terça-feira, 31 de dezembro de 2013

ANO NOVO

Será?  Mas, que novo?
Impregnados pelas convenções absorvemos, com facilidade, tudo que nos é impingido desde a infância.
Como todos vivem de esperança, nos fantasiamos com ela sempre que nos é permitido, sem questionar possibilidades verdadeiras de mudanças num plano real de vida.
Daí, traçamos novas metas para o ano que chega: novas tentativas de sucessos econômicos, novas dietas, novos amores, novas viagens, novas maneiras de vencer a inércia que nos domina.
No fundo, é tudo que nos traz a data simbólica, tão exuberantemente comemorada da chegada de um novo ano.
Para que realmente ocorram todas as modificações pessoais a que nos propomos, seria imperioso que não estivéssemos com os nossos conceitos arcaicos tão arraigados.
Ninguém nos ensinou que a felicidade está nas coisas simples da vida, e que quanto mais tentamos a sofisticação, mais nos distanciamos dela.
Ninguém nos ensinou a conviver tranquilamente com a hipocrisia vigente e, muito menos, com as injustiças sociais daí decorrentes.
Ninguém nos ensinou que o cinismo e o desamor que permeiam as relações humanas, faziam parte de um todo que norteia as diretrizes da sociedade em que vivemos.
Ninguém nos ensinou que o fato de estarmos sozinhos não significa, necessariamente, solidão, e que, com frequência, nos sentimos ainda mais sós quando em companhias que não nos dizem respeito.
Ninguém nos ensinou que o amor é a maior das delicadezas, e que não pode ser buscado como se fosse uma tábua de salvação. É todo um processo de entrega mútua que, por ocorrer raramente, é confundido  com os arroubos passionais fortuitos que a todos acometem.
Ninguém nos ensinou que quem muito espera, nada alcança, pois a vida é muito curta  para o que dela esperamos. Só a obsessão  do focado poderá levar a algum lugar.
Ninguém nos ensinou que os filhos que colocamos  no mundo, não mais nos pertencem. Que deles nada devemos esperar, a não ser que cumpram com alegria e dignidade a sua trajetória de vida.
Ninguém nos ensinou que a verdadeira fidelidade não é a dos corpos, esses, perecíveis e frágeis, mas a fidelidade dos sentimentos, do respeito ao outro no que ele tem de mais valioso, a sua integridade.
Ninguém nos ensinou que a convivência com políticos corruptos deveria ser aceita como normal e perfeitamente compreensível num sistema que preconiza a abolição de todos os valores éticos, em prol  das vantagens pecuniárias daí auferidas.
Ninguém nos ensinou que as religiões só são válidas se praticadas de dentro para fora e não de fora para dentro. A simples repetição de dogmas e mitos, tais como meros papagaios, não nos torna pessoas melhores. É preciso que combinem discurso e prática, do contrário, apenas virá à tona mais uma grande hipocrisia.
Ninguém nos ensinou que quanto mais velhos ficamos, mais autossuficientes teremos que nos tornar, pois só obteremos carinho e respeito dos circunstantes e familiares, se abolirmos o hábito de exigi-los, nos fazendo de vítimas.
O final da viagem não é para despertar pena, mas sim, admiração pela sabedoria adquirida.
Enfim, como dizia  o grande Einstein, “a vida não dá nem se apieda, ela apenas nos devolve o que damos a ela”.
Parabéns a cada um de nós que conseguir reformular, através do esforço diário, os seus conceitos sobre o estabelecido e, mais ainda, que conseguir dividir essa tarefa com alguém que tenha essas mesmas percepções.
Esses são os meus votos para um real e Feliz Ano Novo!

Gabriel Novis Neves
08-12-2013

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Nada!

