sexta-feira, 30 de junho de 2023

ANOS DECISIVOS DA MINHA VIDA - VIVER O RIO


Durante os quase doze anos que morei no Rio de Janeiro frequentei várias vagas e quartos de pensão.


Depois, com a chegada do meu irmão Pedro, passei a alugar um quarto para nós dois.


Por dois anos (1957-1958) fiquei cuidando do apartamento do escritor português Jayme Cortesão, que retornou para Portugal.


Ele morava em um apartamento muito bom da rua Paissandu com filha e genro, o intelectual brasileiro Murilo Mendes, que foi ser adido cultural da Embaixada Brasileira em Portugal.


Ele não queria alugar o apartamento temendo pela conservação dos seus inúmeros e raros livros, nem o deixar fechado.


O síndico era funcionário do Banco do Brasil e soube de um estudante de medicina que preenchia todos os quesitos que ele precisava.


Não me lembro patavina desse encontro cujo final feliz foi a minha mudança com o Pedro para lá.


Tivemos vizinhos ilustres e famosos dos quais ficamos amigos como o pensador católico e escritor Alceu de Amoroso Lima, o Tristão de Athayde, que todos os dias de terno e Bíblia debaixo do braço ia a pé até a Igreja do Largo do Machado assistir à missa das sete da manhã e comungava.


Tinha uma filha casada com meu professor de reumatologia, Nelson Senise, pai do saxofonista João Senise.


O jovem deputado federal gaúcho Fernando Ferrari, candidato à Presidência da República pelo MTR (Movimento Trabalhista Renovador) vítima de acidente aéreo, era nosso vizinho de andar.


O médico diretor do então famoso Hospital dos Servidores do Estado (HSE), cuja filha adolescente se tornou nossa amiga.


No quarto andar morava um casal gaúcho e a esposa era pianista.


Pedro, meu irmão, frequentava muito seu apartamento para ouvir e tocar piano.


Seu marido era deputado federal e foi ministro da educação no Governo Costa e Silva.


Foi autor do anteprojeto à Presidência da República, solicitando a criação da fundação universidade federal de Mato Grosso com sede em Cuiabá.


Este documento chegou a ser encaminhado ao Congresso Nacional em 1969.


Com a morte de Costa e Silva em dezembro, o Congresso devolveu o anteprojeto a Médici, novo Presidente, que encaminhou ao sucessor de Tarso Dutra, o acreano Jarbas Gonçalves Passarinho.


Este o fez retornar ao novo Presidente, que o encaminhou ao Congresso Nacional.


Finalmente em 10-12-1970, na Base Aérea de Campo Grande, Médici e Passarinho assinam o ato de criação da FUFMT, na presença do governador do Estado de Mato Grosso Pedro Pedrossian, e do secretário estadual de educação - eu.


Com o retorno do poeta Murilo Mendes tivemos que mudar do belo prédio da rua Paissandu.


Anteriormente já tínhamos mudado das pensões da Praia de Botafogo, rua Almirante Tamandaré, rua do Catete, Corrêa Dutra, rua das Laranjeiras, largo do Hotel dos Estrangeiros.


Kitnet entre a Marquês de Abrantes e Paissandu, na rua Marquês de Abrantes em frente ao Colégio Beneti e quase na Praia de Botafogo.


Ipanema, na rua do canal, quase Vieira Souto, avenida Atlântica 1880 em prédio de um por andar, quarto de frente para o mar no 10º andar.


Foi lá que comprei um long-play do cantor Agostinho do Santos, com a música “Chega de Saudade”.


Por motivo de casamento de um colega que morava só e se mudou para casar, ocupei o seu miniapartamento na rua Senador Vergueiro, minha última moradia solteiro.


Depois de casado morei poucos meses no apartamento de três suítes da minha sogra por problemas de enjoos da Regina.


Após sofrer acidente em serviço de ambulância de madrugada na Tijuca, com duas fraturas no nariz e uma flebite na perna direita por “esmeraldite”, fiquei na casa do avô da Regina, próximo ao Palácio Guanabara.


Foi nesse período que entendi boa parte da história do Brasil, contadas pelo ministro da Justiça, o ex-reitor da USP Gama e Silva.


Gabriel Novis Neves

30-06-2023




quinta-feira, 29 de junho de 2023

REZA DO TERÇO DE SÃO PEDRO


Coube, por herança da minha mãe Irene, a felicidade da minha irmã Araci, de ficar com a imagem de São Pedro, realizado por sorteio por mim, por ser o primogênito da família.


A responsável por São Pedro ser o padroeiro da família Novis Neves, foi a minha mãe.


Quando ela se casou com o meu pai Olyntho Neves, conhecido como Bugre do bar, em julho de 1934, a nova família não tinha um santo padroeiro, como era hábito nas famílias católicas.


