sexta-feira, 30 de abril de 2010

INTERPRETAÇÃO DE TEXTO

Conversei dia destes com uma professora doutora em letras da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Ela me disse que atualmente trabalha na elaboração de material para o banco de dados do vestibular. A sua especialidade é a seleção de textos para a interpretação dos vestibulandos. Além da alta competição para um número reduzido de vagas nas universidades públicas, a interpretação de texto requer conhecimentos que, muitas vezes estão além do esperado desses jovens. Não deve ser fácil ao jovem, por exemplo, interpretar textos de certos políticos.

Leio hoje nos jornais que um conhecido político, dos mais escandalosos em seus polêmicos pronunciamentos, soltou a seguinte pérola: “Não faço barulho das minhas ações e, por isso, surgem dúvidas.” Entenderam? Nem eu. Imagine o pobre do vestibulando, interpretando esta frase! A possibilidade de uma interpretação correta é zero. Irão responder que, no mínimo o autor da frase é um gênio, tímido, ético e velho cientista que não suporta os holofotes, e sempre trabalhou em laboratórios. Como os textos enganam!

A cada dia que passa a redação e interpretação de texto tornou-se o grande vilão do vestibular atual. Em futebol todas as vezes que um técnico está super prestigiado, leia-se: será demitido amanhã. A interpretação de normalidade, também é um ótimo exercício para os cursinhos. No vestibular, como no nosso cotidiano, é uma tarefa desafiadora, embora muita gente seja especializada nessa área de julgar atitudes. Chegam até a publicar e elaborar manuais sobre o que é considerado normal.

Ah! Se os nossos vestibulandos soubessem, que “não fazer barulho” é traição política, talvez conseguissem uma vaguinha na nossa UFMT.

Gabriel Novis Neves
26/04/2010

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Praças de Cuiabá

Resolvi fazer um passeio pelas praças da minha cidade. Iniciei meu city-tur pela “pração”, chamada de Campo d’Ourique - centro geodésico da América do Sul. Era uma enorme área, onde no século XIX e início do XX, a nossa gente se divertia com as touradas e festas religiosas, sendo a do Divino a mais marcante. A criançada aproveitava o local para as peladas de futebol. No final da década de sessenta o governo escolheu este espaço para construir o prédio da Assembléia Legislativa. Ninguém disse nada, e perdemos um precioso espaço de lazer em uma cidade rica em espaços livres. Asfixiamos aquela importante região, que hoje abriga a Câmara de Vereadores.

Prossegui em direção ao Porto. Em frente à antiga cadeia pública, outro grande espaço que poderia ser um maravilhoso bosque, foi fechado para a construção do hoje inviável, por questões, principalmente, de logística, o estádio de futebol Presidente Dutra, carinhosamente chamado de Dutrinha. Próximo ao Arsenal de Guerra, imensas áreas livres faziam a alegria da meninada aos domingos, onde “apareciam” vários campos de futebol. Por incrível que pareça todos esses espaços foram cedidos para construções de prédios públicos. A Praça do Porto continua ainda aguardando a construção de um prédio oficial qualquer. No momento serve de dormitório para mendigos, menores abandonados e ponto de prostituição.

No centro da cidade, passei pela Praça Ipiranga, outrora parque de recreação dos estudantes da Escola Modelo Barão de Melgaço – escola onde minha geração estudou. A Praça Ipiranga está localizada numa área que era um dos pulmões da cidade. Hoje parece uma cozinha, com fumaça de frituras por todos os lados. Herdou o belíssimo coreto da Praça Alencastro. Nesta última, para substituir o antigo coreto, foi construída uma fonte luminosa, paixão de todos os prefeitos da época.

Ainda no centro passei pela Praça da República, com a Matriz na sua cabeceira. Não é mais um ponto de lazer dos cuiabanos. Durante o dia funciona como passagem de pessoas, e local para pequenos protestos políticos. À noite é um local deserto e perigoso para a integridade física dos cidadãos.

Continuando pelo centro vou para a Praça Alencastro - ex-praça principal de Cuiabá. O Palácio do Governo ficava ali, mas foi demolido e no seu lugar foi construído esse monstrengo que é hoje a sede do governo municipal. Sem o gasômetro, símbolo de uma época da nossa história, sem o coreto das retretas, e a presença da sociedade cuiabana, essa praça só não foi utilizada para a construção de um prédio de trinta andares, por ser área tombada pelo patrimônio histórico. A Praça Alencastro atual só serve para se contratar negócios macabros, com preços de ocasião.

As praças dos bairros, construídas nos últimos quarenta anos, hoje funcionam como lugar de comercialização de drogas e fazendas do mosquitinho da dengue. O nosso bosque, outrora centro terapêutico para tratamento da coqueluche, virou praça para a comercialização de mercadorias. Possuímos praças sem vida, apenas para homenagear personalidades. A pracinha da Avenida Lava-pés, em área nobre da cidade, foi aproveitada para a construção de um sufocante prédio, hoje cedido a AGECOPA. Nos bairros periféricos e não tão periféricos também, as pracinhas funcionam como sinal de “Cuidado” aos seus moradores.

Uma cidade que destrói o seu passado, que não respeita as suas praças, ora fazendo ocupações irracionais com prédios ou jogando-as ao abandono, não é uma cidade, mas sim um lugar onde as pessoas ficam sozinhas juntas.

Gabriel Novis Neves
24/04/2010

quarta-feira, 28 de abril de 2010

DEMOLIÇÕES

A igrejinha colonial de pau-a-pique fundada em 1723 sofreu várias reformas e melhorias ao longo da sua história. Em 1739 foi reformada e ganhou paredes de taipa socada. Em 1745 ganhou uma torre. Tornou-se Catedral em 1826, e em 1929 foi construída mais uma torre. Foi demolida e reconstruída em 1968 – e foi inaugurada em 1973. Estou me referindo à Catedral Metropolitana Basílica do Senhor Bom Jesus de Cuiabá. Símbolo máximo, desde a sua fundação, da fé do cuiabano. Até hoje os antigos chamam de Matriz, a nossa Catedral do Senhor Bom Jesus de Cuiabá.

Imperioso, entretanto, dizer que de, todas as reformas sofridas, a demolição foi a que mais forte tocou no emocional de todos os cuiabanos. Com a demolição, muitos cuiabanos perderam o seu referencial de fé. Eu, por exemplo, não encontro mais a igreja em que fiz a minha primeira comunhão. Quero me lembrar das missas e sermões do Dom Aquino Corrêa e não as encontro na minha mente. O local onde Dona Zulmira Canavarros tocava o órgão, acompanhando a sua filha Maria cantar os hinos religiosos; o confessionário do Padre Sutera; as aulas de catecismo da Professora Oló; o pequeno campinho atrás da Catedral, onde muita pelada eu joguei com Augusto Mário Vieira; as rezas noturnas e as brasas do Turíbio, que pegávamos na casa da Dona Elza Nigro; as filhas de Maria e a Congregação de São Vicente de Paula – todas essas lembranças se perderam em meio à poeira da demolição.

Abro aqui um parêntese para relatar uma doidice de menino. No dia oito de maio de mil novecentos e quarenta e cinco, os sinos da Catedral foram tocados, sem autorização do Vigário Geral, por dois meninos de dez anos, para comemorar o final da segunda guerra mundial. Nome dos meninos? Carlos Eduardo Epaminondas e este escriba. O difícil não foi subir as torres, escondidos do Vigário e sim enfrentar a nuvem de morcegos que ali habitavam. Fecha parêntese.

As escadarias que os pracinhas subiram para receberem as bênçãos do Senhor Bom Jesus, antes de partirem para a Itália na luta pela paz, não existem mais. As missas de domingo pela manhã, também foram demolidas. No mesmo lugar existe uma nova igreja, sem história, produto de um passado traumático. Até alguns anos atrás, as igrejas de São Benedito e Nossa Senhora do Rosário estavam praticamente em ruínas, totalmente abandonadas. Com ajuda dos fiéis, devagarinho foram restauradas - para o nosso orgulho.

Era criança e jogava futebol no que chamávamos de campo, atrás do Palácio da Instrução, com Hermann Pimenta, Traçaia, Chonézinho e outros craques, quando alguém nos avisou que a igreja do Senhor dos Passos estava pegando fogo. Saí correndo para assistir ao primeiro incêndio da minha vida. As esculturas sagradas foram salvas e removidas para o Seminário do Bom Despacho. Sobraram da catástrofe algumas paredes e a casca arquitetônica frontal. Esses escombros foram revitalizados pelos fiéis. A igreja da Boa Morte estava condenada pelos engenheiros. Há muito não eram realizados naquele local sagrado, onde os meus três filhos foram batizados, qualquer ato religioso – a igreja estava fechada. Atualmente funciona lindamente no mesmo local. A igrejinha foi salva. A igreja do Bom Despacho, Nossa Senhora Auxiliadora e São Gonçalo passaram pelo mesmo processo e continuam sem traumas do passado. No Coxipó temos um triste caso de demolição da histórica igreja de Nossa Senhora da Guia, para o surgimento no mesmo local de uma modernosa arquitetura, nada a ver com a nossa história. Uma tristeza! A igreja do Cai-Cai foi ampliada, mas continua no mesmo local. Com o crescimento da cidade surgiram novas igrejas católicas. Nesta minha viagem aos templos religiosos, não me esqueci das igrejas não católicas. Existem muitas recém construídas, sendo que algumas religiões não destruíram a sua original e construíram outras enormes e moderníssimas em outros locais. Nunca destruindo para reconstruir. E o que dizer das centenas de igrejas não católicas, que transformaram cinemas, lojas, garagens, depósitos de mercadorias em confortáveis templos?

Em tempo: quando vejo a demolição dos nossos valores de vida e a construção de equívocos que não resistirão a uma chuva de manga, fico preocupado com o que deixaremos de legado para as próximas gerações. Histórias de demolições do meio ambiente, dos nossos valores éticos e morais, das nossas relíquias culturais e históricas. Só nos falta a bomba atômica, que está sendo providenciada.

Gabriel Novis Neves
17/04/2010

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Médicos antigos

“Olhai por todos esses homens de branco que se propõem a salvar vidas e a prevenir doenças” – São Lucas

Fiz o meu curso de Medicina, na escola da Praia Vermelha da Faculdade Nacional de Medicina da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, antiga capital do Brasil. O prédio da escola era de uma arquitetura belíssima. Templo da Medicina Brasileira (1918 -1978) foi demolido pelo desinteresse de uma geração. A Universidade mudou-se com a capital federal para Brasília. Muitos chamavam a nossa escola de Matriz numa alusão irônica às outras designadas de Filiais.