Um colega me solicitou para citar algumas ações positivas do governo durante o ano que se findou.
Fui à pesquisa. Nada encontrei que merecesse um registro sincero. O ano foi marcado por grandes escândalos governamentais e nenhuma ação repressora.
Em junho os jovens saíram às ruas em um movimento com aspecto apolítico. Depois, se transformou em agitação incontrolável, tendo como financiador o próprio governo. Após alguns meses o movimento morreu de inanição ideológica.
O mensalão, o envolvimento do escritório da Presidência da República em São Paulo em atos não republicanos - até hoje inexplicáveis -, a máquina de apoio político ao governo cada vez mais se aproveitando das fragilidades dos nossos dirigentes.
O uso indevido dos jatinhos da FAB para festas e até para tratamento de implante de cabelo, desanima qualquer um a escolher um ponto forte do governo que desnacionalizou a Petrobrás.
Isso sem contar as despesas irresponsáveis de uma Copa do Mundo com obras superfaturadas, segundo o Tribunal de Contas da União e divulgadas pela mídia.
Gostaria de encerrar o ano escrevendo sobre as boas perspectivas para a saúde em 2014. Entretanto, não tenho nada a comentar sobre esta área abandonada pelo governo, mas muito importante para a nossa população.
O governo não se manifestou com relação ao aumento do financiamento, tão carente nos últimos anos.
Continuaremos andando para trás.
Nossa saúde foi transformada em um centro industrial de importação de médicos, com um imenso parque nacional de fabricação desses profissionais sem a matéria prima necessária, que são bons professores e estrutura física para realizar os procedimentos visando a formação de cidadãos úteis à sociedade.
O pior é saber que o principal país exportador desses médicos para o Brasil está sendo dizimado pela cólera, doença causada pela falta de saneamento básico.
Os planos de saúde obrigam os nossos colegas a atenderem seus clientes como antigamente trabalhava a Bruna Surfistinha, onde os interessados esperavam na fila para uma “consulta”, que não podia ultrapassar 10 minutos.
Começaremos o ano novo sem saneamento básico, sem médicos generalistas nos PSFs, sem especialistas nas Policlínicas e nas UPAs e um insuportável déficit de leitos hospitalares.
Sem contar com a baixa remuneração para os médicos aqui formados, e um incentivo político absurdo aos especialistas em cólera.
Não acredito que haverá debate deste assunto na próxima campanha eleitoral. No plano federal o assunto deverá ser o Mensalão e a Papuda.
No plano estadual a vedete será, sem dúvida alguma, as dívidas da Copa.
Então, sem nenhuma luz no final do túnel, fica impossível atender ao pedido do meu querido colega.

Gabriel Novis Neves
24-12-2013

DIFERENÇAS

Quem escreve sabe perfeitamente, ou deveria saber, que não se pode agradar a “gregos e troianos”.
Aqueles que gostam do que leem, com certeza, é porque o texto vai ao encontro de suas ideias. Uns prometem, inclusive, que irão seguir os “ensinamentos” emitidos.
“Temos de aproveitar todas as oportunidades que a vida nos oferece; a vida tem de ser vivida com toda a sua intensidade”. Essas são duas das frases que comumente escutamos, mas serão verdadeiras?
Tentei evitar uma série de experiências, mas, para a minha decepção, tive de passar por algumas delas.
Falar, sempre foi uma tarefa das mais fáceis, difícil é fazer - diz o velho ditado popular.
Existe um fosso entre o que se diz e aquilo que se faz.
Observo pessoas dizerem que “ao enfrentarem certas situações desconfortáveis, jogam tudo para o alto e nem querem saber das consequências diante das dificuldades encontradas”. Quanta fantasia!
São raríssimas as que  realmente fazem isso de uma maneira tranquila, e essas, nem sempre, são julgadas como medianamente equilibradas.
Nas entrevistas com personalidades dos mais variados perfis, que assisto pela televisão, quase todas respondem ao entrevistador que, “se fosse para começar de novo, fariam tudo igual”.
Ninguém quer ficar mal na fotografia e, dessa maneira, as pessoas se mostram pouco dinâmicas, uma vez que é importante que todos nós aprendamos alguma coisa com os nossos próprios erros, evitando, no mínimo, repeti-los.
Esse modelo hipócrita é a tônica da  modernidade.
É por isso que devemos ter muito cuidado quando escrevemos, pois o leitor se projeta muitas vezes na figura do personagem do texto.
É penoso escrever tomando esses cuidados.  Já me aconteceu, por inúmeras vezes, ser mal interpretado.
Lembro sempre dessa possibilidade, e costumo não citar nomes, e sim, fatos.
Cada pessoa tem a sua própria história, com todo o direito de fazer o que bem entender da sua vida, mas sempre respeitando o próximo.
Interpretações errôneas, que certamente farão do texto, são inevitáveis.
Afinal, ninguém é perfeito. Existem as diferenças.