Minha mãe era de uma família católica devota da Imaculada Conceição.


A Imaculada Conceição é a padroeira dos Novis, cuja devoção deve-se ao meu bisavô Dr. Augusto Novis, que trouxe da Bahia quando veio para Cuiabá.


Meu avô Dr. Alberto Novis ficou com a responsabilidade de perpetuar a fé entre seus descendentes.


Todos os anos no dia 8 de dezembro era celebrada uma missa em sua homenagem quando toda a sua família e amigos compareciam, e conduziam a imagem em procissão e colocada sobre o altar da igreja.


Depois era servido um lauto almoço no casarão do meu avô.


À noite todos voltavam para o chá com bolo, encerrando as festividades da Imaculada Conceição.


Hoje essa imagem encontra-se no Rio de Janeiro e a responsável por manter a tradição é de uma neta do Dr. Alberto Novis.


Pelo que sei, é que no 8 de dezembro, familiares mandam rezar uma missa em homenagem a Imaculada Conceição e retornam para suas casas.


Meu pai era católico não praticante e inaugurou o seu bar com o nome de Moderno no dia 29 de junho de 1920.


Casou-se com a minha mãe em 1934 e ela era católica praticante.


Nessa época o comércio do meu pai estava estabilizado e funcionava em prédio próprio.


Minha mãe convenceu meu pai que a prosperidade econômica alcançada por ele deveu-se a uma graça de São Pedro.


O bar foi inaugurado no dia que se festeja São Pedro e embora não tivesse o nome do santo, como seria mais correto.


Ele o protegeu e muito. 


A partir dessa conversa São Pedro foi considerado o protetor da família Novis Neves.


Todos os anos no dia 29 de junho, a imagem de São Pedro era retirada do oratório que ficava em cima da cômoda do quarto de dormir.


A imagem do santo era levada por meu pai caminhando no meio da rua e sendo acompanhado por familiares e amigos até a Catedral e depois para igreja do Senhor dos Passos.


Era servido almoço na casa da rua do Campo a todos os fiéis.


De noite todos voltavam para o chá com bolo, fogueiras e fogos de artifício.


Com o falecimento do meu pai e da minha mãe, a imagem de São Pedro está no oratório da casa da minha irmã Araci.


A festa foi adaptada para os tempos modernos.


No dia 29 de junho a família e poucos amigos se reúnem na casa da minha irmã para a reza do terço em homenagem ao nosso Padroeiro.


Depois é servido uma mesa de chá com bolo.


Dos nove filhos do casal, Irene Novis – Olyntho Neves, o terceiro recebeu o nome de Pedro, em homenagem a São Pedro.


Gabriel Novis Neves

29-06-2023




quarta-feira, 28 de junho de 2023

ANOS DECISIVOS DA MINHA VIDA - ESCOLHA DA MEDICINA


Com a minha aprovação no vestibular de medicina (janeiro 1955) tudo começou a melhorar em minha vida.


A faculdade era gratuita e o restaurante anexo cobrava um preço simbólico, que não aumentou nos seis anos que lá estudei.


No primeiro dia de aula de Embriologia, o professor Bruno Alípio Lobo, nosso querido Bruninho, nos garantiu que seríamos médicos.


Só um “acidente biológico” poderia nos impedir de concluir o curso, que jamais aconteceria por vias acadêmicas, como reprovações sucessivas e jubilação.


Contrariava a minha mãe em 1942, quando me encaminhou ao Grupo Escolar e me disse que a escola só tinha a porta de entrada.


A faculdade de medicina possuía uma porta de entrada que só abria pelo vestibular, e a da saída, após seis anos de permanência lá, com habilitação para exercer a profissão de médico.


Aproveitava a sobra da mesada que o meu pai me enviava para comprar livros técnicos em francês e espanhol do livreiro Luís, que ficava no amplo salão da faculdade, ao lado da engraxataria.


Andava sempre de “Bonde da Light nº 4”, cujo preço era subsidiado pelo governo federal e não foi alterado durante os anos que estudei medicina.


Nessa época morava na rua Almirante Tamandaré nº 67 no bairro do Flamengo.


O porteiro da faculdade era um senhor claro, cabelos grisalhos abundantes, vestido de terno e gravata com enorme avental branco e comprido.


Para quem não o conhecia era tratado de professor, ou até diretor.


Não conversava com calouros, só com alunos depois do terceiro ano.


Tinha prazer em dizer que fez amizade com o Noel Rosa, o poeta da Vila, quando era aluno de medicina.


Lamenta que ele tenha deixado os estudos pela boemia, vindo logo a falecer.


Comentava que o primeiro aluno da faculdade que chegava às aulas dirigindo o seu próprio carro, era o paulista Adhemar de Barros.