A festa de conclusão do meu curso de graduação foi no Theatro Municipal, há meio século. Naquela época existiam no Brasil apenas vinte e três escolas médicas, que formavam médicos. Muitos dos meus colegas naquela noite histórica estavam no palco e as suas noivas nas galerias. Após este ato solene retornaram às suas origens, aptos ao casamento e ao exercício da profissão. Devido as minhas deficiências de aprendizagem, permaneci ainda cinco anos me preparando para o retorno à Cuiabá.

Gostaria de ter sido contemporâneo e colega de Lucas, o médico evangelista. Lucas era chamado pelos seus clientes de “meu amado médico”. Como faz falta para o exercício profissional da Medicina, a confiança do cliente em seu médico, e do médico em seu paciente. Sem esta cumplicidade, acho impossível o atendimento médico de qualidade.

Esta é uma realidade que todos nós vivenciamos, e nos sentimos impotentes para revertermos essa situação tão perniciosa à sociedade, e que permite o aparecimento do técnico em doença.

Aqueles médicos de mais de meio século, estão em extinção, pelo processo natural da vida terrestre com o seu finito. A Medicina humanitária exercida por Lucas, nosso colega e padroeiro, com sua dedicação piedosa e amor ao próximo, em especial aos mais pobres e humildes, deveria permanecer sempre viva nas mentes e corações de todos os médicos. Mas, os ensinamentos de Lucas parecem que a cada dia ficam mais esquecidos. O nosso padroeiro só é lembrado nos mega eventos em outubro, quando o calendário comercial reserva um dia para os médicos comemorarem o seu dia.

Como seria bom, se a ciência médica fosse colocada ao alcance de todos e os seus médicos amados pela população!

Gabriel Novis Neves
12/03/2010

*Publicado simultaneamente no www.gnn-cultura.blogspot.com

domingo, 25 de abril de 2010

FITA

A mais famosa foi a amarela - imortalizada pelo Noel Rosa. Temos inúmeras outras fitas, igualmente conhecidas no mundo todo. Quem nunca usou no pulso, uma fita do Senhor do Bonfim? E a fita no cabelo, o laço de fita, a fita de presentes, a fita do bolo, a fita “cortada” nas inaugurações de obras? Metaforicamente, no dia-a-dia, a palavra fita é também muito usada por nós: a fita como enganação - palavra tão apreciada pelos antigos; a fita no futebol - causadora de pelo menos um cartão amarelo; a fita dos novos ricos - com a exibição espontânea dos seus bens materiais. O indivíduo que deseja ser notado é logo chamado de fiteiro, embora não use fita alguma. Temos ainda: fita adesiva, fita métrica, fita antiderrapante, fita magnética, e outras.

Quem diria que essa tira estreita, flexível e de pouca espessura, geralmente de pano ou papel, fosse de uma riqueza semântica tal que, percorre a poesia amorosa de Noel, rola pelas nossas demonstrações de fé e interpreta tão bem o fingimento e a birra.

Como é gostoso cultivar certas fitas! Tenho preferência por uma em especial – a fita da minha vida! Com produtores e diretores, ela foi-se desenvolvendo em cenários naturais. A fita rodando e o tempo passando, sem roteiros, como quem procura um caminho, que só se encontra caminhando. Nessa minha fita, o filme foi rodado ao contrário. Sempre que revejo esta fita percebo que os erros – qualificados como tal na época – não foram mais do que preciosos aprendizados que transformaram minha vida para melhor. A fita da minha vida é um amuleto que carrego dentro de mim, pois estamos sempre cometendo erros – e é só esperar para vê-los se transformarem em divinas lições.

Em anatomia possuímos fitas naturais em nosso corpo, assim como fitas produzidas pelos caprichos da Natureza: fitas do sistema nervoso, fitas musculares, fitas viscerais, entre outras. Já me defrontei com os dois tipos de fitas. Mas a retirada de uma fita produzida pelo capricho da Natureza foi a grande, insubstituível e inesquecível emoção da minha vida. Essa é a minha fita, cuja cor e colocação nem os poetas imaginam.

A fita faz parte da nossa vida, muito mais do que supomos e imaginamos. Ela traduz emoções - o combustível da nossa alma. Contar tempo sem fita é possível, viver sem ter uma história de fita, impossível.

Gabriel Novis Neves
17/04/2010

Cheguei

Não sou o Zé Bonitinho, mas atenção meninas! Sou o Rafael Bonitão. Para quem não me conhece, sou irmão dessa coisinha linda chamada Maria Eduarda, filho da bonitona Juliana e do sortudo Tico. Tenho um patrimônio familiar que não é para qualquer um. Nos tempos de limitação da natalidade, nascer cercado do carinho de bisavô, bisavós, avôs, avós, dezenas de tios e tias, centenas de primos e primas, é ou não um privilégio?

Estou chegando, e já vou fazer uma fofoca. Mamãe, super ocupada, no momento nem pensava em aumentar a família. Papai que é totalmente dominado por ela - ele não é bobo nem nada - complacentemente calava-se. Devo a Maria Eduarda, este momento maravilhoso e cheio de felicidade que vivo. Graças aos seus insistentes pedidos, existo. Até promessas a São Benedito a danadinha fez! Mas, ela pedia e nada.

Até que em uma tarde chuvosa mamãe lhe chama, e para sua surpresa diz emocionada, que vou chegar. A menininha quase desmaiou de alegria! Não conteve as lágrimas da emoção. Ela queria um irmãozinho, para não perder o trono de princesinha da casa. Também, se viesse uma irmãzinha, tudo bem - seria a sua cúmplice. O que não queria, era ser descendente único. Papai e mamãe trabalham o dia todo e a minha irmãzinha ficava com adultos. Queria brincar e conversar, com alguém da sua idade.

Certo dia, na tranqüilidade da minha casa uterina, eu notei que estava sendo fotografado - e o pior! Pelado! Pura invasão de privacidade. Mamãe e papai radiantes não resistem: pelo celular avisam minha irmãzinha que viram o meu sexo. A assanhadinha logo pergunta: é... ? Mamãe e papai nem esperam ela concluir a pergunta e respondem ao mesmo tempo gritando com alegria – você acertou! Era a certeza de que teria um irmãozinho como companheiro. Logo que retornaram para casa fizeram uma reunião para escolher o meu nome. Mamãe pensou no nome de um algum anjo. Maria Eduarda adorou a idéia, pois adora ouvir historinhas sobre anjos! O consenso foi RAFAEL. E aqui estou eu, além de bonito e charmoso, terei o nome de um anjo.

Minha irmãzinha participou de todos os momentos que antecederam a minha chegada. Conversava comigo todos os dias. Às vezes estava dormindo e ela me chamava para colocar em dia o papo. Passava creme na barriga da mamãe, para evitar estrias. Um dia desses dei-lhe um tremendo chute, na hora da esfregação do creme no abdome da mamãe. Fiquei quieto, esperando talvez uma bronca, mas sabe o que ela disse? A-D-O-R-E-I! Com a mamãe ajudou na decoração do meu quarto. Detalhista, não se esqueceu de colocar na cadeira, a camisa do Flamengo, meu time na terra. Ai, ai, ai! Já vou chegar criando confusão! Tem gente torcendo para que eu seja Botafogo. Vamos ver - depois eu decido.

Minha irmãzinha está nervosa aguardando a minha chegada em casa. Diz prá todo mundo que quer ser a primeira a me beijar e abraçar. Está tão feliz com a minha chegada, que chegou a comentar que quando crescer quer completar a lista de anjos, com os seus filhos.

A família toda irá, com certeza, para o casarão da Chapada, comemorar a minha chegada como adultos comemoram: comendo, bebendo e dançando.

Gabriel Novis Neves
Cuiabá, abril, 2010

sábado, 24 de abril de 2010

MORRER EM CUIABÁ

Há muito tempo não ouço um ditado popular, atribuído a Estevão de Mendonça: “Quem morre em Cuiabá morre duas vezes. Morre de morte morrida e morte pelo esquecimento”. Vale revitalizar – palavra da moda - esta sábia afirmação.

Todas às vezes que um humorista, cartunista, jornalista, escritor, poeta, não cuiabanos, morre em um grande centro, passamos meses recordando e lamentando a falta que fará o talentoso profissional. Nada mais justo que chorar a perda irrecuperável de um gênio. Cuiabá possui artistas, cantores, compositores, escritores, poetas, jornalistas, humoristas, cartunistas, desenhistas, professores, pesquisadores dignos dos melhores nacionais. Mas..., trabalham e moram em Cuiabá. Precisam de um avalista de fora para ser reconhecidos aqui.

Lembro-me da história dos Trapalhões na década de setenta. Eram quatro palhaços que todos os domingos às 19 horas, faziam o Brasil sorrir - Didi, Dedé, Zacarias e Mussum. A elite gostava da palhaçada inocente do quarteto, mas era politicamente incorreto elogiá-los. Um dia, Carlos Drummond de Andrade publicou no Jornal do Brasil um artigo elogiando- os e avisou para que não o procurassem durante o Programa dos Trapalhões. Pronto! Foi o que bastou para o quarteto ser o assunto da segunda-feira: eram as piadas do Didi, a escada do Dedé, a risada do Zacarias e a malandragem do Mussum. Até então a dita elite intelectualizada não se atrevia a comentar o programa – mas assistia.

Leio num site - que ninguém lê – em sua página principal, uma frase de fazer inveja ao Otelo Caçador, do Jornal O Globo. O Botafogo conquistou o campeonato carioca e o chargista tupiniquim colocou uma foto de um velho e sofrido brasileiro, segurando a faixa: “Botafogo Campeão Carioca 2010”! A legenda dizia: “Torcida Jovem do Botafogo, comemorando o título.” Nem o flamenguista Otelo faria gozação melhor. O autor da façanha que me impressionou pela inteligência e sutileza do deboche, mora e trabalha em Cuiabá. Vive no anonimato, patrimônio cultural de poucos, combatido por muitos e consciente que representa a vanguarda na nossa cidade, quebrando paradigmas e enriquecendo o nosso falar com o seu criativo vocabulário.