Gabriel Novis Neves
10-12-2013

Prematuros

Esses seres, que se diferenciam dos demais por chegarem ao mundo lutando pela sua sobrevivência, algumas vezes em condições muito adversas, são alvo da minha reflexão.
Durante a minha prática médica, inúmeras foram as vezes em que me vi diante desses quadros delicados.
Lidar com o fato em si, extremamente preocupante, aliado a imensa angústia dos pais, totalmente despreparados para enfrentar a ausência da cria permanentemente em seus braços, coisa fisiológica em toda espécie animal.
Geralmente, após uma enorme e dolorosa luta pela sobrevivência em incubadoras, esses pequeninos seres enchem seus progenitores e seus médicos de uma profunda alegria e respeito.
Característica de muita valentia e capacidade de enfrentar o adverso os diferencia dos demais que, em processos fisiológicos normais, iluminam os seus horizontes e os conduz a essa enorme dádiva que é a vida.
Os caprichos da natureza, às vezes, se manifestam muito precocemente. Por que razão, para alguns tudo é tão fácil enquanto para outros, tudo é tão difícil sempre?
Como pessoas utópicas, vivemos sempre brigando por uma igualdade que se mostra impossível.
Nessas festas natalinas, em que tanto se apregoa “paz na terra aos homens de boa vontade”, mais se exarcebam as injustiças que nos rodeiam.
Daí entender as palavras do Papa Francisco, quando se rebela contra um sistema que dá muito mais destaque a uma valorização de uns poucos pontos na bolsa de valores do que a notícia da morte de um idoso de frio.
Pessoas como essas, infelizmente, são tidas como utópicas e distantes da nossa triste realidade.
Apesar de serem muito divulgadas as práticas religiosas, verdadeiramente cristãs, são observadas por muito poucos.
Lamentavelmente, não só os prematuros na vida, mas também, os muitos prematuros da sorte, compõem o quadro triste de alijados das benesses mínimas que deveriam contemplar a todos.

Gabriel Novis Neves
27-11-2013

ROLÉ

O homem, desde que apareceu na Terra - há milhões de anos - até os dias de hoje, luta pela sua sobrevivência. Com a evolução gradativa da espécie, o homem foi se civilizando.
No entanto, lamentavelmente, parece que muitos representantes da espécie humana, entraram em um processo de involução.
Atualmente convivemos com demonstrações de violência tal, que parece que retrocedemos à era pré-histórica.
Os espetáculos deprimentes de violência das torcidas organizadas, na nítida intenção  de macular o que o futebol apresenta de mais bonito e alegre, é um exemplo desta selvageria.
Ocorrem, também, nos feriados e finais de semana, arrastões nas belas praias do Rio de Janeiro. Pela própria topografia da cidade, as belíssimas areias de Copacabana, Ipanema e Leblon, lotadas, são os alvos preferidos para o vandalismo.
Algumas favelas no Rio, apesar das tão faladas UPPS, voltaram a ter as suas noites tumultuadas pela violência.
Diariamente, a mídia nos inunda com tantas notícias de assaltos, roubos, estupros, sequestros, homicídios e outros delitos, que está se tornando parte do cotidiano das cidades brasileiras. O mais lamentável é que, em muitos casos, são delinquências praticadas por adolescentes.
Como se tudo isso não bastasse, começam a surgir em São Paulo, os chamados “rolés” - grandes encontros de jovens formados pelas redes sociais com o intuito de praticar vandalismos. O alvo preferido é o shopping. Eles surgem do nada, às centenas, correndo e gritando desordenadamente. Segundo eles, seria apenas mais uma mera forma de divertimento, entretanto, o que se observa, são saques às lojas, e há necessidade de intervenção policial.
Imaginem o desacerto que isso vem causando nessa época natalina, em que todos esses estabelecimentos costumam estar lotados.
O fato é que, novamente, há que se observar o cunho anárquico na origem desses episódios.
Se os Black blocs, até bem poucos meses atrás,  aterrorizavam as ruas com as suas violentas incursões diárias, dirigidas, principalmente,  às instituições públicas e aos bancos, já agora, o ataque é aos centros religiosos do capitalismo, ou seja, os templos do consumo.
É hora de pensar o que representam esses novos comportamentos por parte da juventude, e para que rumos eles estarão nos levando.
Com toda certeza, essa violência desenfreada não está surgindo por acaso, como um simples modismo de verão.