Fazia questão de mostrar a gigante figueira, árvore onde o Adhemar estacionava seu carro, debaixo dos galhos de folhas, que oferecia sombras generosas.


Dizia para quem quisesse ouvir que o Adhemar era “rico de berço”, quando ele esteve na faculdade para abraçar o “seo” Magalhães e lhe pedir o voto para ser Presidente do Brasil.


Fui aluno dos melhores professores do Brasil!


Carlos Chagas Filho, filho do célebre pesquisador Carlos Chagas, descobridor da “Doença de Chagas. “


Meu professor, Chaguinhas, catedrático da disciplina de Biofísica era um dos consultores científicos do Papa.


Professor Cavalcante, de Anatomia, Paulo Lacaz de Bioquímica, Paulo de Góis de Microbiologia.


Thales Martins catedrático de Fisiologia, disputou e perdeu o Nobel de Medicina para o argentino Houssay, em cujo livro estudei.


Paulo Carvalho, de farmacologia, que em 1957 disse na aula que havia fumado maconha em laboratório para uma pesquisa científica, e não sentiu nenhum efeito colateral.


Seu assistente paraense defendeu tese sobre o curare usado pelos índios nas pontas das flechas para imobilizar suas vítimas.


Cruz Lima, catedrático de Semiologia Médica, extremamente didático e respeitado pelos seus pares.


Emocionava os estudantes, mas nunca contou a tragédia familiar pela qual passou.


Sua filha foi acometida de rubéola na gestação, e sua neta nasceu cega com defeitos nos membros.


O pai da criança, Nelson Rodrigues, escreveu uma peça de teatro que fez o Brasil chorar.


Clementino Fraga Filho, de Clínica Médica, Júlio de Moraes (gastro), José Augusto (nefro), Magalhães Gomes (cardio), Portela (ortopedista), Mariano de Andrade, Pinheiro Guimarães de Clínica Cirúrgica.


Rodrigues Lima (obstetrícia), Arnaldo de Moraes (ginecologia), Martagão Gesteira (pediatria e puericultura), Abreu Fialho (oftalmologista), Capistrano Pereira (otorrino), Manfredini (psiquiatria), Deolindo Couto (neurologista), Sílvio Fraga (dermatologista).


Cada professor catedrático possuía vários assistentes excepcionais, impossíveis de serem relatados numa simples lista.


Em 1959 conquistei por concurso o direito de ser interno remunerado no Hospital Maternidade Pro Matre, e no Hospital e Pronto Socorro Municipal Souza Aguiar.


Em 15-12-1960 recebi o título de graduado em medicina, pela Faculdade Nacional de Medicina da Universidade do Brasil, podendo exercer a minha profissão de médico em todo o território nacional.


Gabriel Novis Neves

29-06-2023




ANOS DECISIVOS DA MINHA VIDA - VIVA O RIO


Em um dia da primeira semana de março de 1953 a minha mãe me acordou bem cedo para a grande aventura da minha vida – sair de Cuiabá para estudar medicina.


No dia anterior o meu pai combinou com o motorista que “fazia ponto” ao lado do bar para que chegasse cedo em minha casa na rua do Campo nº 380 para nos conduzir ao campo de aviação.


O carro importado dele era novo e largo, dando para acomodar a mim, meu pai, minha mãe e meus irmãos menores.


Meus irmãos iriam aproveitar para passear pela cidade, já que a corrida era longa e o meu pai nunca possuiu um automóvel.


O campo de aviação, de onde partiu o avião DC3 da empresa aérea Cruzeiro do Sul, ficava onde hoje foram construídas as casas dos oficiais do 9º BEC (Batalhão de Engenharia e Construção), ao lado do Shopping Estação.


Como o voo terminava à noite, mamãe preparou de madrugada pastéis fritos, colocou-os em um saco de papel e me entregou para comer em caso de necessidade, já que o Rio seria a última escala do avião.


Era o famoso voo “pinga-pinga” ou “sobe e desce” de tantas recordações que o jato jogou na história.


Tomei um café reforçado com bolo de arroz.


Nas mãos carregava pequena mala de papelão reforçada por estreitas tiras de madeira.


Continha o essencial: uma muda completa de calça comprida, camisas, cuecas, meias e um agasalho de tricô de lã, feito por minha mãe.


Lenços do meu pai, um par de chinelos e uma pequena caderneta de endereços com números de telefones dos parentes, e da minha primeira pensão, cuja dona chamava-se Irene.


Ficava na Praia de Botafogo nº 422, próximo às Lojas Sears e do Colégio Anglo Americano, onde iria estudar.


O pequeno DC3 pousou ao escurecer no Aeroporto Santos Dummont.


À minha espera estavam o irmão caçula do meu pai, Sinhô, e o meu primo Carlos Alberto, filho da minha tia Alba, irmã da minha mãe.


