domingo, 28 de fevereiro de 2010

Greta Garbo

Em 1973 assisti no Teatro Santa Rosa no Rio de Janeiro a peça “Greta Garbo, Quem Diria, Acabou no Irajá”. A peça de Fernando Mello, em estilo realista, faz um relato da solidão humana na metrópole. Narra o sonho de um viciado que sonhava em ser Greta Garbo.

Lendo os jornais locais descubro que ainda existe o concurso de Miss Brasil. Este concurso começou a ser realizado em 1954, na boate do Palácio Quitandinha em Petrópolis. Só perdia em importância para a Copa do Mundo. Depois passou a ser realizado no Maracanãzinho sábado à noite - totalmente lotado com personalidades da sociedade carioca e do povão. O restante da população ficava em casa assistindo e torcendo pela televisão ou rádio. O Rio de Janeiro parava, aliás, o Brasil inteiro. Só se falava do concurso e se discutia sobre as favoritas. Na década de 60, o Brasil conquistaria suas duas únicas vitórias no Miss Universo - com Ieda Maria Vargas em 1963 e Marta Vasconcelos 1968.

Com a mudança da capital para Brasília, o concurso começou a morrer. Segundo Heitor Ferreira, secretário do Presidente Geisel, este “se recusou a receber as candidatas a Miss Brasil (1974)”, no Palácio Alvorada. As candidatas para competir deveriam ser brasileiras natas, e era obrigatório o seu nascimento nos estados que representavam no concurso nacional. Márcia Gabriela era carioca, foi eleita Miss Brasil representando Mato Grosso. Foi aplicado o famoso jeitinho! Mas a eterna Miss Brasil é a baiana Marta Rocha, que perdeu o título mundial por causa de duas polegadas, em 1954.

Hoje em dia a seleção das candidatas ao Miss Brasil é realizado em cidades do interior do estado, e o concurso passa quase despercebido. Os jovens de hoje não estão nem aí para este evento, ou nem chegam a tomar conhecimento que existe. Eles acham uma aberração escolher a mais bela brasileira com os critérios de escolha de animais em exposição agro-pecuária. Estão certos eles? Talvez. Apenas relembro este evento para dizer a eles que até Greta Garbo pode acabar no Irajá. O que hoje é paixão, amanhã pode ser indiferença.

Gabriel Novis Neves
27/02/2010

PROFESSOR DITÃO

Simpático, bem humorado, respeitado, culto e admirado por todos. Chamam-no “Professor Ditão”. Assim é conhecido aqui em sua cidade o professor Benedito de Figueiredo. É um sábio o professor Ditão! Viveu e vive como um verdadeiro apóstolo da educação!

Várias gerações de cuiabanos tiveram o privilégio de conviver com o professor da Rua Nova - que conheci ainda criança. Sempre disciplinado e rígido nos seus compromissos, encantava a todos com os seus conhecimentos e simplicidade. É um erudito da língua portuguesa e do latim. Fico até temeroso em não achar palavras capazes de retratar as excelências necessárias para me dirigir a tão alta personagem. Mas, vou atrever-me a fazê-lo, ou pelo menos, tentar.

Emocionado e honrado recebo o convite para as festas do seu centenário de vida. Minha convivência com o Professor Ditão foi marcada por momentos que considero como, inesquecíveis, alegres e de grande aprendizado. Vivemos muitas histórias - tanto social, quanto fraternal e profissionalmente. Alguns dos seus netos nasceram em minhas mãos. Família aumentando é sempre uma benção. Quando ele transformou a Chácara do Coxipó no Bairro Jardim Califórnia, queria que eu construísse a minha casa lá, e escolheu dois lotes de terrenos em pontos privilegiados que comprei. Ah, Professor Ditão, até com o nosso conforto ele se preocupava!