Parabéns Gandhi do Porto! Torço para que você possa, um dia, invalidar a profecia de Estevão de Mendonça.

Gabriel Novis Neves
19/04/2010

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Perfis brasileiros

Acabei de ler um livro de Joaquim Ferreira dos Santos, com duzentas e oitenta e seis páginas, editado pela Companhia das Letras. É um livro contemporâneo, e despertou em mim sentimentos contraditórios: não sei dizer se de alegria ou, de tristeza. Faz parte da coletânea “Perfis Brasileiros”, e o autor, entre outros trabalhos publicou - para quem gosta do gênero - “Feliz 1958” e a biografia do cronista e compositor pernambucano Antonio Maria.

Encontro um amigo intelectual que não via há muito tempo. Conversa vai conversa vem, e ele me sai com aquela perguntinha – bem típica dos desinformados e preconceituosos com relação à velhice:
- Você ainda trabalha?
Respiro profundamente e respondo:
- Sim.
- Não como antigamente não é?
- É. Respondi monossilábico – a conversa não dava liga.
- E o que tens feito para passar o tempo?
- Nada, pois não quero que ele passe.
- Brincando muito com os netos, né? Ou vais me dizer que com essa idade estás namorando?

Meu Deus, ele ia continuar com aquelas perguntinhas horrendas. Resignado, dou um longo suspiro e respondo:
- Pratico atualmente a medicina artesanal, aquela que não atende (!) planos de saúde - e prossegui - escrevo artigos e crônicas para mim, e leio também matérias não médicas.

Aí ele não se conteve, e do alto da sua erudita cultura, - muito arrogante por sinal - citou umas dez obras de autores estrangeiros, daqueles bem chatos, sabe como é? Daqueles livros que só de ler a orelha já cansa o leitor – clássicos enfim. Pois bem. Então ele me perguntou se eu já tinha lido alguns – ah, antes acrescentou serem obras imperdíveis.
- Não li nenhum desta sua lista – respondi já impaciente. Nunca tive forças para estas leituras, embora possua alguns em casa, presentes de amigos.
- Não me vai dizer que estás lendo a Play-boy, Caras e Quatro Rodas? Perguntou-me entre perplexo e irônico.

Resolvi então revelar minha última leitura:
- Acabei de ler um pequeno e delicioso livro sobre a Leila Diniz.

O impacto causado no meu amigo intelectual foi tão grande que ele quase engasgou. Ainda perplexo me perguntou:
- aquela...? Sussurrou.
- Sim. Ela mesma, a do Pasquim. Respondi triunfante.

Decepcionado, indignado e meio aborrecido, despediu-se de mim rapidamente e foi embora.
Leila Diniz! Uma jovem à frente do seu tempo! Questionadora, irreverente, inovadora, ousada, fascinante. Faltam-me adjetivos para falar de Leila Diniz. Qual uma estrela cadente passou rapidinho pela terra – morreu aos vinte e sete anos de idade em um desastre de avião, bem pertinho do céu. Deixou um legado, não pornográfico como dizem os pseudomoralistas, mas de atitudes atrevidas e inusitadas, boas para uma boa reflexão. O Brasil nunca mais foi o mesmo quando, em mil novecentos e setenta e um, grávida, foi à praia de biquíni, sem a bata que costumava cobrir a barriga. Sem fazer discursos, sem queimar sutiãs nem maldizer os homens, ela realizou uma revolução no comportamento feminino. Viveu com aquela ânsia guiada pela necessidade de existir em liberdade, e é um exemplo que até hoje é citado pelas mulheres. Na política Leila Diniz pregava a luta não armada. Segundo o seu biógrafo Joaquim Ferreira dos Santos, pregava “A felicidade no poder.”

Gabriel Novis Neves
15/04/2010

quinta-feira, 22 de abril de 2010

TAXA DE VIRGINDADE

Todo mundo reclama que o governo cobra muitos impostos, inclusive eu. Mas o campeão disparado de cobranças de taxas, que não deixam de ser impostos, são os bancos. Tanto nos públicos como nos privados o que sofremos é um verdadeiro assalto, faltando pouco para ser à mão armada. Quem tiver alguma poupança ou investimento em banco para utilizar na velhice, com as despesas próprias da idade, o melhor investimento então seria a morte prematura. O rendimento de uma aplicação sem risco, apenas para cobrir as contas dos medicamentos, tem juros de um tintinho, do tamanho de um dedo mindinho. Agora, se você necessitar de um empréstimozinho para pagar uma quimioterapia, prepare o lombo que a paulada é grande. Tenho uma pequena reserva investida em um banco, para essas naturais eventualidades. Está aberta há muitos anos e sem aportes financeiros. Resolvi fechar uma aplicação que tinha em outro banco, e fazer o quase simbólico aporte desse recurso nessa conta aberta. Não é que o banco receptor me cobrou “um pedágio” de penetração desse recurso? Tentei dialogar com o funcionário do leão privado alegando que a conta existia e estava aberta, e que iria colocar alguma coisa ali para ficar guardada, e pagar anualmente uma taxa de administração. Não houve acordo. Ele insistia em me cobrar o imposto do novo aporte.

Lembrei-me que os bancos possuem lucros exorbitantes, porque adotam o modelo operacional utilizado na prostituição. Nas casas do ramo, o comportamento é o mesmo dos bancos. Lá cobram taxa de tudo. A mais cara é da virgindade. Daí para frente o preço é o do mercado. Nos bancos, todas às vezes que você faz um aporte em uma velha conta aberta, paga-se a taxa de virgindade como se ela existisse. Um absurdo, mas o Banco Central regulamentou assim. Por esta e por outras é que os lucros dos bancos são inacreditáveis - enquanto que a nossa aplicaçãozinha só mesmo com microscópio para ver o seu rendimento. Também pudera! Vendendo virgindade falsa - e amparada pelo governo quando o banco adoece - fica fácil o sucesso do empreendimento.

Gabriel Novis Neves
09/04/2010

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Apelo sincero

“Tudo já foi dito uma vez, mas como ninguém escuta é preciso dizer de novo.” – (André Gide)

Estava trabalhando quando o telefone toca. Atendo e tenho uma grata surpresa: era uma pessoa muito querida. Cuiabana, neta de Pedro Celestino Corrêa da Costa, sobrinha de Fernando Corrêa da Costa, esposa de José Fragelli e minha prima. Era a Sra.Lourdes Fragelli. Ela não gosta de Cuiabá, simplesmente a ama. Casou-se com o corumbaense Dr. Fragelli, e dedicou grande parte de sua vida à construção de um Estado mais digno para todos mato-grossenses.

A carreira política do doutor Fragelli foi toda coroada de êxitos. Ele foi deputado estadual, federal, governador do estado, e teve o seu ápice como senador da república e Presidente do Senado. Neste cargo deu posse interinamente ao Vice-Presidente José Sarney, por ocasião da doença de Tancredo Neves, como Presidente da Nova República. Fragelli diante da doença do titular, eleito pelo Congresso Nacional Presidente do Brasil, como estudioso jurista, ajudou a encontrar uma saída político-jurídica para aquele grave momento.

Fragelli não se encantou com os cânticos do poder. Fazia política não pelo poder. Sua ambição sempre foi o de servir o seu povo e não o de servir-se dele, tão em moda atualmente. Com noventa e dois anos de vida, encontra-se fragilizado para certas conversas. Nessa hora assume as funções de porta voz do ex-governador a sua Lourdes - firme como uma árvore de jacarandá. Diante do questionamento de um jornalista de Cuiabá, acerca da iminente demolição do Verdão, respondeu, dentro da coerência que foi a sua vida, que poderíamos construir um novo estádio de futebol para a Copa, e manter o velho Verdão. Citou o caso do Rio de Janeiro, que para os jogos pan-americanos construiu o Engenhão e reformou o Maracanã. O envelhecimento do Pacaembu, fez surgir o Morumbi em São Paulo. Londres demoliu o seu centenário estádio, por absoluta ausência de área física o que não é o caso de Cuiabá.

“História não se destrói. Mesmo nas guerras os monumentos demolidos são reconstruídos”, lamenta dona Lourdes. Este estádio condenado a desaparecer é um pedaço da história de Mato Grosso - está relacionado à ocupação do norte do estado e o seu desenvolvimento. Foi com a venda de grande parte das suas terras, que surgiu o dinheiro para a construção do Verdão, e o aparecimento de inúmeras cidades no norte. O novo estádio será construído com recursos financeiros oriundos de financiamentos bancários, que depois iremos pagar. Infelizmente não há mais tempo hábil para reverter este triste e lamentável fato. A decisão de passar o trator já está tomada.

Mas sempre há tempo para ouvir o apelo sincero da dona Lourdes Fragelli, que tenho a certeza, falou em nome do construtor do Verdão e da população de Mato Grosso.

Gabriel Novis Neves
15/04/2010

segunda-feira, 19 de abril de 2010

INTERNET

Ultimamente tenho recebido uma enxurrada de emails terroristas sobre a vacina Gripe A (H1N1). Fiquei atordoado com o número de informações não científicas fabricadas, produzindo pânico na população, e, consequentemente, a não aceitação da vacina – mas creio que desconfio do motivo. A polícia científica prestaria um grande serviço à população se elucidasse a procedência destes boletins falsos e alarmistas.

Os mais respeitados cientistas brasileiros, os conselhos de medicina e as autoridades sanitárias já demonstraram a eficiência da prevenção da gripe - que mata. O bombardeio de notícias alarmantes, fez com que as previsões oficiais do Ministério da Saúde ficassem em um patamar tão baixo, que o órgão está fazendo uma segunda chamada da vacinação para tentar se aproximar da meta desejada.

Os médicos e trabalhadores da saúde foram os primeiros a se vacinarem. Com isso demonstraram que a vacina é benéfica, importante e imprescindível para a prevenção da doença – mas, assim mesmo a internet está vencendo a razão.

Não sou tão inocente a ponto de crer que essa enxurrada de emails, seja apenas uma brincadeira de mau-gosto. Acredito em um forte componente de sabotagem por trás desta divulgação. A indústria da doença é caríssima e a prevenção baratíssima. Alguém não está satisfeito com este programa de imunização em massa da Gripe A (H1N1), que, repito, mata. Prefere ganhar dinheiro com a doença e as complicações da Gripe A. Quanto custa ao Brasil, um trabalhador com a Gripe A? Uma verdadeira fortuna! Quando o Brasil implantar a ideologia da prevenção às doenças, muita gente por aqui vai ficar pobre.

