sábado, 17 de abril de 2010

PEDIÇÃO

Já falei anteriormente que não gosto de discutir religião, mas sou um homem de fé. Ontem participei de uma cerimônia religiosa na igreja no bairro do Porto. Entrei com fé, e saí em dúvida – acho que ela ficou por lá. O ato religioso demorou exatos oitenta e seis minutos, dos quais quinze foram gastos com a pedição.

Fé não deve e não pode ser misturada com propaganda e venda de mercadorias, e foi justamente isto que presenciei – chocado - naquela cerimônia. O líder religioso recomendou aos fiéis para, na saída do templo sagrado, dobrassem na última porta à esquerda. No pátio poderiam comer o melhor pastel do mundo, e ao mesmo tempo estariam ajudando as adolescentes da igreja em seu trabalho. Esclareceu também que na porta principal estariam à nossa disposição voluntárias da fé oferecendo mesas para duas festas que serão realizadas este mês, para repor os cinqüenta mil reais que foram doados pela igreja ao Haiti. Explicou com detalhes todo o mecanismo burocrático da doação, enquanto eu não conseguia tirar os olhos do Jesus crucificado. Fez propaganda do CD de uma banda religiosa que faz muito sucesso no momento. Do altar mostrou o CD e pediu aos fiéis que comprassem. Encerrou esta parte da cerimônia com um apelo: “vamos continuar a ajudar o Haiti. Abri outra conta bancária para novas doações destinadas aquele povo que sofre.”

Nada contra ajudar aos necessitados. Lembrei-me de um fato ocorrido há alguns anos: fui receber à noite um grupo de americanos no aeroporto de Várzea Grande. Nessa semana tinha chegado à lua o primeiro astronauta e colocado no piso lunar a bandeira americana. Até hoje nos lembramos das marcas das botas de Neil Alden Armstrong. Pois bem. Durante o percurso do aeroporto ao hotel, o grupo veio admirando o céu de Cuiabá - totalmente estrelado. Na despedida os americanos comentaram comigo: a lua é aqui. No dia seguinte na universidade resolveram derramar dólares na recém-nata Uniselva ou, para eles a universidade da lua. Foi assim que participamos do projeto MEC-BIRD. Os americanos eram auditores do Banco Interamericano de Desenvolvimento.

Saio do templo sagrado do porto. O meu carro está estacionado na rua. Perto do carro encontro um garoto, aparentemente drogado, pedindo dinheiro. Dei rapidamente as moedas que possuía nos bolsos, e me arranquei, dando graças a Deus de não ter sido assaltado ou coisa pior. Chego em casa e ligo a televisão. Assisto as notícias das catástrofes produzidas pelas chuvas no Rio de Janeiro e comentei com o meu irmão: o Haiti é aqui.

Gabriel Novis Neves
07/04/2010

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