A nossa convivência acadêmica foi longa e profícua – de 1968 a 1982. Tudo começou no Instituto de Ciências e Letras de Cuiabá (ICLC), e continuou na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Recebi de Deus a graça de ser o Reitor do meu ídolo e sábio! O sábio é diferente do medíocre, que precisa de títulos para provar que não é qualquer um.

Para não ser traído pela memória, tão comum na minha idade, e não cometer equívocos fui à pesquisa: consultei o Google sobre a nossa UFMT - o nosso querido Reitor Benedito Pedro Dorilêo. Professor Ditão é um auto didata. Não possui nenhum curso superior. Possui o título de bacharel do antigo Liceu Cuyabano. Sempre lecionou português e latim - disciplinas que domina como poucos. Pertencia, como docente na UFMT, ao Departamento de Letras. Por ocasião do reconhecimento do curso pelo Conselho Federal de Educação (CFE), preocupei-me com a morosidade no andamento do processo. Solicitei então uma audiência com o Presidente do CFE, onde recebi um verdadeiro, porém fraterno, sermão: “Como é que o senhor pede o reconhecimento de um curso superior, e encaminha entre os seus docentes, professores que não possuem graduação em curso universitário? O seu curso dessa forma poderá não ser reconhecido pelo CFE, e a sua situação como reitor ficará bastante abalada.” Ouvi tudo em silêncio – já esperava este tipo de reação. Perguntei ao Presidente do CFE se ele já tinha tido a grata oportunidade de trabalhar com sábios. Pelo seu ar intrigado, percebi que não. Fiz então uma rápida biografia do Professor Ditão. O Curso de Letras foi aprovado pelo relator e por unanimidade pelo plenário do CFE. O currículo do Professor Ditão aprovado pelo CFE - como Professor de Notório Saber. Aposentou-se na UFMT na década se 80, como Professor Fundador Adjunto.

Obrigado Professor Ditão, por ser um exemplo vivo de humildade, grandiosidade e competência!

Gabriel Novis Neves
28/02/2010

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Lencinho de papel

Minha mulher me ensinou a levar uma pequena toalha de rosto para a academia de ginástica - lugar onde os exercícios físicos são intensos e o resultado são as “lágrimas” das glândulas sudoríparas. A toalhinha salvadora me ajuda a enxugar esta chuva, principalmente no meu rosto.

Já faz parte do meu kit de academia, a toalhinha de rosto e o boné. Pratico os exercícios, geralmente reclamando, pois são dolorosos, com a ilusão de prolongar dias saudáveis na minha vida.

Lá, tenho uma colega que usa um pequeno lencinho branco de papel, cuidadosamente preso na sua blusa de ginástica, na altura da região clavicular esquerda. Jamais indaguei da minha amiga sobre a utilidade de tão frágil lencinho em um exercício que produz suor abundante. Também jamais a vi utilizando-o, a não ser no final da sua aula, em um delicado encontro do lencinho com a sua testa.

Outro fato que observei e que deve ter uma razão –, nunca este lencinho despencou-se das alças da sua blusa. Pelo misticismo da minha colega, apaixonada pela certeza de um mundo que só ela acredita existir, não seria o lencinho branco um talismã?

Nada acontece por acaso, e as nossas atitudes tem muita relação com o nosso nível de desenvolvimento espiritual e material. Seria o lencinho de papel, um protetor contra os pecadores que jamais se preocupam com seu futuro espiritual? No mínimo é intrigante o uso de tão pequeno e ineficiente lencinho em uma academia de ginástica.

Ah! Ia me esquecendo, após a ginástica o que é feito do lencinho?