O meu primo que morava no final do Leblon, me levou para jantar em sua casa, e depois me deixaria na pensão.


Do aeroporto ao Leblon vi um outro mundo com as suas belezas naturais e tive a certeza que iria me apaixonar e gostar da cidade que escolhi para estudar.


Até hoje sinto a maresia da minha chegada.


Fui recebido na pensão com extrema cordialidade pela sua proprietária.


Ela me indicou a vaga no quarto que ficava nos fundos do apartamento em cima da entrada da garagem.


Também me orientou sobre as normas de funcionamento da pensão, que possuía outros hóspedes, todos estudantes.


Quase não dormi na noite da minha chegada ao Rio, pois o outro dia seria de aula, no terceiro ano do curso científico do Colégio Anglo Americano, famoso pela sua participação nos Jogos da Primavera.


O diretor proprietário do colégio era um elegante português, Dr. Corrêa.


A Inspetora Federal Yara Vargas era sobrinha do Presidente Vargas (1953), que comparecia sempre aos “Desfiles dos Jogos da Primavera” no palanque montado em frente ao colégio.


Foi um erro eu ter procurado esse colégio para terminar o meu científico.


Nosso ensino em Cuiabá era muito fraco e eu tive que me esforçar muito para não ser reprovado.


Não falava nenhum idioma estrangeiro pois aprendi literatura em vez de gramática.


No Anglo todos os alunos falavam fluentemente, pelo menos o inglês, francês e espanhol.


Os melhores alunos dos colégios considerados de ponta do Rio, se transferiam para o Anglo, para terem tempo de estudar para vestibulares considerados dos mais difíceis do Brasil, como o do Instituto Tecnológico da Aviação (ITA), em São José dos Campos (SP).


Da minha turma, dois passaram no vestibular do ITA e ficaram famosos entre nós.


Outra que ficou famosa foi a nossa colega Paulina, professora universitária, que ganhou notoriedade política por ter escondido o cabo Anselmo da Marinha do Brasil no final do governo do Jango Goulart (1964).


Eu a atendi numa madrugada como médico do Pronto Socorro Souza Aguiar, no Pavilhão Feminino da Penitenciária da rua Frei Caneca, de presos políticos.


Ela trêmula, magra e branca ao me ver gritou o meu nome e veio me abraçar.


Eu não contive as lágrimas e choramos abraçados.


Conclui sem reprovação, o terceiro ano científico no Colégio Anglo Americano.


Em 1954, frequentei o cursinho preparatório Galotti para o vestibular de medicina, na rua Álvaro Alvim na Cinelândia.


Fui aprovado no vestibular de medicina da universidade do Brasil da Praia Vermelha em janeiro de 1955.


Gabriel Novis Neves

27-06-2023




terça-feira, 27 de junho de 2023

ANOS DECISIVOS DA MINHA VIDA - NO GINÁSIO E CIENTÍFICO


Fiquei cinco anos no Colégio dos Padres (1946-1950) onde cursei um ano de admissão e quatro anos do ginásio.


Todos os meus professores eram salesianos, a maioria italianos, como Pedro Cometi (Conselheiro do Colégio), os irmãos Faresin e o Camilo promovido à Bispo de Guiratinga.


Com o seu irmão Cornélio desenvolveram um grande trabalho social, especialmente nas áreas de educação e saúde.


Raimundo e Nelson Pombo, corumbaenses.


João Panaroto, Firmo, Agostinho e Remeter.


Os mestres Bombled, Mestrão e Mestrinho e Carvalho professor de educação física – o único que não pertencia à Congregação Salesiana.


Antes das aulas os alunos se reuniam no pátio do colégio divididos por séries, cantavam o hino nacional brasileiro, ouviam as ordens do Padre Conselheiro e se dirigiam à Igreja de Nossa Senhora Auxiliadora para assistirem à missa.


Após o recreio dos sábados os alunos eram convidados à se confessarem, e atendidos na igreja pelo padre Remeter e Agostinho para comungarem na missa das sete horas aos domingos.


Naquela época as missas eram rezadas em latim, o celebrante ficava de costas aos fiéis e para comungar era necessário confessar e estar em jejum absoluto.


Durante os cinco anos que estudei no colégio dos Padres assisti à santa missa diariamente e comunguei todos os domingos e dias santos.


Terminei o Ginásio em 1950.


Os dois primeiros anos do Científico estudei no Colégio Estadual de Mato Grosso e terminei no Colégio Anglo Americano, no Rio de Janeiro em 1953.


Tudo foi novidade para mim, já que no Científico as turmas eram mistas, com nove colegas que ficaram por aqui, se casaram, outras estudaram Direito, quando a faculdade foi aberta.