Gabriel Novis Neves
17-12-2013

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Torcidas organizadas

Com o recrudescimento da violência em todos os setores, não é de se estranhar que a histeria esportiva aumentasse.
Como bem sabemos, principalmente no tocante ao futebol, nos projetamos nesses jogadores bem sucedidos e admirados pela maioria das pessoas, e o insucesso deles passa a ser o nosso.
Esse fenômeno é muito bem explicado analiticamente. Nada raro que alguns adoeçam após a derrota de seu time preferido.
No momento, o que se vê, são torcidas totalmente desorganizadas, do ponto de vista legal.
Sim, porque existe, e é bem específico, o estatuto do torcedor. Apenas, como tantas coisas em nosso país, não costuma ser cumprido.
Isso por conta da sua grande complexidade. Envolve diversos setores: o estado, o Ministério Público, os clubes, as polícias civil e militar e, principalmente, os serviços de inteligência constantes e permanentes.
E, foi graças ao serviço de inteligência que a Inglaterra, depois de vinte anos conhecida por ter uma das mais violentas torcidas organizadas de todo o mundo, os chamados “hooligans”, conseguiu solucionar, embora que parcialmente, um problema tão grave.
Com isso, aumentou a arrecadação para os eventos futebolísticos, já que toda a sociedade sentiu-se segura dentro dos estádios.
Considerando o futebol um esporte de massa, é imprescindível que os serviços de inteligência constantes e acurados exerçam um controle das torcidas nas entradas dos estádios. Com a atual tecnologia isso parece viável.
O que não é admissível é que continuemos presenciando os tristes espetáculos de vandalismo nas arenas de futebol.
Pais, filhos, crianças e idosos estão abandonando a sua grande paixão por absoluta falta de segurança.
Se já existe a lei do torcedor, por que não cumpri-la?
É a pergunta que todos se fazem.
Afinal, circo é fundamental, ou não é?
Principalmente quando o pão anda escasso.

Gabriel Novis Neves
19-12-2013

IDÉIA FIXA

A missão primordial de todos que vivem aqui na Terra deveria ser a busca incessante da alegria e do prazer. E, ao encontrá-los, compartilhar com todos a sua volta.
Não por outra razão escolhi como profissão a medicina.
Infelizmente o ser humano, de modo geral, parece que busca para si a tristeza e o desprazer. Há casos em que essa busca vira uma obsessão.
Mesmo que tudo ao seu redor esteja parcialmente tranquilo e equilibrado, certas pessoas estão sempre sôfregas, em função de expectativas que, muitas vezes, nem elas mesmas sabem quais são.
Elas se esquecem de que vivemos sempre num mundo de incertezas, e é assim que funciona.
Por essa razão é que hoje se fala tanto em viver o momento presente, o que, a rigor, deveria ser a nossa única preocupação.
Durante as datas natalinas e de final de ano, muitos exacerbam suas angústias existenciais que, desde sempre afligem a humanidade.
Nós, que com frequência nos fartamos de planos, constatamos, no balanço anual que nos solicitam a fazer nessas datas, que a maioria das promessas que fazemos não foi realizada. Não que não quiséssemos, mas, simplesmente, porque as circunstâncias mudam o correr dos acontecimentos a toda hora.
Há que se ter uma mente tão dinâmica quanto tudo o que nos cerca, e isso é a beleza da vida.
Isso é viável e, com certeza, transformará o Ano Novo em algo prazeroso, pelo menos essa é a minha expectativa.
Quem se encastela apenas em valores materiais não consegue realizar as trocas afetivas necessárias a uma vida plena.
Ao trazer alegria aos circunstantes somos sempre os mais beneficiados. Não a alegria falsa e hipócrita, uma vez que essa apenas os grandes atores conseguem, mas a verdadeira, que se manifesta como doação através do olhar e da postura. A mímica facial é sempre transparente a um bom observador.
Que tenhamos a ideia fixa de transformar esses encontros festivos em algo que nos acrescente de belo e, não apenas, em eventos cansativos e mentirosos exigidos pelos rituais sociais.