O que temos hoje na saúde é uma bem montada ideologia da eficiência tecnológica amparada pela mídia. As televisões mostram várias vezes ao dia, belos equipamentos médicos tentando passar ao telespectador sinais de bom atendimento na área da saúde. Pura propaganda enganosa - mas com efeito visual fantástico! Nem uma seringuinha com a vacina salvadora é mostrada à população. Quanto mais caros os medicamentos e mais sofisticados os exames complementares, melhor para os empresários da doença.

Assisti outro dia, numa rede de televisão, a demonstração de um aparelhinho desenvolvido por cientistas brasileiros que, em vinte minutos fornece o resultado de um exame de sangue para uma das doenças das enchentes. Pelo método tradicional este resultado é fornecido em duas semanas. Já é o início da campanha para a venda do produto, que ainda não foi testado e de valor proibitivo para as inúmeras prefeituras brasileiras.

Falam muito em passar o Brasil a limpo. Mas o que assistimos no momento é um rascunho sujo daquilo que sonhamos. Que poder possui a internet!

Gabriel Novis Neves
16/04/2010

É CAMPEÃO

Escrever após mais um campeonato onde o Botafogo se consagrou campeão é sempre um teste coronariano. O correto neste momento era eu estar em uma unidade coronariana para observação. Noventa minutos de sofrimento extremo. Pênaltis mal cobrados, beijando a rede do gol do Flamengo e o gol anti-sofrimento do Botafogo, perdido exatamente pelo “talismã.” O ponto culminante desta tarde de sofrimento-alegria, foi o pênalti que o Imperador chutou colocando a bola no canto esquerdo, e o nosso goleiro defendeu.

A dramaticidade dos últimos minutos faz parte das coisas que só acontecem ao Botafogo. Vou colher assinaturas e encaminhar aos dirigentes do Fogão uma sugestão: deixar de praticar o velho esporte bretão e passar a disputar o campeonato mundial de esportes radicais - categoria futebol. Tenho uma infinidade de sugestões para o nosso bi-campeão em uma disputa de campeonato. Para conquistarmos o Campeonato Carioca ganhamos dois campeonatos. Um chamado de Taça Guanabara e o outro a Taça Rio. Somados fomos proclamados “Campeões Carioca.”

Voltando às sugestões para esportes radicais: um jogo de futebol próximo ao vulcão em atividade na Islândia; transmissão exclusiva pela rede de televisão do Bin-Laden; um jogo do Fogão em Havana, contra um time de presos políticos em greve de fome; transmissão exclusiva da poderosa televisão estatal brasileira com comentários do Frei Beto e locução do Dirceu; patrocínio de Bill Gates; um jogo beneficente do Fogão na parte que ainda não desabou do morro em Niterói.

Existe uma programação para o ano todo, bem mais rentável e emocionante do que este tradicionalmente praticado por aqui. Os craques estão no exterior e os nossos campeonatos mais parecem academias de recuperação de poli-traumatizados e de pernas de pau.

Agora vamos comemorar essa vitória com sabor ultra-agradável - com pênalti perdido pelo Imperador do Flamengo. Ouço o estourar das bombas e os gritos nas ruas: “É Campeão! O Bota é Campeão!”

Gabriel Novis Neves
18/04/2010

sábado, 17 de abril de 2010

Repetição

Segundos, minutos, horas, dias, semanas, meses e ano. Os dias dos meses variam de vinte e oito a trinta e um. Vários sinais nos dão mostra de que um ano está terminando e começando outro.

Dentre eles temos: Papai Noel nas ruas do comércio anunciando produtos para venda; Papai Noel e árvores de Natal decorando casas, empresas, ruas e repartições públicas; aquelas minúsculas lâmpadas, que é a decoração preferida de todos, sempre acesas - não esquecendo as modalidades “acende e apaga” ou “pisca-pisca”; cartões de natal, virtuais ou não, com ou sem assinatura; jornais com amplos espaços para muitos políticos saudarem a população, com as despesas por nossa conta.

O meu referencial de que o ano está chegando ao seu final, já há algum tempo é outro. Invariavelmente recebo nos primeiros dias de dezembro da Sociedade Matogrossense de Empreendimentos Ltda – SOMATEM, o boleto de cobrança da taxa anual de um jazigo que possuo no cemitério Parque Bom Jesus de Cuiabá, na Rodovia Palmiro Paes de Barros, KM 3.5, Parque Atalaia.

O documento da cobrança, datado do dia primeiro de dezembro de dois mil e nove, tem o seu vencimento no dia cinco de fevereiro de dois mil e dez. A recomendação expressa no boleto de cobrança é: “Não receber após vinte e oito de fevereiro de dois mil e dez”. Quem avisa amigo é! Após esta data vêm juros, correção monetária, taxa de atraso e outros emolumentos - tão nossos conhecidos! Invariavelmente também, liquido em dia a taxa do jazigo 11.3.19-1.

Pago com satisfação antes do prazo indicado no boleto, para ter um descontozinho, mas não pretendo me mudar tão cedo de endereço!
Ao receber aquela cobrança estou diante de uma repetição - que me anuncia que o ano está terminando.

Gabriel Novis Neves
Cuiabá, 12.12.2009

PEDIÇÃO

Já falei anteriormente que não gosto de discutir religião, mas sou um homem de fé. Ontem participei de uma cerimônia religiosa na igreja no bairro do Porto. Entrei com fé, e saí em dúvida – acho que ela ficou por lá. O ato religioso demorou exatos oitenta e seis minutos, dos quais quinze foram gastos com a pedição.

Fé não deve e não pode ser misturada com propaganda e venda de mercadorias, e foi justamente isto que presenciei – chocado - naquela cerimônia. O líder religioso recomendou aos fiéis para, na saída do templo sagrado, dobrassem na última porta à esquerda. No pátio poderiam comer o melhor pastel do mundo, e ao mesmo tempo estariam ajudando as adolescentes da igreja em seu trabalho. Esclareceu também que na porta principal estariam à nossa disposição voluntárias da fé oferecendo mesas para duas festas que serão realizadas este mês, para repor os cinqüenta mil reais que foram doados pela igreja ao Haiti. Explicou com detalhes todo o mecanismo burocrático da doação, enquanto eu não conseguia tirar os olhos do Jesus crucificado. Fez propaganda do CD de uma banda religiosa que faz muito sucesso no momento. Do altar mostrou o CD e pediu aos fiéis que comprassem. Encerrou esta parte da cerimônia com um apelo: “vamos continuar a ajudar o Haiti. Abri outra conta bancária para novas doações destinadas aquele povo que sofre.”

Nada contra ajudar aos necessitados. Lembrei-me de um fato ocorrido há alguns anos: fui receber à noite um grupo de americanos no aeroporto de Várzea Grande. Nessa semana tinha chegado à lua o primeiro astronauta e colocado no piso lunar a bandeira americana. Até hoje nos lembramos das marcas das botas de Neil Alden Armstrong. Pois bem. Durante o percurso do aeroporto ao hotel, o grupo veio admirando o céu de Cuiabá - totalmente estrelado. Na despedida os americanos comentaram comigo: a lua é aqui. No dia seguinte na universidade resolveram derramar dólares na recém-nata Uniselva ou, para eles a universidade da lua. Foi assim que participamos do projeto MEC-BIRD. Os americanos eram auditores do Banco Interamericano de Desenvolvimento.

Saio do templo sagrado do porto. O meu carro está estacionado na rua. Perto do carro encontro um garoto, aparentemente drogado, pedindo dinheiro. Dei rapidamente as moedas que possuía nos bolsos, e me arranquei, dando graças a Deus de não ter sido assaltado ou coisa pior. Chego em casa e ligo a televisão. Assisto as notícias das catástrofes produzidas pelas chuvas no Rio de Janeiro e comentei com o meu irmão: o Haiti é aqui.

Gabriel Novis Neves
07/04/2010

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Água mole

Muitos conselhos eu recebo para que deixe de escrever sobre saúde e educação. Esses amigos conselheiros se justificam dizendo que os leitores estão cansados desses temas - jamais resolvidos pelos nossos governantes. Sugerem assuntos mais amenos: flores, pássaros, amor. Aceito em parte os conselhos, mas é muito difícil ignorar aqueles temas, causadores de tantos sofrimentos e aflições. A educação, que é a base da cidadania, é tratada com tanto desdém, que fico preocupado sobre o futuro do nosso país.

Recentemente um educador brasileiro, admirado em todo o mundo, se candidatou à Presidência da República e fez da educação a sua bandeira. Obteve minguados dois por cento dos votos. Como considero saúde pré-requisito da educação, os meus conselheiros estão com certa razão. Perco tempo batendo semanalmente nessa tecla que não interessa a quase ninguém. Mas, a mim, a mim interessa, e muito! Foi graças à educação que me tornei um cidadão consciente dos meus deveres e direitos.

Exemplo recente da ausência de educação cívica. A nossa cidade completou duzentos e noventa e um anos de fundação. Como sempre, no dia oito de abril pela manhã, aconteceu o desfile escolar-militar em homenagem à aniversariante. Havia poucas autoridades para prestigiar o evento. Segundo cálculos otimistas da Prefeitura, cerca de duzentas pessoas. O governador do estado, e candidato a governador, não pode comparecer. Em compensação compareceu num almoço de aniversário de um possível aliado político – ele e vários secretários - numa platéia de no mínimo mil e quinhentas pessoas.

Cuiabá, embora muitos não queiram aceitar, é a capital do estado e a sua cidade mais populosa e importante. Essa é o tipo de falta que não encontra justificativa plausível de nota, especialmente para quem quer os nossos votos. Doença não foi. Só se foi doença providencial e relâmpago, pois logo estava curado e festando. Para mim foi desprezo, negligência e descuido. Afinal este compromisso está agendado desde mil setecentos e dezenove. Vou continuar escrevendo, nem que seja só para mim. “Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura.”

