quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

DRAMA

Quando cheguei ao Rio de Janeiro para estudar tinha dois tios paternos que eram funcionários públicos - lotados no Ministério da Fazenda. Um deles, durante muitos anos, serviu na Alfândega. Naquela época a carreira dos funcionários era designada por letra, sendo a letra “Ó” a correspondente ao topo da carreira. Com os penduricalhos no salário, ganharam dos cariocas o apelido de barnabés “Ó de Penacho”, que corresponde hoje ao nosso marajá.

Klécius Caldas e Armando Cavalcante fizeram uma marchinha de carnaval, gravada por Blecaute em 1952, satirizando aqueles funcionários que ganhavam muito acima da média de seus colegas. Até hoje a marchinha “Maria Candelária” é cantada nos carnavais e se tornou um clássico da MPB.

Meus tios, que sempre foram “Caxias” no trabalho, nunca me revelaram essa condição privilegiada - quer dizer, eles eram “Ó de Penacho” -, talvez com receio de uma facadinha do sobrinho, estudante pobre. Quando eles se aposentaram, eu tinha acabado de concluir o meu curso de Medicina. Na espera da tradicional macarronada do domingo, a gasosa rolou solta no descontraído papo na casa de um deles. Liberada as amarras do consciente, naquela fase de revelar vantagens, foi que fiquei sabendo que ambos eram funcionários “letra Ó”. A única preocupação dos meus tios aposentados era o de conferir no final do mês, no Banco do Brasil, o depósito do salário a que fizeram jus.

- Vida boa a de aposentado! - pensava eu. - Um dia chego lá!

Enfim cheguei ao tempo sonhado da minha aposentadoria! Foi em 1995, há 15 anos. Nunca mais tive paz. O meu salário já foi cortado várias vezes. Não tenho aumentos para corrigir a inflação e voltei a descontar para a previdência social.

Contratei um advogado, pois de acordo como as coisas caminham quero evitar pagar ao governo a minha aposentadoria. Este mês, tanto o site da associação a que pertenço como o jornal do meu sindicato demonstraram preocupação com mais um corte que inviabilizará a vida de muitos velhinhos. O pior é que essas medidas ditatoriais são tomadas pelo governo federal, não respeitando o princípio do direito adquirido pelos servidores. E os nossos parlamentares em Brasília? Submissos totalmente ao poder, sempre votaram contra a classe a que muitos pertencem.

Pensam que todos os velhinhos são portadores da Doença de Alzheimer? Puro engano! Existe uma corrente de protesto em pleno funcionamento, lembrando aos amigos dos esquecidos e familiares dos aposentados as atrocidades cometidas contra nós pelos nossos parlamentares. Estão, no Congresso Federal, apenas como defensores intransigentes dos financiadores de campanhas eleitorais. Esses têm tratamento diferenciado. São os banqueiros, produtores rurais, grandes industriais e lobistas, que quando falidos são perdoados! Com fome, esse seleto grupo recebe a nutrição dos empréstimos e financiamentos da mãe pátria.

Ser aposentado no Brasil não é prêmio pelos anos de serviços prestados, mas início de um drama. As exceções são as “Marias Candelárias” federais, estaduais e municipais. E como existem! Estão quase igualando aquele ‘cordão’ que cada vez aumenta mais. A vida do aposentado no Brasil virou um drama, obrigando muitos a retornarem ao mercado de trabalho. Pelo menos conseguem manter, com esse sacrifício, a sua cesta básica de medicamentos.


Gabriel Novis Neves (7.5+69)

13-09-2010

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