Eleitoral para ver com quem ficava a paternidade de centenas de obras em Cuiabá.

Avenidas, ruas e becos estavam asfaltados ou sendo, serviços de drenagem das águas pluviais em fase final de execução, todos os córregos limpos e protegidos, pontes recuperadas. Essas, e outras obras importantes para a cidade, nos foram passadas como realizadas. Então tá. Cadê?

A verdade é que toda aquela ‘briga’ era apenas com relação à paternidade das obras virtuais.

Este início de chuva nos dá o prognóstico do que nos aguarda: tragédias, tragédias e tragédias. E os governos Estadual e Federal? O que dizem a respeito dos seus investimentos eleitoreiros? Nada. Estão cegos, mudos e surdos.

A chuva retirou o curativo da ferida e denunciou a farsa dos abundantes investimentos que, após as eleições, recebem o pomposo nome de estelionato eleitoral.

Cuiabá continuará como sempre. Abandonada pelo poder público.

É. E eu ainda me espanto. Ainda bem que me espanto. Não quero perder a ilusão de que um dia a minha cidade irá receber o tratamento que merece. Diz um ditado popular que “a esperança é a última que morre”. Mas, para mim, ela não irá morrer nunca.

Para acalmar o povo cuiabano, nossas autoridades nos acenam com as obras que serão realizadas para a Copa de 2014. Tudo o que não foi realizado em Cuiabá nos seus quase trezentos anos de existência será feito nos próximos três anos - de aeroporto a hospital universitário.

Será? Vamos esperar para ver. Eu só sei é que, com as chuvas, caiu a máscara dos falsos protetores da ex-Cidade Verde.


Gabriel Novis Neves (7.5+143)

26-11-2010

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

DRAMA

Quando cheguei ao Rio de Janeiro para estudar tinha dois tios paternos que eram funcionários públicos - lotados no Ministério da Fazenda. Um deles, durante muitos anos, serviu na Alfândega. Naquela época a carreira dos funcionários era designada por letra, sendo a letra “Ó” a correspondente ao topo da carreira. Com os penduricalhos no salário, ganharam dos cariocas o apelido de barnabés “Ó de Penacho”, que corresponde hoje ao nosso marajá.

Klécius Caldas e Armando Cavalcante fizeram uma marchinha de carnaval, gravada por Blecaute em 1952, satirizando aqueles funcionários que ganhavam muito acima da média de seus colegas. Até hoje a marchinha “Maria Candelária” é cantada nos carnavais e se tornou um clássico da MPB.

Meus tios, que sempre foram “Caxias” no trabalho, nunca me revelaram essa condição privilegiada - quer dizer, eles eram “Ó de Penacho” -, talvez com receio de uma facadinha do sobrinho, estudante pobre. Quando eles se aposentaram, eu tinha acabado de concluir o meu curso de Medicina. Na espera da tradicional macarronada do domingo, a gasosa rolou solta no descontraído papo na casa de um deles. Liberada as amarras do consciente, naquela fase de revelar vantagens, foi que fiquei sabendo que ambos eram funcionários “letra Ó”. A única preocupação dos meus tios aposentados era o de conferir no final do mês, no Banco do Brasil, o depósito do salário a que fizeram jus.

- Vida boa a de aposentado! - pensava eu. - Um dia chego lá!

Enfim cheguei ao tempo sonhado da minha aposentadoria! Foi em 1995, há 15 anos. Nunca mais tive paz. O meu salário já foi cortado várias vezes. Não tenho aumentos para corrigir a inflação e voltei a descontar para a previdência social.

Contratei um advogado, pois de acordo como as coisas caminham quero evitar pagar ao governo a minha aposentadoria. Este mês, tanto o site da associação a que pertenço como o jornal do meu sindicato demonstraram preocupação com mais um corte que inviabilizará a vida de muitos velhinhos. O pior é que essas medidas ditatoriais são tomadas pelo governo federal, não respeitando o princípio do direito adquirido pelos servidores. E os nossos parlamentares em Brasília? Submissos totalmente ao poder, sempre votaram contra a classe a que muitos pertencem.

Pensam que todos os velhinhos são portadores da Doença de Alzheimer? Puro engano! Existe uma corrente de protesto em pleno funcionamento, lembrando aos amigos dos esquecidos e familiares dos aposentados as atrocidades cometidas contra nós pelos nossos parlamentares. Estão, no Congresso Federal, apenas como defensores intransigentes dos financiadores de campanhas eleitorais. Esses têm tratamento diferenciado. São os banqueiros, produtores rurais, grandes industriais e lobistas, que quando falidos são perdoados! Com fome, esse seleto grupo recebe a nutrição dos empréstimos e financiamentos da mãe pátria.