Gabriel Novis Neves
10/04/2010

quinta-feira, 15 de abril de 2010

PARTOS

Justa e merecida a homenagem prestada à várzea-grandense Emília Soares pela comemoração dos seus noventa e dois anos de nascimento. Parteira, foi responsável por mais de mil partos naturais. Aprendeu o difícil ofício com sua mãe - também parteira –, acompanhando-a em suas andanças desde os doze anos de idade. Casou-se com Manuel Pinto de Arruda, tiveram treze filhos, oito dos quais nasceram pelas mãos de sua mãe. Os quatro últimos nasceram em suas próprias mãos com o auxílio do marido – na rede. O marido observava e entregava-lhe os materiais necessários: tesoura esterilizada no fogão de lenha, toalha limpa e um pedaço de fio para amarrar o cordão umbilical. Após o parto a placenta era enterrada no quintal, e o umbigo, quando caía, jogado em cima do telhado. Muita gente famosa nasceu com ela, inclusive médicos.

Li com avidez a entrevista que ela deu ao Jornal A Gazeta. Comovente! Uma heroína! E existem muitos desses heróis anônimos, observando os nossos valores atuais! Dona Emília deveria ser reconhecida pela Universidade com o título de Doutor, ou Professor Emérito, pelos serviços prestados à medicina, pelo seu exemplo de solidariedade humana, hoje tão distante da formação do médico.

A entrevista foi uma verdadeira aula sobre parto. Hoje, em clínica privada, só nascem crianças de parto normal se a gestante se internar em período expulsivo. Quase cem por cento nascem de parto operatório – cesariana. Os alunos de medicina, e muitos médicos jovens, nunca assistiram, e até confundem parto normal com parto natural. O parto normal é realizado com acompanhamento médico, durante o qual é administrado algum tipo de medicamento. Dona Emília e a sua mãe sempre realizaram o parto inventado por Deus: o parto natural feito em casa, sem o uso de qualquer medicamento.

Os modernosos são contrários ao parto natural, e condenam o parto domiciliar, mas fazem campanha e discursos a favor do “Parto Humanizado” - tão do agrado do Ministério da Saúde que, inclusive, repassa incentivos financeiros para essa prática!

Dias atrás conversei com uma colega que faz Medicina nos Estados Unidos, país dos especialistas e da melhor Medicina do mundo. Perguntei-lhe em que área atuava. “Faço obstetrícia domiciliar”, respondeu-me. A seguir quis saber sobre o perfil das suas clientes. “Gente com muito dinheiro, artistas famosas, escritoras, poetas, professoras universitárias, modelos consagrados”- esclareceu-me. “E o custo?” – indaguei. “Caro – ela respondeu -, pois é montado na casa da gestante um mini hospital, - mais para dar segurança à gestante do que pelo parto em si – um fenômeno natural como a própria Natureza.

Um exemplo recente de parto natural foi o da famosa brasileira Gisele Bündchen. E, não me venham dizer que ela parindo naturalmente em casa e amamentando é um péssimo exemplo! Também não creio que essa mulher riquíssima e famosa, que poderia fazer uma cesariana em qualquer hospital do mundo e com a melhor equipe médica, estivesse desinformada a ponto de dar um mau exemplo e correr risco de morte materno-infantil. Nessas condições o parto natural feito pela Dona Emília é o indicado.

Gosto e admiro os vencedores. Dona Emília, pela sua trajetória de vida, passa a pertencer a minha galeria de exemplos a serem seguidos. Obrigado, professora, pela aula.

Gabriel Novis Neves
11/04/2010

* Publicado simultaneamente no www.gnn-cultura.blogspot.com

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Preconceito

De todas as doenças que conheço, é o preconceito a que mais me preocupa - pessoalmente, eu nunca entendi a lógica perversa do preconceito. E existem tantos! Sexual, religioso, racial, espiritual ou mesmo financeiro. Ataca pessoas de ambos os sexos, de todas as idades, religião, raça, cor, ideologia. Geralmente tem como alvo membros de grupos sociais minoritários. A medicina, com todo o seu avanço tecnológico, não consegue participar do complexo processo de cura desta doença, que existe desde os tempos mais remotos da humanidade. O máximo que se consegue são métodos paliativos e nada mais. Extirpar este mal, que causa muito sofrimento só será possível, pela educação. Por isso sempre digo e repito: - não se faz saúde sem educação.

Teoricamente gosto de ilustrar minhas aulas citando exemplos estampados na mídia. Através de exemplos podemos facilmente entender esta doença que tento descrever. Vejamos alguns: “fulano de tal convidou a nata do empresariado, para conhecer a China” - as comitivas são enormes, e quase todas as astronômicas despesas correm por conta do contribuinte. “Grupo político convida as candidatas a Miss Mato Grosso para um prolongado tour pela capital, com direito a fotos com autoridades e auxílio enxoval.” - tudo com o dinheiro do contribuinte, - ótimo. “Comitiva de jornalistas acompanha políticos em uma viagem pelo Estado para registrar a entrega dos novos tratores e caminhões adquiridos com o nosso dinheiro, é sensacional”. “A viagem internacional com a base política de sustentação do governo foi um sucesso,” - e os dólares para custeio saindo das tetas do governo, não tem importância alguma. Está tudo certo. Mas, tem muito mais, muito mais notícias como estas, em que o dinheiro público – entenda-se nosso – custeia a farra e a autopromoção dos poderosos. Não quero, entretanto me tornar enfadonho estendendo a lista além do suportável.

Agora, se um empresário vencedor convida jornalistas pertencentes às chamadas minorias para uma curta viagem e custeia as despesas com dinheiro do seu próprio bolso, vira um escândalo de proporções inimagináveis. Por outro lado, se em vez dos jornalistas que fazem parte das minorias, fossem convidados famosos profissionais liberais, esse gesto seria considerado um ato generoso do rico empresário. Então chego à seguinte conclusão: existe naquela atitude um preconceito velado, mas terrivelmente presente - e é hipocrisia dizer que não.

Além da gravidade do preconceito, percebo sutilmente manifestações claras de homofobia, e principalmente receios. Esses jornalistas sabem segredos de alcova dos poderosos, e tem o exato comprimento do rabo dos intolerantes a sua escolha sexual. O mais intrigante é que esses fatos assumem essas proporções de escândalo puritano só em período eleitoral. Fora dessa época os políticos profissionais brigam para serem madrinhas e padrinhos dos famosos desfiles gays. Fazem questão de comparecerem e “apoiarem” as suas festas. Com esses ataques, tenho a impressão que a defesa adversária ficou fragilizada - o que é um perigo, especialmente durante a campanha eleitoral. Os ataques sofridos pelo patrocinador do convite são para intimidá-lo. Os artilheiros sabem da munição que este “passeio” rendeu.

Que doença terrível tem os portadores de preconceitos!

Gabriel Novis Neves
08/04/2010

segunda-feira, 12 de abril de 2010

MENTIRINHA

Terra agarrativa e linda de Gervásio Leite, das quadrinhas do Rubens de Mendonça, das marchinhas carnavalescas da Turma do Morro, do espírito bem humorado do seu povo acolhedor, das novidades lançadas em primeira mão no Bar do Bugre! Esta é a cidade em que nasci.

Aos poucos foi se modernizando, para pior, e hoje passou a ser a Cidade da Mentirinha. Como se mente atualmente na terra de Dom Aquino! Aquela inocente mentirinha de primeiro de abril, foi substituída pela mentira oficial - com direito a carimbo, rubrica e publicação na imprensa - que não exprime o pensamento do editor, pois são textos pagos. Como é triste e doloroso para aqueles que aqui nasceram, e tem o seu umbigo enterrado nos velhos quintais cuiabanos, conviver com esta realidade!

Diariamente o boletim oficial divulga a agenda da mentirinha. Um povo mal informado é pior do que um povo desinformado. O boletim de hoje divulga uma manchete que tinha tudo para ser auspiciosa, se falsa não fosse: “Está previsto para hoje, o lançamento do Programa de Ação Social para a área de Saúde”. A matéria anuncia a entrega de dois Hospitais: o metropolitano de Várzea Grande e o das Clínicas de Cuiabá. O primeiro é público e o segundo foi alugado pelo Estado. Faltou anunciarem, para completar o engodo, que o novo Hospital Universitário da estrada de Santo Antonio será entregue à população no final do mês, e que o velho Hospital Júlio Muller (HUJM) está funcionando a todo vapor. Vai ver que se esqueceram destes, senão, estariam na lista também.

Qual a necessidade mórbida de iludir a nossa população em um assunto tão sério? Basta o aborrecimento e constrangimento causado ao ex-governador, que em menos de vinte e quatro horas após deixar o Palácio Paiaguás, recebeu o certificado de incompetente na gestão da saúde e segurança pública - por enquanto. Sinceramente? Gostava mais da Cuiabá que entregava obras sem as indecentes e enormes placas. Cuiabá do povo confiante em seus homens públicos, e que morriam pobres. Das construções necessárias e visíveis e que hoje constituem o nosso patrimônio cultural. O Hospital Metropolitano de Várzea Grande não está equipado. Houve contato com o privado, e só. O HUJM está praticamente desativado. O da estrada de Santo Antonio, só após a Copa de 2014.

Cuiabá não merece este castigo! De Cidade Verde dos nossos poetas está se transformando em Cidade da Mentirinha - por obra e graça dos nossos plantonistas do poder.

Minha Cuiabá! Peço-lhe desculpas.

Gabriel Novis Neves
12/04/2010

Quebra de paradigmas

Era secretário de educação do governador Pedro Pedrossian, que quebrou vários paradigmas em sua administração, quando em minha sala de trabalho, hoje apelidada de gabinete, procurou-me uma jovem recém-formada. Para falar com o secretário do governador que quebrou paradigmas, construindo duas universidades, não era necessário marcar audiência. Bastava um pouquinho de paciência para ser atendido.

A jovem, que eu não conhecia, apresentou-se como uma cuiabana, pobre, recém formada na famosa Universidade Federal de Viçosa, e que precisava trabalhar. Não tinha carta de apresentação e nem padrinho político, apenas o seu currículo. Gostei da sinceridade e da firmeza das suas colocações, e prontamente dei uma olhada no documento. Ela era formada em Economia Doméstica. Fiquei um pouco embaraçado, pois hei de confessar, não conhecia este curso. Lembrei-me logo da minha mãe, uma verdadeira doutora nesse ramo - poderia por mérito e notável saber, ser até diretora de um curso desses. Mas minha mãe só possuía o curso primário, com uma sabedoria inata, própria daqueles que sabem sentir. Após este rápido devaneio solicitei à jovem que em rápidas palavras me dissesse como poderia ser aproveitada na minha secretaria. Ela respondeu convicta: “Quem se forma em Economia Doméstica, atua nas áreas de alimentação, higiene e saúde.” Pensei logo em aproveitá-la no nosso Restaurante Estudantil da Rua Barão de Melgaço, na educação, prevenção e promoção da saúde dos nossos escolares. Continuou a sua explicação dizendo que foi capacitada para atuar em hospitais, creches, escolas e empresas; na regulamentação das suas atividades rotineiras para o perfeito funcionamento do estabelecimento. Finalizou afirmando que o curso é superior, com duração média de quatro anos, e apesar de ótimo é pouco valorizado e conhecido. Fiquei convencido e satisfeito com as explanações. Mesmo sem saber sua religião, ideologia política, descendência familiar, e outros detalhes desse tipo - ao deixar a Secretaria a jovem levava com ela a cópia do seu contrato assinado, e orientada a começar no dia seguinte o seu trabalho. O seu perfil acadêmico e humano era o ideal para desempenhar funções no governo que quebrou paradigmas na administração de Mato Grosso.