Gabriel Novis Neves
05 de Novembro de 2009

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

COPA DA ÁFRICA

Logo que Cuiabá foi escolhida como uma das subsedes da Copa de 2014, uma enorme comitiva oficial foi à África do Sul. Segundo o Informativo do Governo cerca de trinta e seis pessoas integravam a comitiva - todas com funções bem definidas. O objetivo principal era aprender com os africanos as técnicas de segurança de massa. Vários militares da comitiva voltaram impressionados com tudo que viram, e classificaram a viagem como oportuna, necessária e imprescindível. As organizações por eles visitadas e estudadas exaustivamente marcariam um divisor no torneio internacional: antes e depois da Copa da África. Aqui na terrinha alguns pessimistas questionavam essa extravagante viagem – “porque não visitar a Alemanha? O último evento realizado por lá foi impecável.” Os palpiteiros locais foram classificados de “desmancha prazer”.

Recentemente o técnico da seleção brasileira, com a sua habitual sinceridade, declarou que a Copa de 2010 – na África do Sul - passará à história como a Copa do Fiasco. Faltam apenas quatro meses para o seu início e a FIFA colocou à venda 450 mil ingressos. Até agora apenas 250 mil foram vendidos. Há ingressos sobrando para todos os jogos, inclusive para o da decisão. (Na Alemanha, a um ano da realização da Copa, não havia mais ingressos para vender.) E sabem qual o principal motivo para esse desinteresse? A absoluta falta de segurança pública! A África do Sul e as suas cidades sedes possuem índices de violência semelhantes aos do Brasil. A rede hoteleira é extremamente deficiente para o grande evento. Não existe transporte coletivo, nem para a demanda normal. Os preços da estadia e alimentação são proibitivos para o torcedor de futebol. E existem ainda 200 mil ingressos a serem vendidos!

O nosso técnico pode não ser simpático, mas conhece o mundo e os subterrâneos do futebol. Já decretou o vexame da próxima Copa na África pela precariedade da sua organização – aquela que tanto encantou a nossa delegação! O gaúcho de cabelo arrepiado declarou que, entre outras coisas, a falta de segurança irá prejudicar a Copa no Brasil. Alertou também que algumas cidades brasileiras que foram escolhidas por critérios políticos, no momento não têm a menor possibilidade de abrigar uma competição desse porte. Não quis dar o nome das cidades – lógico, ele não é bobo nem nada! Nem precisava né? Todos sabem quais são...

Essas, e outras advertências, me deixaram com a pulga, mais ainda, atrás da orelha. Essas informações, advertências, ou como vocês desejarem chamar, só pode ter um endereço certo: com a palavra então, a quem de direito.

Gabriel Novis Neves
20/02/2010

Marcar consulta médica

Dizem que o brasileiro mata um leão por dia para sobreviver. Atualmente, porém, mata de hora em hora. Sou um dos sobreviventes do Brasil romântico, ético, e da Cuiabá das cadeiras de balanço nas calçadas. Sou do tempo dos brinquedos infantis não industrializados e dos políticos que morriam pobres. Sou do tempo em que todo médico visitava e medicava os seus pacientes em casa. Na época do parto, mudava-se para a casa da parturiente. Fui “enfermeiro” do meu avô, especialista na clínica dos três “P”: parente, pobre e padre.

Acompanhei a chegada dos tempos modernos, e de certa forma, fui um ativista nessa transformação. Na área da saúde estive na sala de parto por ocasião do nascimento dos seus cursos, especialmente dos dois de medicina. Tenho sistematicamente combatido a desigualdade social com a preconceituosa divisão dos cidadãos, em seres de 1ª e 2ª classes. Infelizmente essa classificação existe em todos os segmentos da nossa sociedade, inclusive na saúde.

A Medicina, com exceções para confirmar a regra, tornou-se uma profissão desumanizada. Os médicos mais jovens são vítimas desse perverso modelo econômico, que não valoriza a vida e sofrem com o sofrimento dos seus pacientes. Grande parte da nossa população depende do desumano SUS. Uma pequena parcela possui algum tipo de plano de saúde - que atualmente não tem muita diferença do SUS. A minoria das minorias consegue chegar às ilhas de excelência no atendimento médico. Quem chega lá geralmente são os funcionários graduados do poder público, em todo o seu conjunto: executivo, legislativo e judiciário. As despesas são pagas pela mãe pátria, pois já escutei dizer que eles não são “qualquer um”. Alguns milionários também freqüentam essas ilhas.