Gabriel Novis Neves
20-12-2013

Natais

O Natal começou como uma festa religiosa em comemoração ao nascimento de Jesus Cristo.
Esta data povoou a nossa infância, e a festa era tão simples e ingênua quanto éramos nós.
Familiares se reuniam em volta de uma ceia mais caprichada, sempre com iguarias típicas dos países frios, ao final da qual, os adultos iam para a famosa Missa do Galo.
As crianças, as mais ansiosas, ficavam esperando durante a noite a chegada do Papai Noel, que lhes encheria de montes de brinquedos e bugigangas, sempre recebidos como dádiva.
Nada era negado, e a cumplicidade e a ingenuidade eram o charme dessa data.
Sabíamos o que pedir ao Papai Noel, sempre em função do poder aquisitivo de nossos progenitores.
Os pedidos não eram acompanhados de frustrações, já que não éramos massacrados por propagandas, cada dia mais poderosas em termos de tecnologia.
Com a transformação progressiva da festa natalina num grande acontecimento industrial e comercial, tudo foi adquirindo ares de megaevento, onde a criatividade não tem limite.
Assim, realçaram-se também as diferenças sociais com relação ao que pode e o que deve ser almejado.
Desde muito cedo os baixinhos se dão conta de que toda a encenação é para uns pouco privilegiados.
De ano para ano crescem essas diferenças, já que a riqueza tecnológica não tem limites para os bolsos mais recheados.
Este ano temos uma árvore de Natal no shopping Iguatemi (São Paulo) de vinte metros de altura e que abriga mais de vinte e cinco mil lâmpadas.
Isso sem falar nas vitrines das lojas, verdadeiros paraísos de consumo para muito poucos. Sob esse panorama, descaracterizaram-se todas as comemorações basicamente centradas no cunho religioso e passamos a viver a época do festival do consumo desmedido.
A troca de presentes, antes pouco valorizada e restrita, principalmente, às crianças, se transformou numa cobrança cruel, capaz de descapitalizar famílias pelo resto do novo ano. Tudo em função de uma competitividade enlouquecida, característica dos nossos tempos.
Encontros familiares, até então descompromissados, se transformaram em reuniões de um clã que, na maioria das vezes, além de nada dizerem aos seus membros, passou a exibir um verdadeiro palco de disputa de poderio econômico.
A economia de mercado, com toda a sua pujança, cresce em todos os setores e se hipertrofia imensamente quando se vincula aos setores ligados à vaidade humana.
Pena que essas megafestas não consigam estreitar os laços familiares, muito pelo contrário, se transformam em espetáculos de estranhamento mútuo entre seus circunstantes.
A obrigação do encontro familiar prazeroso entre pessoas que pouco ou nada se curtiram durante o ano transforma essas ocasiões em verdadeiros antros de hipocrisia e tédio.
Os presentes trocados, como mera formalidade, são frequentemente acompanhados de sorrisos falsos, tédio e, o que é pior,  sente-se o desamor no ar.
Não por acaso, aumentam tanto os estados depressivos no transcorrer dessas belíssimas Noites de Natal.

Gabriel Novis Neves
28-11-2013

domingo, 22 de dezembro de 2013

PERGUNTA

Sempre que estamos numa roda de amigos jogando conversa fora, invariavelmente surge a pergunta: “Qual a melhor coisa do mundo”?
Mesmo se fizéssemos coligações, como os partidos políticos para chegar ao poder, não há a menor possibilidade de se montar uma forte base de sustentação, ou melhor, uma resposta que traduza um consenso.
A tal da melhor coisa do mundo depende de muitos fatores, tais como: faixa etária, situação econômica e social, grau de escolaridade, formação religiosa, política e, principalmente, de valores morais.
Mas, de maneira geral, a coisa funciona assim: para os jovens a melhor coisa do mundo é namorar; para os coroas é ganhar dinheiro. Já os idosos preferem viajar, com direito a todo tipo de futilidade que esse tipo de deslocamento oferece. Desde as suítes mais caras, ao consumo de produtos que você jamais irá utilizar.
Na verdade, nessas rodas de bate-papo, a maioria não é sincera.
Falar que a melhor coisa do mundo são as coisas simples? Nem pensar!
Um sanduíche de queijo amarelo, em pão francês sem miolo, prensado em ferro e aquecido no fogão, é uma das coisas boas da vida.
A companhia de gente inteligente, descolada, bem humorada, de bem com a vida, sem amarras, em papos sem fim, é outra das coisas mais deliciosas deste mundo.
Se essa conversa for acompanhada por um bom espumante, frutos do mar, música de fundo dando alma ao ambiente já bastante envolvente com suas flores, plantas e pássaros, teremos o cenário ideal para se transformar na melhor coisa do mundo.
Se a conversa for a dois, aí sim, encontramos - não a melhor coisa do mundo - mas o próprio paraíso, tão procurado e dificilmente achado.
As melhores coisas do mundo são, geralmente, as que estão ao nosso alcance, mas a cegueira mental que assola a maior parte da humanidade faz com que elas não sejam vistas.
"Todos sabemos que cada dia que passa é o primeiro para uns e será o último para outros, e que para a maioria, é só um dia a mais." José Saramago.

