quarta-feira, 28 de abril de 2010

DEMOLIÇÕES

A igrejinha colonial de pau-a-pique fundada em 1723 sofreu várias reformas e melhorias ao longo da sua história. Em 1739 foi reformada e ganhou paredes de taipa socada. Em 1745 ganhou uma torre. Tornou-se Catedral em 1826, e em 1929 foi construída mais uma torre. Foi demolida e reconstruída em 1968 – e foi inaugurada em 1973. Estou me referindo à Catedral Metropolitana Basílica do Senhor Bom Jesus de Cuiabá. Símbolo máximo, desde a sua fundação, da fé do cuiabano. Até hoje os antigos chamam de Matriz, a nossa Catedral do Senhor Bom Jesus de Cuiabá.

Imperioso, entretanto, dizer que de, todas as reformas sofridas, a demolição foi a que mais forte tocou no emocional de todos os cuiabanos. Com a demolição, muitos cuiabanos perderam o seu referencial de fé. Eu, por exemplo, não encontro mais a igreja em que fiz a minha primeira comunhão. Quero me lembrar das missas e sermões do Dom Aquino Corrêa e não as encontro na minha mente. O local onde Dona Zulmira Canavarros tocava o órgão, acompanhando a sua filha Maria cantar os hinos religiosos; o confessionário do Padre Sutera; as aulas de catecismo da Professora Oló; o pequeno campinho atrás da Catedral, onde muita pelada eu joguei com Augusto Mário Vieira; as rezas noturnas e as brasas do Turíbio, que pegávamos na casa da Dona Elza Nigro; as filhas de Maria e a Congregação de São Vicente de Paula – todas essas lembranças se perderam em meio à poeira da demolição.

Abro aqui um parêntese para relatar uma doidice de menino. No dia oito de maio de mil novecentos e quarenta e cinco, os sinos da Catedral foram tocados, sem autorização do Vigário Geral, por dois meninos de dez anos, para comemorar o final da segunda guerra mundial. Nome dos meninos? Carlos Eduardo Epaminondas e este escriba. O difícil não foi subir as torres, escondidos do Vigário e sim enfrentar a nuvem de morcegos que ali habitavam. Fecha parêntese.

As escadarias que os pracinhas subiram para receberem as bênçãos do Senhor Bom Jesus, antes de partirem para a Itália na luta pela paz, não existem mais. As missas de domingo pela manhã, também foram demolidas. No mesmo lugar existe uma nova igreja, sem história, produto de um passado traumático. Até alguns anos atrás, as igrejas de São Benedito e Nossa Senhora do Rosário estavam praticamente em ruínas, totalmente abandonadas. Com ajuda dos fiéis, devagarinho foram restauradas - para o nosso orgulho.

Era criança e jogava futebol no que chamávamos de campo, atrás do Palácio da Instrução, com Hermann Pimenta, Traçaia, Chonézinho e outros craques, quando alguém nos avisou que a igreja do Senhor dos Passos estava pegando fogo. Saí correndo para assistir ao primeiro incêndio da minha vida. As esculturas sagradas foram salvas e removidas para o Seminário do Bom Despacho. Sobraram da catástrofe algumas paredes e a casca arquitetônica frontal. Esses escombros foram revitalizados pelos fiéis. A igreja da Boa Morte estava condenada pelos engenheiros. Há muito não eram realizados naquele local sagrado, onde os meus três filhos foram batizados, qualquer ato religioso – a igreja estava fechada. Atualmente funciona lindamente no mesmo local. A igrejinha foi salva. A igreja do Bom Despacho, Nossa Senhora Auxiliadora e São Gonçalo passaram pelo mesmo processo e continuam sem traumas do passado. No Coxipó temos um triste caso de demolição da histórica igreja de Nossa Senhora da Guia, para o surgimento no mesmo local de uma modernosa arquitetura, nada a ver com a nossa história. Uma tristeza! A igreja do Cai-Cai foi ampliada, mas continua no mesmo local. Com o crescimento da cidade surgiram novas igrejas católicas. Nesta minha viagem aos templos religiosos, não me esqueci das igrejas não católicas. Existem muitas recém construídas, sendo que algumas religiões não destruíram a sua original e construíram outras enormes e moderníssimas em outros locais. Nunca destruindo para reconstruir. E o que dizer das centenas de igrejas não católicas, que transformaram cinemas, lojas, garagens, depósitos de mercadorias em confortáveis templos?

Em tempo: quando vejo a demolição dos nossos valores de vida e a construção de equívocos que não resistirão a uma chuva de manga, fico preocupado com o que deixaremos de legado para as próximas gerações. Histórias de demolições do meio ambiente, dos nossos valores éticos e morais, das nossas relíquias culturais e históricas. Só nos falta a bomba atômica, que está sendo providenciada.

Gabriel Novis Neves
17/04/2010

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