Considero-me um privilegiado, embora não seja nem político, tampouco milionário. Os meus médicos hoje, ou foram meus alunos, ou colegas universitários. Por ocasião das minhas consultas rotineiras faço como todo cidadão de 1ª classe, que é aquele que possui plano de saúde. Telefono para o consultório do colega, falo com a secretária e peço para agendar um horário para mim. Aviso que já sou cliente, para não cair na malha da primeira consulta. Muitos colegas não atendem mais pacientes novos de planos de saúde, salvo os que se mudaram para as ilhas de atendimento médico de excelência. A secretária que me atendeu recentemente me informa que horário para consulta só na última semana de abril. Indago espantado: “você sabe que dia é hoje?” Ela calmamente respondeu que sim. Aí, não resistindo a uma brincadeira, falei: “daqui a pouco chegarei aí com a polícia e você será algemada juntamente com o responsável pela orientação.” Do outro lado da linha escuto: “Uh!” E antes que ela pudesse expressar mais claramente o seu medo eu caio na gargalhada. Ela então sorri – meio aliviada – e na maior naturalidade marca a consulta para o dia seguinte.

O tratamento médico que recebo dos colegas é de carinho para com o seu decano. Marcar uma consulta médica por um plano de saúde é uma aventura. E os nossos irmãos do SUS? Lá não vou, pois não tenho mais tempo de vida para esperar por uma consulta para, talvez, após a Copa de 2014. Se para marcar uma simples consulta médica é matar um leão, adeus ao humanitarismo!

Gabriel Novis Neves
18/02/2019
* Publicado simultaneamente no www.gnn-cultura.blogspot.com

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

"REPRISE"

Há seis meses uma neta, das cinco que tenho, fez uma pequena cirurgia. Naquela ocasião, de dentro do centro cirúrgico, escrevi um artigo: “A minha neta decidiu”. Todas as outras netas leram, e, no linguajar delas, “amaram”. A cena agora se repete. Outra neta, agora também operada, me pediu um mimo: queria um artigo escrito por mim. Contrariar essas criaturas adoráveis? Jamais!

O hospital é o mesmo, assim como a equipe cirúrgica e o tipo de cirurgia. O avô é igualmente o acompanhante. O silêncio no centro cirúrgico é total. O único som audível a um ouvido saudável é o tic-tac do monitor anestésico. A paciente está tranqüila, mesmo porque partiu da iniciativa dela a tal cirurgia. O cirurgião marca com uma caneta de tinta azul e régua, as linhas para incisão e os pontos estratégicos para o encaixe do enxerto. A enfermeira consegue pegar na primeira picada a veia necessária, evitando a síndrome da “veia bailarina” que atormentou Zuenir Ventura. A anestesista toma as últimas providências antes de injetar o líquido branco do sono gostoso, com a ajuda de um moderno equipamento que mais parece de nave espacial. Registra todos os sinais vitais da paciente durante a cirurgia. A anestesia, terror dos antigos, é o mais seguro procedimento médico no centro cirúrgico. Único perigo neste recinto tranqüilo e relaxante são as mãos do cirurgião. A paciente continua calma. O avô, em um canto da sala cirúrgica, e que a tudo observava, passava para ela segurança, apoio e solidariedade. Não basta ser avô – “tem que participar”.