Gabriel Novis Neves
03-12-2013

Juízo

Muitas pessoas implicam com aquelas que escolhem como seu lazer predileto a tranquilidade do lar.
Insistem no modelito do sociável clássico, ou seja: jantar em bons restaurantes, jogar conversa fora nos bares da moda, frequentar as rodas sociais, enfim, ter a chamada "vida badalada".
Tenho a resposta pronta para esses questionamentos. Deixar o conforto de casa, onde é possível fazer toda essa programação com amigos e gente inteligente, só se for para uma vida cultural ativa.
Quem não gosta de um bom show, assistir a um filme premiado, experimentar paladares distintos, viajar e conhecer lugares exóticos e culturas diferentes?
Infelizmente, nem sempre essas “excursões” são prazerosas, e ficamos remoendo o ditado aprendido na infância: “boa romaria faz quem em sua casa fica em paz”.
Calor, barulho não compatível com a nossa saúde auditiva, gente nem sempre interessante e a tal culinária, cujas delícias ficam mais no cardápio  do que propriamente condizentes com o nosso usado aparelho digestivo.
Ficar muito em casa não é sinal de infelicidade ou depressão, muito pelo contrário, é sinal de boa convivência consigo mesmo. É opção pelas alternativas do momento. Essa minha tese dá para compreender?
O mundo não muda, nós é que mudamos, e isso acontece para que possamos continuar sendo os mesmos da época rueira.
Se no passado gostávamos de frequentar determinados lugares, e hoje isso não nos dá mais prazer, nada mais normal.
Mudamos simplesmente de hábitos e descobrimos novas opções. Isso é saúde. Significa, muitas vezes, que a canção que nos emocionava não desperta mais esse sentimento, e o papo com antigos amigos demonstram sinais de prazo de validade vencido.
No dizer dos jovens - esse tipo de lazer não dá mais liga.
Nossos interesses e preocupações agora são outros.
Com o passar da idade acho que as pessoas adquirem mais sabedoria, ficando imunes às convenções sociais.
É a fase que temos o direito de satisfazer alguns dos nossos desejos, sem compromissos de prestar contas a ninguém.
Isso se chama liberdade e, para ela, não existe moeda de troca.

Gabriel Novis Neves
11-12-2013

OPERAÇÃO

A Polícia Federal, para a nossa tranquilidade, está “operando” mais que cirurgião de plano de saúde, que ganha por produtividade.
O que me encanta nesse trabalho de limpeza ética é a alta criatividade para batizar as famosas operações.
Frequentemente consulto o Google para entender o título da operação e o motivo da sua escolha.
A nossa Polícia Federal, além de possuir um excelente quadro de técnicos multidisciplinares, cuja entrada na instituição se faz por concurso público, tem também um departamento de notáveis historiadores.
Neste momento existe no Brasil uma série de operações sendo realizadas, todas com nomes próprios.
No nosso Estado uma corajosa operação, que atende pelo nome de Ararath, investiga a própria Justiça Federal.
Com que eficiência e cautela são desencadeadas essas operações! Às vezes, levam anos de investigação para serem operacionalizadas, pois não podem falhar - sob pena de desmoralizar o conceito do órgão federal.
Em termos de aprovação popular, sem dúvida alguma, a Polícia Federal é a instituição que contabiliza o maior número de pontos positivos.
Todos são iguais perante a lei, é o seu lema.
Não é fácil para um cirurgião cortar a sua própria carne, embora recentemente tivemos oportunidade de ver imagens de um cirurgião se auto-operando.
A nossa descrente população dos “sem nome e sobrenome” estava ávida de justiça que atingisse os ditos cidadãos de primeira classe, até então inalcançáveis pelas leis.
Essas operações fizeram ressurgir uma chama de esperança por um país mais justo e para todos.
Mas, por que o nome de Ararath a esta operação que tantos aplausos receberam da opinião pública?
Ararath é um morro que fica na Turquia, onde se acredita ficou ancorada a Arca de Noé.
Arca de Noé foi o nome da operação da Polícia Federal desencadeada nesta cidade há mais de dez anos com o objetivo de desmontar o “crime organizado”, fortemente implantado e com poder de decisão política.
Houve, à época, denúncia do Procurador da República ao juiz Federal, que acionou a Polícia Federal para cumprir a lei.
Prisões foram realizadas, e o chefe da organização criminosa condenado e trancafiado em presídio de segurança máxima fora do Estado.
Os crimes contra o patrimônio da União continuaram. As denúncias, após longa análise, deram origem a Ararath, que significa continuação da “Arca de Noé”, agora com os seus exploradores no cume do monte.
O momento é de surpresa pela quantidade de pessoas de “nome e sobrenome” envolvidas no ato criminoso. O topo do monte é um simbolismo com o topo do poder corroído por procedimentos não republicanos.
Aguardemos o final desses acontecimentos moralizadores para comemorarmos a implantação da tão esperada justiça social, sem a qual não haverá a desejada paz.