Era exigido uniforme escolar para assistir às aulas e tive excelentes professores, como Cesário Neto, Agostinho de Figueiredo, Gastão Muller, Aída de Figueiredo, Dunga Rodrigues, Francisval de Brito, Leônidas Pereira Mendes, Paulo Villa, Enzo Ricci.


Alguns desses professores foram depois, meus colegas quando fui Reitor da Universidade Federal de Mato Grosso.


Nunca fui o primeiro aluno de turma em Cuiabá, ficando sempre entre os intermediários.


Nunca fui reprovado nem fiquei em segunda época e, como desejava estudar medicina fui para o Rio de Janeiro prorrogar meus estudos.


Gabriel Novis Neves

27-06-2023






segunda-feira, 26 de junho de 2023

ANOS DECISIVOS DA MINHA VIDA - FUNDAMENTAL


Era o primeiro dia útil do mês de março de 1942.


Eu morava na rua de Baixo com meus pais e mais três irmãos: Yara, Pedro e Inon.


Acordei cedo, pois sabia que seria o meu primeiro dia de aula.


Não conhecia nenhuma escola, não frequentei a pré-escola, não possuía coordenação motora e era totalmente analfabeto, sem saber ler ou escrever.


Minha mãe me deu o café com leite e me vestiu do uniforme da escola confeccionado por ela.


Calça curta e túnica caqui de mangas compridas fechada com botões marrons, forrada com linho branco cobrindo a parte superior do tórax e os ombros.


Cinto e sapatos com meias pretas.


Em uma pasta escolar minha mãe colocou um caderno de caligrafia, o livro do 1º ano primário, um lápis preto, borracha, apontador de lápis e a merenda.


Estava pronto para sair de casa em direção à escola quando a minha mãe, na porta da nossa casa, chega pertinho ao meu rosto e disse:


Siga pela calçada em linha reta e logo você encontrará uma bonita praça cheia de crianças como você.


Uma senhora que lhe conhece e sabe o seu nome, pois eu à recomendei, virá ao seu encontro.


É a sua professora, que todos chamam de Oló, mas, o seu nome é Aureolina Eustáquio Ribeiro, excelente alfabetizadora e amiga da sua mãe.


A diretora você conhecerá depois e chama-se Aline Tocantins.


Meu filho você está entrando na escola com menos de sete anos e até agora você só aprendeu a brincar, cuidar dos seus irmãos menores e jogar xadrez com seu avô.


A escola é um lugar onde só existe a porta de entrada e nunca a da saída, e essa é a estrada que você irá percorrer para ser um homem útil aos semelhantes.


Poucas crianças têm essa oportunidade que você está tendo de frequentar uma escola, e o seu futuro só depende de você.”


Disse essas palavras para mim e me beijou na testa.


Cheguei à Praça Ipiranga e fui recebido carinhosamente pela professora Oló e orientado por ela.


Logo o bedel da escola, vestido de terno e gravata, toca a sineta de mão, avisando aos alunos dos quatro anos primários para se perfilarem em posição militar por ordem de altura para cantarem o Hino Nacional Brasileiro com o hasteamento do Pavilhão Nacional.


Terminada a solenidade, que era diária, cada professora levava seus alunos em fila indiana para suas respectivas salas de aula.


Para mim tudo que aconteceu naquela manhã era novidade.


Eu não conhecia sala da aula, carteira de madeira maciça para dois alunos, mesa e cadeira da professora, quadro-negro, giz e apagador.


No canto da sala havia um pote colocado em cima de um banquinho de madeira coberto por uma toalha bordada de linho.


Dele os alunos retiravam, através de uma caneca de alumínio, água para beber.


Naquela época o nome do sanitário da escola, era chamado de “breve” e para usá-lo durante as aulas tínhamos que pedir permissão à professora.


Para saber se o sanitário estava desocupado o pedaço de madeira deveria estar na mesa.


Após o pedido à professora ela sempre respondia: “não demore”.


No recreio os meninos carentes tinham permissão para ir ao pátio receber a merenda escolar do Estado, e era geralmente pão francês sem manteiga com um pedaço de rapadura de cana.


Os mais abonados compravam bolos, salgadinhos e doces das famosas especialistas cuiabanas, como bolo de arroz, de queijo, de polvilho, francisquito e mãe-benta.


Os de classe média traziam a merenda de casa.


Foram quatro anos de muita aprendizagem, e logo estava no Colégio dos Padres continuando os meus estudos.


Terminei o primário com distinção, sabendo ler e escrever.


Gabriel Novis Neves

26-06-2023




domingo, 25 de junho de 2023

ANOS DECISIVOS DA MINHA VIDA


1935 foi o ano em que nasci, no dia 06-07-1935, na casa alugada pelos meu pais, pelas mãos do Dr. Antônio de Pinho Maciel Epaminondas.


Fui o primogênito de Irene Novis Neves e Olyntho Neves, conhecido como Bugre do bar.