Essa jovem desconhecida, pobre e sem pistolão só precisava de uma oportunidade - que lhe foi dada. Transformou-se em referência no ensino superior em nosso Estado, sem pistolão ou bilhetinhos de apresentação. Venceu por mérito pessoal.

Este fato aconteceu no século passado e era assim que se quebravam paradigmas.

Gabriel Novis Neves
23/03/2010

NADA A DECLARAR

Durante os governos militares tivemos um Ministro da Justiça que ficou famoso com um bordão que criou para responder a certas perguntas da imprensa: “nada a declarar.” Naquele período havia uma censura implacável - hoje é mais suave - e os “zunzunzuns” que corriam à boca miúda, atiçavam a mídia, ávidas de maiores esclarecimentos. Comentava-se, por exemplo: jornalista encontrado morto por enforcamento, em uma prisão. Seqüestro do Embaixador americano no Rio de Janeiro. Emboscada do Marighela em São Paulo. Bomba no Aeroporto de Recife. Roubo do cofre do Adhemar de Barros, no Rio de Janeiro.

Os repórteres dos jornais, rádio e televisão escolhidos e credenciados para entrevistar o Ministro da Justiça, ficavam, não raro, longo tempo esperando. E a espera se resultava frustrante, pois o Ministro, que era bombardeado com comprometedoras perguntas, a tudo repetia irritantemente: “nada a declarar.”

Passado mais de trinta anos daquelas cenas - que considerava pornográficas - começo a entender aquela estranha conduta militar. Nada a declarar é mais ético que mentir ou tentar justificar o injustificável. “O tempo cicatriza as feridas”, como gostava de dizer Fernando Corrêa da Costa. O comando do governo estadual e municipal está mudando. O que falar deste período da nossa história? O mais prudente, para não cometer injustiça, é adotar o velho bordão: nada a declarar e seguir o conselho de Fernando Corrêa para aguardar o julgamento cicatrizante do tempo.

Como opinar sem emoção do momento sobre dois mandatos recém-abandonados? Nada a declarar - por enquanto. A história e o tempo são os senhores do julgamento.

Gabriel Novis Neves
31/03/2010

sábado, 10 de abril de 2010

Gritos na madrugada

Dormia feito um anjo, quando acordo com gritos de socorro. Vou à janela para ver se percebo algum movimento de pessoas, carros da polícia, ou curiosos como eu, querendo saber o que acontecia. Os gritos desesperados eram femininos – uma jovem voz feminina. Os apelos verbais apavorantes pedindo socorro cortavam o silêncio da noite. Tive a impressão que eles vinham da rua. Naquele horário pensei logo em algum crime prestes a acontecer, e eu impotente para ajudar a vítima invisível. A emissão forte de voz era assustadora, e o ambiente no local, de uma irritante tranqüilidade. Deixei a emoção de lado e comecei a pensar para tentar dar outro significado aqueles gritos. Apurei o ouvido, e fragmentos de frases que chegaram até mim não me deixou dúvidas. Era mais um caso de drogas.

Moro no quadrilátero das drogas. Aqueles protestos sonoros eram expressões de alucinações químicas. A voz feminina parecia cobrar algum serviço prestado, e queria receber o dinheiro combinado. Precisava do dinheiro naquele momento, independente do escândalo que produzia, colocando em risco inclusive a sua integridade física. A moça sabia que não havia nenhuma possibilidade de uma prisão policial em flagrante, por ausência absoluta desse equipamento social. O silêncio do presumível devedor era impressionante. Talvez seja também mais uma vítima dessa tragédia humana: a droga. O dinheiro naquele instante era o santo remédio para a aquisição do alucinante da morte.

Passei minutos de grande angústia. Sei que este fato é rotineiro, mas escutar a grande tragédia das drogas não deixa de ser chocante. Então, de repente, no meio daquela inquietação feroz da vida dos drogados, volta a reinar o silêncio na noite. Mas, não consigo mais dormir. Passo a meditar, não como cidadão condoído com o sofrimento traduzido pelos gritos, mas como médico. A saúde pública não existe no Brasil. Por aqui a dengue continua matando. Os hospitais particulares estão superlotados. Pela madrugada cruzamos com ambulâncias, ônibus, vans e taxis trazendo pacientes de todo o estado para consultas simples e tratamentos orgânicos. Os dependentes químicos também são doentes que precisam de tratamento médico e não de desprezo ou tratamento policial. Estes pacientes ficam perambulando pelas ruas, encurtando o seu tempo de vida terrestre, tanto pela aquisição de doenças tipo a AIDS, quanto pela possibilidade de uma bala em razão de uma dívida não paga, ou na tentativa de um assalto para arrumar o dinheiro da droga. As estatísticas estão diariamente nos jornais. É uma triste realidade.

O dia começa a clarear. Deixo a janela do drama humano e inicio mais um dia de trabalho, com a sensação da nossa inutilidade.

Gabriel Novis Neves
20/03/2010

quinta-feira, 8 de abril de 2010

CRISTIANIZAR

Quando escrevi um artigo dizendo que não se faz política sem traição, muita gente levou para o terreno pessoal aquela afirmativa, o que não tem nada a ver. A matéria prima da política é, será e sempre foi a traição. Aqui no Brasil existe até um verbo, que não se traduz para nenhum outro idioma: cristianizar, que significa traição política. Não aquele cristianizar de tornar-se cristão – cristianização.

Este verbo surgiu em 1950, quando o candidato do governo a Presidência da República, pelo fortíssimo Partido Social Democrático (PSD) era um deputado federal mineiro, chamado de Cristiano Machado. A União Democrática Nacional (UDN) – “O preço da liberdade é a eterna vigilância”, apresentou como candidato o Brigadeiro Eduardo Gomes. As moças o recebiam cantando: “Brigadeiro, brigadeiro, brigadeiro; é bonito, é faceiro e é solteiro”. Outro nome importante no páreo era o ex-ditador Getúlio Dornelles Vargas, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). O pai dos pobres como era conhecido, representava a terceira via. Para Vargas ganhar do candidato do governo, dos grotões e das elites, só com o PSD votando nele. Foi o que aconteceu, daí o nome cristianizar.

Ouvi uma entrevista do nosso historiador, doutor Alfredo Menezes em que ele afirmava: “Na história de Mato Grosso, estas próximas eleições, serão as campeãs em traição política”. Concluo: o planejamento está pronto e sendo executado. As novas gerações irão presenciar o fenômeno da cristianização.

Gabriel Novis Neves
25/03/2.010

Vassoura de piaçava

Minha casa de infância era muito grande. Casa não, casarão, como se falava. Nos fundos da casa, havia um pátio cimentado, ao lado da cozinha, onde brincávamos e minha mãe estendia os varais para a secagem das roupas. A calçada, na frente da casa era também cimentada, onde eram colocadas as cadeiras de balanço após as 17h. Uma verdadeira sala de estar da nossa Cuiabá antiga – hoje praticamente impossível este hábito.

Uma vez por dia minha mãe varria o pátio e a calçada. Fui criado vendo minha mãe com a sua vassoura de piaçava na mão - vassoura feita com cerdas de piaçava natural retiradas das fibras de coqueiros. Somente este tipo de vassoura era capaz de varrer o chão duro de cimento. E ela não varria só não: jogava água, passava sabão, depois esfregava com a vassoura de piaçava, jogava água de novo, puxava com o rodo e deixava secar ao sol – o sol cuiabano era a melhor secadora existente. Com o aumento da família, e sendo eu o filho mais velho, assumi esta função de executivo da vassoura de piaçava. Todo mundo na velha Cuiabá morava em casa, e todos varriam as suas calçadas - verdadeiras salas de visita.

Na minha geração a vassoura piaçava fazia parte do kit de presentes de casamento – de tão importante que era esse acessório para aquela época. Hoje as coisas mudaram. Acho que a juventude de hoje nem conhece a boa, velha e útil vassoura de piaçava. A limpeza das calçadas e dos quintais das casas - quando os tem - recebem piso cerâmico, e a vassoura de piaçava perde a sua função.

Nas minhas caminhadas matinais vejo de tudo um pouco – como eu sempre falo. Um dia saio da minha rota habitual, e passo por uma rua onde algumas casas, ditas populares, resistiram à pressão das imobiliárias. Em frente a uma dessas casas, deparo-me com uma senhora de cabelos brancos, de cabeça baixa, varrendo a calçada. Claro! Com uma vassoura de piaçava. O que achei mais encantador naquela cena foi perceber a sua intimidade com aquele acessório. Ah, era assim mesmo que minha mãe fazia. Achei digno de registro tal cena, pois me lembrei de uma relíquia dos meus tempos de criança.

Aquela senhora limpava e limpava a sua calçada, do mesmo jeito que a minha mãe me ensinou a limpar a enorme calçada do casarão da Rua do Campo onde morávamos. Aproximo-me dela e a cumprimento, apesar da imensa concentração em que se encontrava exercendo aquela tarefa. Outra pessoa, com certeza, jamais iria importuná-la com um cumprimento. Como cuiabano conheço um pouquinho a alma da minha gente. Com convicção digo-lhe bom dia. Aquela senhora, que não despregou os olhos da calçada, responde-me com um “bom-dia doutor.”