Gabriel Novis Neves
28-11-2013

Calmaria

Belíssima referência da grande diva do teatro brasileiro, Fernanda Montenegro, ao definir, numa recente entrevista, o seu sentimento de apaziguamento ocorrido nos últimos anos de convivência  com o marido - numa relação que durou sessenta anos.
Uma avaliação precisa e inteligente de uma relação amorosa tão longa.
Na verdade, as relações afetivo-sexuais de qualquer tipo, sejam elas homo ou heteroafetivas, são sempre carregadas de tantas nuances positivas e negativas, que lembranças da juventude costumam trazer situações limites, onde encontros e desencontros são muito evidentes.
As dificuldades da vida a dois, a possessividade mútua, os problemas com a criação dos filhos, aliadas às alterações humorais da juventude, transformam esses anos em lembranças tumultuadas para a maioria das pessoas.
Apenas a maturidade consegue mostrar o lado apaziguador dos relacionamentos.
Aprendemos com o tempo a valorizar no outro, não só o que nos agrada, mas, principalmente, o que nos desagrada, e que pode se tornar aceitável.
A meu ver, esse é o estágio de ouro dos relacionamentos, quando, num juízo de valores, passamos a conviver bem com as incompatibilidades.
Só o entendimento da simplicidade da vida e, ao mesmo tempo, da sua importância, pode nos conduzir a esse estágio.
Pessoas que se encontram e que se amam na diversidade, na essência de seus próprios “eus”, ainda que muito desencontrados.
Não acredito nas almas gêmeas, mas acredito que possam se tornar gemelares os encontros na velhice.
Infelizmente, a maioria das pessoas torna-se incapaz, física e emocionalmente para essas experiências.
A natureza, na sua ânsia da procriação, nos oculta essa verdadeira descoberta das trocas mútuas.
A promessa de novas tecnologias médicas para um melhor e maior prolongamento  da vida nos  acena com horizontes muito promissores.
Quem viver, verá.

Gabriel Novis Neves
28-11-2013

EXCESSO

Um velho professor de direito dizia aos seus alunos que, nas petições judiciais, o que abunda não prejudica.
Entretanto, acho que em certos casos o excesso prejudica.
Nelson Mandela, herói da simplicidade, tolerância, paciência, humildade, pacificador, Prêmio Nobel da Paz, acabou de nos deixar.
Todas as homenagens prestadas ao ilustre inimigo do ódio seriam insuficientes para traduzir a grandeza do seu caráter.
Nasceu e viveu lutando pela igualdade de oportunidade ao seu povo. Não pôde realizar tudo que pretendia, mas deixou as suas ideias para serem seguidas.
Foi ético em todos os momentos da sua vida, servindo de exemplo ao mundo.
Antes de morrer pediu que os seus restos mortais fossem enterrados na tribo onde nasceu. Foi o último ato de amor e despojamento de um homem admirável.
Seu país é rico em recursos naturais, e a sua gente livre.
Respeito a cultura dos povos. Emocionei-me ao assistir o Quarup no Xingu, ritual em homenagem aos mortos que muito fizeram pela causa indígena. Foram dias inteiros de comemorações, onde cada nação expressou o seu sentimento, de acordo com a sua cultura, traduzida pelos cânticos, danças, lutas e choro das carpideiras.
Ao final de três dias é realizado o enterro simbólico na natureza.
O governo da África do Sul, na eminência da morte do seu filho mais ilustre, programou com antecedência todos os detalhes do cerimonial, assim como a logística para receber importantes chefes de Estado.
E as homenagens transformaram-se no maior palco de hipocrisia programado do século.
O “espetáculo” do estádio de futebol é para esquecer, pelo desconforto que teria causado ao nosso herói, se vivo estivesse.
Os lugares marcados para os chefes de Estado, a sequência das falas, tudo foi de uma grosseria chocante.
Ditadores, democratas, defensores do apartheid educacional, corruptos, criminosos - todos presentes fingindo terem se convertido em  homens de bem com a morte do mártir da igualdade racial.
Alguns, leais aos princípios do Mandela, não compareceram ao festival do funeral.
Após dez dias de intensa exposição na mídia, os oportunistas, não respeitando a cultura tribal, fizeram com que a maioria da população mundial tivesse uma intoxicação visual de hipocrisias.
Tudo tem o seu limite, e o guerreiro da paz teve dificuldade para descansar em paz, servindo a interesses menores em nome de uma cultura de ocasião que, com certeza, contou com grandes patrocinadores.
O mundo órfão jamais irá esquecer o seu mito.