Nasci com baixo peso e a minha reanimação foi prolongada, havendo necessidade do médico me agarrar pelos pés, colocando-me de cabeça para baixo e levar algumas palmadas no bumbum para iniciar a respirar e chorar.


Naquela época não existia maternidade em Cuiabá nem pediatras, e os poucos médicos que atendiam às parturientes eram clínicos generalistas auxiliados por parteiras.


Praticavam-se pequenas cirurgias na extinta Santa Casa da Misericórdia, hoje Hospital Metropolitano de Cuiabá.


O grande atendente da Santa Casa era o autodidata Antônio Amaro, muito querido dos médicos de Cuiabá.


Era chamado de doutor pelos leigos, e durante muitos anos sua função era atender aos pacientes carentes que procuravam socorro médico na Portaria ou Sala de Curativos do Hospital da Misericórdia.


Para as urgências-emergências, Antônio Amaro era o responsável em conduzir os pacientes de maca dos quartos e enfermarias para o Centro Cirúrgico, e trazê-los de volta, ou não, em caso de insucesso.


Nesses casos era chamado a Funerária do Cristiano Garcia, ajudado pelas suas bonitas filhas, na rua 13 de junho, após à Praça Ipiranga.


Quando eu nasci não existia nem penicilina ou vacinas.


Minha mãe se aconselhava muito com as mulheres mais antigas com proles numerosas de filhos para cuidar.


Era filha de médico e “aprendeu medicina” com o seu pai, que era muito estudioso.


Desde muito antigamente, mulher de médico entendia da arte de curar e praticava com os necessitados.


A minha mulher Regina, que não era médica chegou a ter uma clientela maior que a minha.


Passou essa vocação à nossa filha Monica, que possui enorme número de pessoas de bom poder aquisitivo que seguem as suas “prescrições médicas”, inclusive, sou seu paciente ultimamente.


É ótima generalista infantil e para adultos.


Já comprou um apartamento em São Paulo para se manter atualizada, junto aos grandes hospitais que praticam a melhor medicina do mundo.


Mamãe comprava raízes e folhas medicamentosas para tratar as enfermidades dos filhos no armazém do Tingo de Freitas na Prainha, pai do desembargador Odyles de Freitas.


O armazém era próximo à minha casa, numa praça, onde ficava a “Casa Rosa”, cujas filhas, Rosa e Janete se casaram com dois jovens migrantes irmãos libaneses, Samir e José Malouf.


Raramente minha mãe comprava remédios manipulados nas farmácias Campos, Rabelo e Vieira.


Os relatos dos meus primeiros quatro ou cinco anos contei com a ajuda das histórias contadas pelos meus pais, e que nunca mais esqueci, e com algumas fotos da época.


Fui muito feliz nesta fase que terminou em 1941, com a minha entrada para o Grupo Escolar Barão de Melgaço, em 1942.


Gabriel Novis Neves

24-06-2023




sábado, 24 de junho de 2023

BIOGRAFIA


Muitos me perguntam se não vou escrever a minha biografia.


Esse trabalho irei deixar para aqueles que julgam importante os anos que participei da vida pública do nosso Estado como “testemunha ocular da história. “


Fui diretor de um hospital público (Adauto Botelho) e um privado (Femina).


Participei da ocupação da nossa Amazônia, da divisão do Estado, da escolha de governadores biônicos, de entrevistas com vários Presidentes da República, recebi inúmeros ministros de Estado quando da implantação da nossa Fundação Universidade Federal de Mato-Grosso por doze anos.


Fui seis vezes Secretário de Estado em três governos e épocas diferentes.


Implantei o primeiro curso de Medicina em Universidade Privada, fui o 1º Presidente da Academia de Medicina de Mato Grosso, e único médico mato-grossense a pertencer a ABRAMES (Academia Brasileira de Médicos Escritores).


Teria muita coisa a deixar para a história escrita da nossa cidade e Estado.


Como não sou uma pessoa de visibilidade política, muito fato importante omitiria na minha biografia.


Não pretendo, a esta altura da minha vida aos oitenta e oito anos de idade, recordar a história daqueles que não estão mais entre nós, criando animosidades com seus descendentes meus amigos.


Não sou historiador, e este existe exatamente para escrever e publicar em livro o que os outros fizeram.


Geralmente o biógrafo, como o excelente Ruy Castro, procura mais explorar a vida íntima do biografado, e não a sua participação histórica.


Fernando Morais, autor de Chatô, o Rei do Brasil, explorou no seu livro sobre Assis Châteaubriant mais seus hábitos sexuais.


Como não pretendo escrever um livro polêmico contando a verdade, e sim o que pode ser dito, na linha “politicamente correto”, prefiro contar as coisas verdadeiras da minha cidade.