Quanta recordação! Resgatei o ruído musical produzido pelas fibras da vassoura na calçada quase limpa, esperando o entardecer para abrigar as cadeiras de balanço e o gostoso papo cuiabano. Com toda essa riqueza cultural da nossa quase tricentenária cidade, fica difícil para eu abandoná-la por novos amores. Tão cheia de tradições! Uma cidade, que faz meu velho coração bater em ritmo desordenado, que estimula tanto as minhas supras renais a ponto de produzirem arrepios na cobertura da minha sofrida carcaça pelo som da vassoura piaçava, só pode ser uma cidade humanizada. Coisas do passado que não voltam mais? Sim. Ficou apenas na lembrança a beleza musical e o significado daquele simples gesto, de uma mulher varrendo com vassoura piaçava a sua calçada. Uma verdadeira amostra da qualidade de vida que perdemos.

Gabriel Novis Neves
08/04/2010

quarta-feira, 7 de abril de 2010

A PROPÓSITO

Fui informado que um parlamentar protocolou no Congresso Nacional, em regime de urgência urgentíssima, um projeto de lei instituindo 31 de Março como o Dia Nacional do Choro. Apoio essa importante iniciativa, pois o que assisti ontem pelos canais de televisão foi choro de norte a sul, leste a oeste deste país. Não entendi tanta choradeira para comemorar um simples ato administrativo, quando temos tantos motivos justos para chorar, e não choramos.

Como explicar ou entender a choradeira nacional? Fui aos livros populares, ricos da mais pura sabedoria. Procurei atualizar o sentimento do hoje centenário Noel Rosa: “Quando eu partir, não quero CHORO nem vela, quero a faixa azulada, gravada com o nome dela ( Poder)...” Seria a partida o “Adeus” do Silvino Neto? “Adeus, adeus, adeus, cinco letras que choram... Quem parte, tem os olhos rasos d’água... quem fica também fica chorando...”

O que dizer das lágrimas de crocodilo? Esta expressão popular é usada para dizer que alguém chora sem razão ou por fingimento. Surgiu de um fato real que acontece com os crocodilos. Quando o animal come uma presa, ele a engole sem mastigar. Para isso abre a mandíbula de tal forma que ela comprime a glândula lacrimal, localizada na base da órbita, o que faz com que os répteis lacrimejem.

Discuti com o cuidador do meu irmão sobre o choro nacional. Ele - homem rural e pouco habituado às vergonhas nacionais - em certa altura da conversa me saiu com esta:

- Doutor, bezerro quando é desmamado fora de tempo não chora, mas fica jururu, emagrece. Aí ele sai procurando uma vaca qualquer que lhe forneça o leite vital para a sua saúde e fica tudo bem. Vai ver que com os homens acontece a mesma coisa né?

- É, acho que você tem razão – eu respondi. Quando uma mãe nega o peito ao seu filhinho, com a justificativa de não querer “estragar” a sua anatomia mamária, acontece o mesmo que acontece com o bezerro.

- Claro doutor! – o rapaz exclamou. E completou: capim e mamadeira não substituem as tetas. Será que esse pessoal que está sendo desmamado fora do tempo, não tá chorando por falta das tetas do poder?

- Pode ser, pode ser, respondi. E porque os que entram também choram?

- Ora doutor, estômago vazio dói! As lágrimas devem ser de gratidão e satisfação - por usar a faixa. Essa colocada no peito de quem detém o poder, é parecida com a usada pelo Rei Momo. Nossa! Dá até chilique! A única faixa que não presta para nada é aquela amarelinha, que só serve para complicar a nossa vida no trânsito, e além do que, é mais um imposto. Acho que aprendi alguma coisa de choradeira, coisa pouco habitual lá na roça.

- E o que você ach.... – tentei falar, mas fui interrompido pelo empolgado rapaz.

- Doutor, o senhor viu aquela fileira de gente? Alguns chorando de alegria e outros de tristeza, hein? Pode me explicar isto?

- Não sei como te explicar – respondi. E não sabia mesmo. Mas acho que ele já tinha a resposta na ponta da língua e desabafa:

- Aquilo mais parece o cordão dos puxa-saco. Lembra-se daquela marchinha de carnaval do Roberto Martins e Frazão? A letra era mais ou menos esta: Lá vem o cordão dos puxa-saco, dando vivas aos seus maiorais, quem está na frente é passado para trás - e o cordão dos puxa-saco, cada vez aumenta mais. Mas se o”Doutor” cai do galho e vai pro chão, a turma logo evolui de opinião.


Vamos aguardar o próximo 31 de Março - para curtir mais um feriado.

Gabriel Novis Neves
01/04/2010

terça-feira, 6 de abril de 2010

Último lanche

Há quatro anos saímos de uma consulta médica no Rio de Janeiro. O diagnóstico da doença estava fechado, mas ninguém do grupo queria acreditar na sentença. Regininha então sugeriu que fizéssemos um lanche e escolheu o local. Lembro-me muito bem dos seus comentários sobre a beleza da casa, especialmente dos seus vitrais e dos enormes espelhos de cristal. Falou que quando menina freqüentava muito aquele local, sempre em companhia do seu avô quando este estava de férias no Brasil.

Na Confeitaria Colombo – o local escolhido – ela se comportou como uma turista que estava visitando pela primeira vez o local, ou de alguém que se despedia de uma imagem muito marcante em sua vida. Olhava atentamente todos os detalhes desta secular e grandiosa confeitaria. Chamou a atenção da sua filha e genro, sobre a enorme clarabóia em mosaicos coloridos importada da França, que permitia a entrada da luz do sol na casa, iluminando-a. Tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, esse local é um patrimônio da história do Brasil. Entretanto, para mim, esse local representa simplesmente o lugar do último lanche da Regina.

Relembrar o passado com tristeza não faz bem a saúde, afirmam alguns, mas como me esquecer deste dia, tão entrelaçado com as minhas mais caras lembranças da Regininha? Como não relembrar aos meus filhos, neto, netas, noras e genro o seu último desejo naquele dia? - Salada de folhas e verduras coloridas, refrigerante, e de sobremesa, a de sempre: folhado recheado de creme e bomba de chocolate. Simples assim, com a simplicidade que sempre marcou sua vida. Depois vinha o arrependimento pelo excesso de calorias – mas nada que uma boa semana de malhação não resolvesse.

A menina que nasceu na terra do tango, adotou o Rio de Janeiro como sua cidade, o bairro do Leme como seu refúgio e Cuiabá como a terra dos seus filhos e netos, hoje mora em outro lugar. Partiu para um mundo invisível aos nossos olhos. Partiu, mas nos deixou um precioso e rico patrimônio – uma família amorosa e unida, fruto da sua incansável dedicação e incondicional amor.

Tenho certeza de que, lá no seu mundo invisível, está tranqüila, feliz, em boa companhia, e se divertindo muito com o que anda acontecendo por aqui - saboreando o seu folhado de creme com bomba de chocolate.

Gabriel Novis Neves
06/04/2010

segunda-feira, 5 de abril de 2010

OITO DE ABRIL

Estamos chegando a mais um aniversário da nossa querida Cuiabá. Quase trezentona, sente orgulho dos seus filhos. Observo na minha Cuiabá um sentimento de tristeza, conseqüência das humilhações sofridas. Este ano com toda a certeza, as festas comemorativas do dia oito serão riquíssimas em caras novas - e também pelas não tão novas assim - jurando amores falsos. Os antigos inimigos da cidade também aparecerão, confiantes no milagre do esquecimento.

Cuiabá sempre foi a grande mamadeira deste estado. Esquálida, após salvar vidas e vidas perdidas, logo é abandonada. Por ser a capital, os seus poderosos inimigos estão sempre na espreita para prejudicá-la. Várias vezes, num passado não muito remoto, tentaram através de um golpe, transferir a sede do governo para o sul. A justiça não deixou. Sempre doadora, a nossa capital viu parte do seu território ser dividido para nutrir o desnutrido sul. Tentaram antes roubar a sede da Universidade Federal de Mato Grosso para o interior. Mais uma vez a lei fez justiça à Cuiabá.

Há pouco tempo um deputado estadual lá do norte, quis humilhar Cuiabá, levando a capital para umas terras da sua fazenda. A lei salvou Cuiabá, e hoje o predador da cidade verde veste a manta dos amantes dos votos da cidade. É constitucional o chefe do executivo ter residência oficial na cidade sede do governo. A lei é respeitada em todo o Brasil, menos em Cuiabá. Por quê? O que mais admiro na cidade onde nasci, cresci, fui obrigado a abandoná-la para estudar, e voltei para ajudar a carregar o piano do seu desenvolvimento, é a sua grandeza de princípios e intolerância total à mesquinhez.

Não se importe com isso não minha querida Cuiabá! Continue a ter orgulho dos seus filhos que a amam de verdade! Cuiabá da Matriz, do rio Cuiabá, do Coxipó, de São Benedito, dos pescadores, artesões, violeiros, da fala inconfundível - linda de morrer - das lavadeiras, do bolo de arroz, e principalmente da sua gente maravilhosa. Como presente Cuiabá não quer discursos sem alma, nem mensagens hipócritas e sim, união do seu povo contra os seus inimigos gratuitos.

Assim aguardo o oito de abril, com os olhos abertos, coração sangrando pelo desrespeito sofrido e a razão comandando as minhas emoções.

Gabriel Novis Neves
05/04/2010

domingo, 4 de abril de 2010

Pedro 10

É notório o descaso do governo com a nossa educação pública. O aluno não aprende e o professor não ensina - o que torna a tão sonhada nota 10 numa prova, ser um fato quase impossível. Submeter-se a uma avaliação é complicado nos tempos atuais. Na política então, é raridade uma pessoa passar incólume pelo crivo do julgamento público, e receber nota 10, com louvor na sua avaliação.

Por isso, foi com incontida alegria que pude assistir a uma dessas raridades acontecer. O pequeno (em altura) Pedro passou na difícil prova. Mais de quatrocentos julgadores, daqueles que não suportam o silêncio traidor, lhe deram nota 10 na sua dissertação de filiação partidária. Foram 30 minutos de aula magna, simples para quem sabe. As palavras deslizavam pela fala do Pedro, brotadas do fundo do seu coração, e logo caiam na corrente sanguínea da numerosa platéia.