Ser aposentado no Brasil não é prêmio pelos anos de serviços prestados, mas início de um drama. As exceções são as “Marias Candelárias” federais, estaduais e municipais. E como existem! Estão quase igualando aquele ‘cordão’ que cada vez aumenta mais. A vida do aposentado no Brasil virou um drama, obrigando muitos a retornarem ao mercado de trabalho. Pelo menos conseguem manter, com esse sacrifício, a sua cesta básica de medicamentos.


Gabriel Novis Neves (7.5+69)

13-09-2010

Obras públicas

Existem vários tipos de obras públicas. Citarei algumas: aquelas que nunca saíram do papel, as que só andam em período eleitoral, as inúteis, as que são manchetes de jornais, e outras, outras e outras. Exemplos não faltam, e sim espaço para descrevê-las em um artigo.

Há trinta anos ouço falar na conclusão da rodovia Cuiabá-Santarém. Até batizada já foi, com o nome de um político famoso - ainda bem. Várias inaugurações já foram feitas, e foi prioridade de todos os governos nesses anos todos. Mas está longe de chegar a ser uma rodovia alemã.

“O trem do Vuolo”, como é conhecido a estrada de ferro que chegaria a Cuiabá - cadê? O tempo do verbo está certo mesmo - chegaria. As últimas informações que tenho é que está empacada, e o seu destino será o galpão de uma grande empresa em Rondonópolis. O que já teve de gente graúda fotografada nesse trem! Não dá para acreditar que, após trinta anos, ele ainda seja sonho, agora com a interrupção em Rondonópolis, um pesadelo.

Depois da gastroenterite da primeira dama do Brasil, responsável pela construção do Aeroporto de Várzea Grande - que inicialmente teria o seu nome - pouca coisa foi feita para a sua ampliação. Agora entrou na cota da Copa do Mundo.

O Hospital Central, ou das Clínicas, de Cuiabá, que atenderia a todo o Estado, está completando vinte e cinco anos de esqueleto. O Hospital da Criança, ou Infantil, há muito foi inaugurado só no discurso.

Não contando as obras para a Copa do Mundo. Estão programadas para os próximos anos a construção da UNEMAT em Cuiabá e Várzea Grande, com a implantação da Escola de Medicina. A UFMT, além da construção de um novo Hospital Universitário na estrada de Santo Antonio, construirá escolas de Medicina em Rondonópolis e Sinop.

A construção de um estacionamento para automóveis está sendo realizada numa pequena rua ao lado do antigo 16º BC. O prazo está vencido e a obra paralisada, causando transtornos para aqueles que se utilizam das suas calçadas destruídas.

Tá ficando chato escrever sobre obras fictícias. Não posso deixar de lembrar aquelas obras de que só tomamos conhecimento da sua existência pelas páginas policiais. A descoberta dessas construções é conquista da Polícia Federal.


Gabriel Novis Neves (7.5+98)

12-12-2010

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

DEZEMBRO

Dezembro é um mês especial. É o mês que anuncia a chegada de um novo ano. É o mês em que, tradicionalmente, faz despertar nas pessoas um forte sentimento de solidariedade.

Dezembro é o mês do nascimento de Jesus. Os rituais para a comemoração de seu aniversário são observados em todo o mundo cristão.

Dezembro é também o mês que anuncia a chegada das férias, das viagens em família, do reencontro familiar, da alegria e da esperança.

Dezembro é o mês da renovação e da reflexão.

E eu reflito. Reflito sobre a minha história de vida. E, refletindo, faço uma regressão aos primórdios da minha existência – até onde a memória permite – e ela é generosa comigo.

Penso, sobretudo, nos valores morais e éticos que me foram ensinados desde a mais tenra infância, e que até hoje os carrego comigo. Valores repassados pelos meus pais, educadores natos e sábios - possuíam um grande respeito à vida.

Pela regressão estendo a rede da colheita neste mar de tempestades que é a vida, trazendo para dentro de mim boas e más recordações.

A vida não me proporciona uma coleta seletiva das relíquias do passado. Às vezes fica contaminada pela melancolia do passado - presente.

É o ser alegre e triste, que é a vida.

Existe no mês de Dezembro um torpor mágico, embalado pelas canções natalinas. Ouço com emoção a melodia mais bela das festas de final de ano - Boas Festas, de Assis Valente. Esta canção só poderia mesmo ser composta por um poeta inquieto, que nem tempo teve para esperar fechar o seu ciclo vital.

Ele fala da procura da felicidade que sempre buscou, e descobre que esse artigo está em falta até na distribuição de presentes do Papai Noel.

Este é o grande momento para reclusão e reflexão, que o Natal me oferece, sabendo que a lógica do ir à frente não existe para os católicos. Tudo será reiniciado, e, em dezembro próximo, passarei pela mesma provação. O nosso calendário é um treinamento para o grande julgamento final.

Gabriel Novis Neves (7.5+149)

02-12-2010