Além do mais dá muito trabalho escrever um livro, conseguir recursos para imprimi-los, organizar a tarde de autógrafos e autografá-los, preparar o coquetel para alguém que aparecer.


Conseguir que algum veículo de comunicação de massa compareça, de preferência a televisão.


Telefonar para os formadores de opinião sobre o livro, e visitas com presente do livro.


Depois colocar no Instagram e facebook a venda da obra, e seu valor.


Por isso não vejo nenhuma importância em escrever a minha biografia, ainda mais que tenho no meu blog mais de três mil crônicas publicadas, o que seria mais que a minha biografia.


Gabriel Novis Neves

23-06-2023




sexta-feira, 23 de junho de 2023

MINHAS MEMÓRIAS


Tentei escrever em ordem cronológica dez datas que considerava importantes na formação do meu caráter e de cidadão, mas desisti.


Hoje verifiquei que as datas lembradas são bem mais numerosas.  


Deixarei para outras crônicas os tantos momentos importantes e decisivos que formaram o segundo tempo da minha idade.


Sempre fui discreto não expondo a minha vida privada por não ser uma celebridade despertadora do interesse público.


Estas datas mais antigas, que enumerei e registrei nesta crônica, foram decisivas na minha vida, formação educacional, cultural, sociológica, de caráter e nunca saíram da minha mente.


01. Março de 1942, quando a minha mãe me vestiu com o uniforme caqui feito por ela para o Grupo Escolar Barão de Melgaço.


Colocou as suas mãos em meus ombros e me indicou a direção da escola pública, que ficava na bela Praça Ipiranga.


A professora que me alfabetizou chamava-se Aureolina Eustácia Ribeiro.


Conhecida como professora Oló.


Era também educadora, lecionava aulas de recuperação em sua casa na Praça Bispo Dom José sem nunca ter cobrado dos pais dos seus alunos.


Era também catequista na Igreja da Matriz e preparava seus alunos para a 1ª Comunhão.


A Eucaristia recebi na Catedral Metropolitana de Cuiabá (antiga Matriz) no dia 08-12-1942.


Registrado no Studio do Foto Mitu após o retorno do almoço da casa do meu avô Dr. Alberto Novis para a minha casa na rua de Baixo.


A Diretora do Grupo Escolar era Dona Aline Tocantins.


Naquela manhã de março de 1942 minha mãe, Irene Novis Neves me mostrou o caminho da vida, que é a educação, a qual nunca mais abandonei.


Era a 1ª etapa de 18 anos de estudos até minha graduação em medicina em 15-12-1960 no Rio de Janeiro.


02. Em março de 1953 fiz minha viagem de DC3 para concluir meus estudos no Rio de Janeiro.


Meus pais me levaram até ao aeroporto de pista de terra, onde hoje são as casas dos oficiais do 9º BEC.


Recebi as últimas recomendações para viver em uma cidade grande e cheia de tentações.


03. Minha 1ª pensão em vaga de quarto para duas pessoas na Praia de Botafogo nº 422, próximo ao Colégio Anglo Americano, onde conclui o 2º grau.


O Curso Galotti, na rua Álvaro Alvim na Cinelândia, preparatório para o difícil e competitivo vestibular para os estudantes do interior do Brasil, onde o ensino médio era fraco.


04. Minha aprovação no vestibular de medicina da Praia Vermelha da Universidade do Brasil em janeiro de 1955, marco maior em minha vida.


Ou era aprovado ou voltaria à minha terra.


05. Minhas mudanças de pensões: foram 13: nos bairros de Botafogo, Flamengo, Catete, Laranjeiras e Copacabana (Avenida Atlântica), uma verdadeira universidade de sociologia.


Naquela ocasião aprendi muito, como todo estudante do interior vivendo nas pensões da cidade grande, tendo que enfrentar as filas no banheiro.


Também aprendi como viviam os migrantes, e até fugitivos da 2ª Grande Guerra Mundial.


06. Os estágios remunerados que conquistei por concurso no Hospital Pro Matre (Maternidade), Moncorvo Filho (Ginecologia) e Souza Aguiar (Urgências e Emergências) nos anos de 1959 e 1960.


07. O Certificado de 2º Temente Oficial da Reserva do Exército Brasileiro em Saúde, janeiro de 1961.


Da minha família de oito irmãos, sendo quatro homens, eu fui o único que não escapou do serviço militar obrigatório e muito aprendi e ganhei com os militares.


08. Meu casamento com a Regina no dia 09 de dezembro de 1963 na Igreja Nossa Senhora do Outeiro da Gloria, numa segunda-feira às seis horas da tarde, pontualmente.


09. A presença dos meus pais ao casamento, dando por missão cumprida a sua tarefa de educadores e formadores de filhos de caráter com êxito e preparados à servirem a coletividade.