Nestes tempos de alto desgaste da classe política, chama a atenção um homem de bem, com a segurança de um emprego vitalício e de boa remuneração, chutar o balde do poder, dos seus interesses pessoais, para servir a nossa gente. E o Pedro encurtou o caminho ao apresentar durante a avaliação as suas credenciais - levou o público que o escutava ao delírio. Estávamos naquele momento diante de um homem que não procurava encenar o politicamente correto. Seu compromisso era com as pessoas de bem, maioria no nosso Estado. Colocou-se ostensivamente ao lado dos pobres e esquecidos, que freqüentaram a escola pública e se transformaram no “X” da educação, não conseguindo vaga em uma Universidade pública. Deixou claro que não quer passar nas provas das eleições para ser representante de firmas ou grupos econômicos. Pedro quer continuar a ser o servidor público exemplar, agora no Senado Federal. Ambicioso, deseja ser Senador do Brasil, assim como foi Procurador da República do Brasil. Teve a coragem de afirmar que não vai asfaltar estradas ligando fazendas de amigos. A rodovia que liga o distrito da Guia a Rosário Oeste - sua cidade – há poucos dias inaugurada com grandes festas, já está deteriorada, cheia de buracos

O nosso povo está com sede de justiça social e homens corretos. Pedro nota 10, já está na estrada da esperança, de “taquissi”...

Gabriel Novis Neves
30/03/2010

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Tradição

A Malhação de Judas é uma das tradições mais caras à comunidade católica. Acontece no Sábado de Aleluia, véspera do Domingo de Páscoa, e simboliza a morte de Judas Iscariote. O cuiabano, povo tradicionalmente católico, ficou meio desapontado este ano. Os amantes da tradição da malhação tiveram alguma dificuldade para escolher um Judas para malhar. Não é que os mais fortes candidatos à malhação – falo dos políticos, aqueles nossos dirigentes - vazaram antes da hora? Difícil encontrar um substituto a altura assim de última hora. Fiquei até um pouco preocupado com o sucesso da festa por falta unicamente do seu maior protagonista. Mas encontraram. Sim, encontraram um Judas para malhar. Vão malhar o novo Secretário Estadual de Saúde.

Lendo os sites pela manhã fui surpreendido por esta notícia. Perguntei-me: O novo Secretário de Saúde? Este que mal entrou? Já é considerado Judas? Por quê? Ah! Esqueci de esclarecer que o juiz que condenou este recém-chegado “Judas” foi o porta-voz do partido do ex-governador. Então tá. Vamos ver o que ele fez de tão amaldiçoado, segundo o juiz: ele não quer assinar cheques sem saber a origem do serviço e, só por isso, já foi rotulado de traidor da administração passada, caluniador, destruidor de uma imagem de seriedade do governo que saiu; em dois dias de trabalho quer aparecer; deseja desgastar a imagem do ex-secretário para atingir o ex-governador, e por aí vai. Sentiram a traição? Nem eu.

Conheço bem o turco que querem malhar. Nunca foi funcionário público. Sempre foi um profissional liberal de sucesso. Rico, não precisa nem mais trabalhar. Acaba de sair do comando da maior cooperativa médica, com boa avaliação. É um dos raríssimos empresários que investe na deficitária área de saúde. Terminou de comprar o melhor hospital materno infantil do estado, e está ampliando-o, quando o próprio governo foge desse investimento, como o diabo foge da cruz.

Não acredito que o libanês da Rua 13 de junho, fundador do PSDB em Mato Grosso, irá suportar o rótulo de Judas – principalmente vindo de um partido político. Ele sabe que é do povo a primazia da escolha do “Judas”. Daí para chutar o balde, é só o tempo de espera para o balde encher.

O secretário freqüenta a Mesquita, cumpre fielmente o compromisso de orar cinco vezes ao dia com o rosto voltado para Meca. E não leva desaforos para casa. Arrumem com urgência outro Judas, porque este, definitivamente, não tem vocação.

Gabriel Novis Neves
02/04/2010

quinta-feira, 1 de abril de 2010

RELIGIÃO

Existem certos temas que evito discutir, de tão polêmicos que são. Um deles é a religião. Acredito na existência de um Deus, um Ser Absoluto, o Bem, segundo Platão, a Idéia Suprema. Mas não me atrai a idéia de entrar numa discussão a seu respeito. Isto não significa que não ouço os fiéis das mais variadas religiões, tanto as cristãs como as não cristãs. Assim como não significa que seja um completo leigo no assunto.

Este final de semana ao encerrar os trabalhos no consultório, a minha secretária entrega-me um convite para participar de um culto religioso no dia 30 de Março de 2.010 - data da morte de Cristo para esses religiosos. Acompanhava o convite uma pequena revista da Igreja dirigida aos iniciantes daquela fé. Os católicos também cultuam esta passagem da história do Cristianismo, mas em outro dia - este ano será no dia 2 de abril. As inúmeras religiões cristãs existentes no mundo têm o seu dia especial para lembrar este fato. Religião é fé e fé não se discute, pois é o caminho que as pessoas tentam encontrar em busca da felicidade, conforto ou cura para os seus males da alma.

Antes de dormir sempre passeio pelos canais de televisão esperando o sono chegar. Outro dia sintonizei num programa religioso. Não acreditei no que estava vendo e ouvindo! Fiquei tão estarrecido que até perdi o sono. O apresentador se auto-intitulava missionário da cura divina. O que mais me chamou a atenção foi a fé ingênua do povo presente, num claro exemplo da extrema miséria cultural em que vivemos. Tudo bem, eu até que acredito em certos milagres, afinal como já dizia aquele famoso poeta inglês – “há mais mistérios entre o Céu e a Terra do que sonha nossa vã filosofia.” Mas, assim? De supetão? Cura imediata? A pessoa entra paralítica e sai andando? Entra cego e sai enxergando? Como o nosso povo é bom, generoso, sofredor e crédulo! Sem educação e programas governamentais de promoção e solidariedade humana, não se pode nem condenar essas pessoas. Só resta a esta gente desamparada, a fé de resultados imediatos para os seus sofrimentos.

Mal sabem aquelas criaturas que estão sendo vítimas da ganância e extorsão dos chamados missionários por conta própria. Os proprietários da venda de ilusões das curas nem sempre moram no Brasil e vivem da exploração dos humildes. Não acredito que o meu Deus precise de tanta grana e tenha lobistas do nível que assistimos diariamente pela televisão. E as nossas zelosas autoridades não sabem de nada? Fé vendida em cada esquina não paga impostos, não é? O mais lamentável de tudo isso, é a omissão do nosso Conselho Federal de Medicina, tão preocupado com coisas menores, permitir o comércio da cura. Há anos os médicos do Brasil e os seus órgãos de classe lutam no Congresso Nacional, para regulamentar o ato médico. Defendem corretamente ser prerrogativa médica o diagnóstico das doenças e a orientação do tratamento dos enfermos. Qual o motivo de aceitarem sem resmungar, o ato médico e tratamento de milhões de brasileiros pela televisão, feitos por mãos ineptas e leigas?

Não discuto religião, também não sou um profundo conhecedor do assunto. Acredito em um Deus que não precisa de lobistas e nem cobra honorários para curar as doenças do corpo e da alma.

Gabriel Novis Neves
28/03/2010

Quem não te conhece...

“Quem não te conhece que te compre” é um ditado popular muito usado entre nós. Tem sua origem num conto espanhol e relata a história de um bondoso senhor que tinha um belo burro.

Diz a história que este senhor era uma pessoa que tinha ótima índole: inocente, simplório, generoso, caridoso e afável com todos. Bondoso ao extremo, não gostava de cansar o animal. Assim, acostumara-se a andar puxando-o pelo cabresto. Um dia um grupo de estudantes, na maior farra, o viram passar deste modo e decidiram roubar o burro. Enquanto alguns levavam o animal sem que o dono visse, o mais travesso dos estudantes ficou no lugar do burro, com a mão atada ao cabresto. Quando o proprietário do burro viu o rapaz, ficou pensando que o burro tinha se transformado em gente. O estudante mentiu que, no passado, tinha sido brigão, jogador, afeiçoado às mulheres e muito vadio. Por isso, seu pai o amaldiçoara dizendo: “És um asno, e em asno te deverias mudar.” Dito e feito. A maldição fez com que virasse um burro e, por quatro anos, vivera daquela forma. Agora, arrependido de seus pecados, tinha voltado ao normal. O velho espanhol ficou maravilhado com a história. Teve pena do estudante e não se importou com o dinheiro que estava perdendo sem o burro. Aconselhou-o a ir depressa se apresentar ao seu pai e reconciliar-se com ele. O estudante, com falsas lágrimas de gratidão nos olhos, foi embora. Tempos depois, passeando numa feira, ficou assombrado ao ver à venda um burro idêntico ao que tivera. Naturalmente, era o mesmo, mas, ingenuamente, o velho concluiu que o estudante tinha voltado à vida de travessuras e que o pai o amaldiçoara de novo. Aproximando-se do burro, falou-lhe ao ouvido: “Quem não te conhece, que te compre!”

Aqui em nosso Estado estamos cheios de políticos e candidatos a políticos fazendo o papel dos estudantes. Chegam de mansinho, e com suas artimanhas, mentiras e espertezas vão se transformando em salvadores da pátria. O povo na sua simplicidade de espírito e ingenuidade - tal qual o bondoso velhinho do conto – acreditava. Acreditava, porém, não acredita mais. Após anos de ilusão, cansado de tantas falsas promessas o povo percebeu o grande engodo.

Também, pudera! Não há como para passar despercebido o descaso das nossas autoridades. A saúde pública no Estado foi totalmente sucateada. A dengue continua matando, o número de transplantes de órgãos diminuiu. Não possuímos equipes especializadas para a retirada de órgãos, e os remédios que evitam a rejeição do órgão transplantado estão sempre em falta. O vergonhoso “espetáculo” dos hospitais fechando. Os hospitais regionais não funcionam e a sua manutenção é caríssima. Reboco terapia é o procedimento para atender o interior e desestruturar o frágil atendimento em Cuiabá e Várzea-Grande. Falta de medicamentos para os pobres. Morte da auto-estima dos trabalhadores da saúde. Propaganda enganosa de distribuição de migalhas para a rede pública de saúde. As desumanas filas para atendimento médico aos mais necessitados. Gente morrendo à espera de um simples atendimento. Equipamentos caríssimos abandonados pelo Estado. Isto só na área da saúde; temos ainda problemas gravíssimos na educação, saneamento básico, segurança.

Os mato-grossenses em breve irão à feira, digo as urnas, e na certa os “burros” não passarão pelo crivo dos eleitores. Ariscos, olharão enviesados e dirão: “Quem não te conhece que te compre”.

Gabriel Novis Neves
16/02/2010