Gabriel Novis Neves
15-12-2013

O escritor e a escrita

As pessoas que gostam de escrever, seres hipersensíveis, em que a palavra oral não é suficiente para expressar assuas emoções, absorvem mal as incompreensões do dia-a-dia.
Com um grau de suscetibilidade bemmaior que a maioria dos mortais, elas se abalam e perdem a criatividade, basicamente, em duas situações: na tristeza e na mágoa.
Não estou me referindo à tristeza existencial, a dos poetas, que, como já definia Vinicius em seus versos, é extremamente proveitosa.
Estou falando daquela tristeza circunstancial, oriunda, fundamentalmente, da incompreensão e da mágoa que daí advém.
A visão etérea da vida que pulsa, e que aos poucos se esvai, torna o escritor muito sensível a tudo que não se encaixe no seu mundo utópico.
Todos os outros sentimentos são profundamente propícios a quem se desnuda através da palavra escrita. Essa total exposição, apesar de dolorosa, é absolutamente indispensável aos portadores dessa verdadeira síndrome que se traduz na arte de escrever.
O amor, com a sua consequente alegria de viver, é o melhor caldo de cultura para esses mergulhadores da alma humana.
Sentimentos menos nobres como inveja, ódio, maledicência e competição, são sempre substituídos por racionalismo e compreensão, não por razões meramente moralistas, mas, tão somente, por tentar buscar beleza em tudo que os cerca.
As alegrias, sempre encontradas nas pequenas coisas, fazem com que elas cheguem ao seu ápice. Tudo é maximizado no seu universo onírico, e a sua capacidade de simbiose com o que os rodeia, chega a níveis que só os poetas vivenciam.
É como se homem e natureza se unissem numa experiência única.
Entretanto, as alterações humorais causadas pela tristeza, abatem essas pessoas de uma maneira devastadora.
Fico imaginando, por exemplo, um gênio da literatura como Oscar Wilde, que passou anos de sua vida atormentado por preconceitos torpes, tendo, inclusive, sido encarcerado por algum tempo em decorrência desses desencontros com a sociedade em que viveu. Quanta criatividade a humanidade deve ter perdido durante esses longos períodos!
Inimaginável é o grande sofrimento a que tantos luminares da história foram submetidos por pura incompreensão.
Enfim, é sempre muito difícil lidar com as diferenças, sejam elas econômicas, sociais, sexuais ou religiosas.
Quem sabe virá o dia em que todos se respeitarão mutuamente nas suas diferenças e nos seus anseios, num equilíbrio estável, em que, despidos dos sentimentos de posse, todos possam exercer a sua plena individualidade.
Como a mágoa, o ressentimento e a tristeza costumam ser a tônica da vida da maioria das pessoas, é fácil compreender o estado de estagnação  psíquica que assola a humanidade.
Esse estado crônico, totalmente anômalo, uma vez que nós, assim como toda a espécie animal, fomos basicamente programados para o prazer e para a contemplação, somos os responsáveis por inúmeros distúrbios funcionais que geram as chamadas doenças psicossomáticas, praga dos tempos modernos.
Viva e deixe viver, seria um bom lemade vida.

Gabriel Novis Neves
17-11-2013

MODERNIDADE

Acordo e vejo a modernidade da minha Cuiabá. Como o meu relógio biológico não foi alterado pelo horário de verão, espontaneamente, antes das cinco da manhã, estou tomando o meu santo remédio – o guaranazinho.
Saio à janela e reparo que os edifícios próximos ao meu estão, em boa parte, iluminados.
Começo a me preparar para o dia novo e, uma hora depois, com a cidade ainda banhada pela lua, os apartamentos, até então com salas e quartos iluminados, estão às escuras.
É a modernidade!
A meninada da balada chega em casa, geralmente, após às seis horas da manhã.
Seus zelosos pais deixam salas e quartos iluminados, na esperança de um retorno mais cedo.
A praga do politicamente correto os impede de determinar o horário da chegada dos filhos adolescentes, temerosos de serem chamados de conservadores e velhos gagás, propiciando assim as mais variadas mudanças comportamentais.
A verdade é que com essa juventude “intoxicada digital”, crescem as nossas preocupações com o futuro desta nação.
O problema não está restrito a um país, continente, sistema político, raça ou religião.
É um fenômeno social empurrado por interesses comerciais de quem governa o mundo: o senhor capital!
As consequências são as misérias sociais que diariamente nos assustam pelas notícias da mídia.
Essa é a modernidade materialista que escolhemos como modelo ideal para viver?
Quantas mudanças de valores vieram no pacote da tal modernidade?
Surgiram os adolescentes idosos.
Um amigo observou que nós, os idosos, empregamos sempre um jargão para lamentar o mundo atual com a repetida e já cansativa frase: Que país deixaremos aos nossos filhos e netos?
Uma inversão da frase seria pertinente:
Que tipo de gente estamos educando para o futuro deste país?
Esta, com certeza, não é a modernidade dos nossos sonhos.

Gabriel Novis Neves
24-11-2013