10. Meu regresso à minha cidade natal para exercer a minha profissão tão sonhada e desejada.


Minha mulher e conselheira-mor que me ajudou a constituir uma linda família.


Partiu em seis de abril de 2006, há 17 anos.


Amada por todos continuou a nos proteger lá de cima.


Tudo que conquistamos em Cuiabá após 31-07-1964 devemos a sua sabedoria e religiosidade.


Hoje desejaria registar outras datas importantes após o meu regresso, como o nascimento dos meus filhos, netos e bisnetos, e a minha terceira geração de médicos.


Os inúmeros cargos públicos que exerci sempre com ética e dedicação, que aprendi com os meus pais.


Foram datas importantes da colheita plantada com os exemplos de honradez que herdei.


Gabriel Novis Neves

23-06-2023






quarta-feira, 21 de junho de 2023

BRINCANDO COM A MEMÓRIA


Resolvi desafiar a minha memória agora que estou prestes a completar 88 anos de vida.


A tarefa era de lembrar dos meus aniversários passados.


Achei melhor começar do fim para o início.


Quando completei “oitenta anos”, meus filhos e netos resolveram comemorar o meu aniversário.


Ficaram responsáveis pelo jantar, decoração do meu apartamento e convidados.


O apartamento ficou lotado com a família bastante numerosa, e poucos amigos que lembraram da data.


Naquela ocasião a minha insuficiência aórtica havia agravado, me obrigando a colocação de uma prótese mitral três anos depois, após haver sofrido várias crises de angina de peito.


Nessa noite recebi uma chamada pelo celular do meu colega de turma Fábio Morinigo, comunicando a minha eleição para a Academia Brasileira de Médicos Escritores (ABRAMES), por unanimidade, no Rio de Janeiro.


Aqui em Cuiabá, essa minha eleição permanece em sigilo e poucos sabem dessa minha “conquista literária”.


Impossível esquecer que algumas pessoas presentes ao meu aniversário já partiram, e era uma noite de frio.


Regina era de quatro e eu de seis de julho, em anos diferentes. 


Ela gostava de comemorar o seu aniversário sempre na data do meu aniversário.


Quando ela completou sessenta anos, as crianças fizeram questão de marcar essa data, com um almoço em um clube da cidade.


Negociou com filhos, netos, noras e genro essa festa dizendo que iria passar os aniversários (dela e meu) em “brancas nuvens”.


No dia quatro de julho, dia do seu nascimento, não houve nada que pudesse lembrar um aniversário marcante.


Dois dias depois rolou uma estranha conversa em casa: que todos nós almoçaríamos em uma churrascaria.


No horário combinado chegamos na porta da casa da festa, que estava encostada.


Quando entrei com a Regina, o salão estava lotado de familiares e amigos, e todos se levantaram e cantaram os “parabéns pra você”, acompanhados por um pequeno conjunto musical.


Foi o aniversário em que mais ganhei presentes em minha vida, esse dos meus “sessenta e nove anos”.


Era um final de tarde início de noite, de seis de julho de 1975.


Morava na rua Major Gama 838, no bairro do Porto.


Retornava para casa após o expediente na UFMT e para minha surpresa encontrei um primo querido que casualmente iria pernoitar em Cuiabá.


Ao abraçá-lo disse que foi um presentão a sua visita no dia do meu aniversário, que ele não sabia.


Pedi que me esperasse por alguns minutos, pois iria me aprontar para com a Regina, irmos ao restaurante do Telmon Brandão em Santo Antônio do Leverger, o famoso “Cacimba. “


Assim completei “quarenta anos” de idade e nessa data “vendendo saúde”, iniciei a fazer prevenção do infarto do miocárdio, tomando um comprimido infantil ao dia, de ácido acetil salicílico.


Estava cursando o primeiro ano de Medicina no Rio de Janeiro, e a minha tia Alba Botelho me deu de presente um almoço em seu apartamento com direito a escolher o prato da comida.


Disse que gostaria de almoçar apenas um prato de Maria Izabel, que é o nosso gostoso arroz com carne seca.


Assim completei “vinte anos”.


Com auxílio de retratos em álbuns antigos, lembrei do meu primeiro aniversário quando deveria ter “três anos”.


Estava sentado naquela cadeira própria de crianças, junto à mesa de bolos e salgadinhos.


Minha mãe estava com a Yara nos braços e uma menina não identificada, que alguns me disseram ser a Alvair, filha de Nair e Álvaro Duarte Monteiro.


Estou programando a festa dos meus “noventa anos”, esbarrando em uma situação muito difícil.


Minha família cresceu, assim como os números de amigos que conquistei.


O espaço para essa confraternização só poderá ser em um clube, e o dinheiro que guardei debaixo do colchão não dá nem para pagar os garçons.


Será que farei essa festa em um lugar ideal que é o céu?


Gabriel Novis Neves

22-06-2023