Inicia-se a cirurgia tão desejada! Com ela dormindo e os médicos trabalhando, fico a pensar e a cismar. Como a atual noção de beleza produz malefícios à população! Qual a real necessidade dessa cirurgia? A sabedoria popular diz que o volume ideal das mamas é aquela que cabe na palma de uma mão. E olha... tem que ter mão grande para abrigar as futuras mamas da minha neta! Penso também nas filas para cirurgias importantes, do ponto de vista da preservação da saúde, do SUS, que não andam, aumentam. Porque escolhemos viver este modelo social tão massacrante? Mesmo aquelas pacientes da fila parada do SUS - com bexiga caindo - facilmente trocariam a sua necessidade de saúde por uma cirurgia de lipo-escultura. Existe uma inversão total de valores na nossa sociedade a procura da beleza ideal. “A brancura da pele do rosto no Japão indica que a mulher ocupa posição social privilegiada. Na Alemanha, a beleza está mais associada ao humor e à vitalidade. As francesas gostam de experimentar produtos de maquiagem. As suíças não dão valor ao corpo, que, por causa do frio, acaba pouco exposto. A brasileira procura juventude e pele bronzeada, inclusive o rosto e quer ficar com a “marca do biquíni”. Estas observações são do alemão Thomas-Bernd Quass, presidente do creme da latinha azul que no ano que vem completa cem anos. Continuando a filosofar: querem nos fazer crer que o padrão de beleza da mulher brasileira é a pele do corpo tostada, barriga de tanquinho, peitão das americanas e bundão das africanas.

A cirurgia terminou e o sucesso foi o esperado – total. A minha neta acorda feliz e me pergunta ainda obnubilada: “você gostou?” Beijando-a na testa, respondo: “Você está linda!” E pensei: “Quem pariu Matheus que o embale”.

Gabriel Novis Neves
11/02/2010

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Sofrimento humano

Uma antiga cliente, após longos anos, reaparece em meu local de trabalho. Amiga dos tempos da juventude. Presenciei o seu casamento e o nascimento dos filhos. Mas, apesar dessa longa convivência, não a reconheci. Foi somente quando falou seu nome que eu, entre espantado e chocado, me lembrei da companheira.

As dificuldades enfrentadas por ela foram tantas, que os sinais do sofrimento deixaram marcas profundas, tanto em seu físico quanto em sua alma. Estava irreconhecível!

Pertencia à classe endinheirada da velha aristocracia rural. Família de muito dinheiro! Mas, como dizia meu velho pai, “dinheiro não aguenta desaforo. Vai embora.” Foi o que aconteceu à família da minha amiga.

No transcorrer da nossa conversa, pude sentir que as dores da sua alma, aparentemente cicatrizadas, ainda sangravam em alguns pontos. Aí pensei na impotência do homem e da ciência que, do alto de toda sua tecnologia, jamais conseguiram captar imagens ou mensurar as dores da alma.

Mas o seu corpo apresenta sinais visíveis de sofrimento crônico. Uma doença peri-dental, severa e sem tratamento, roubou-lhe todos os seus dentes. Não se adaptou ao uso da prótese, que os pobres chamam de chapa e não possui recursos financeiros para implante. Continuou por mais alguns instantes a me fazer um retrospecto da sua vida. Mesmo veterano como médico do corpo e da alma, sucumbi diante de tanto sofrimento. Ficamos de nos encontrar outro dia. Da despedida me ficou o gosto amargo do sofrimento.

O sofrimento humano para mim é um sentimento contagiante. Sinto profundamente as dores do meu próximo, do meu jeito, sem demonstrar. Sei que a vida é assim – cheia de altos e baixos - e que não tenho poder nenhum de mudá-la. Tento evitar o sofrimento do próximo e não costumo socializar os meus.

Sou um covarde, fraco ou imbecil com prazo de validade vencido para lutar por um mundo melhor no sentido das igualdades sociais? Será esta uma luta inglória? Não me agrada nem um pouquinho este mundo que exige sempre um maior e outro ainda melhor. Não nos contentamos mais, nem com o segundo lugar: ou é o primeiro e melhor do mundo, ou tudo é miséria e sofrimento. A psiquiatria explica este tipo de comportamento. A dose de hoje, da vida como ela é, foi quase letal para mim e deixou-me catatônico. Nem para imitar o beija-flor me sinto com forças - que para salvar a floresta amazônica do incêndio causado pelos homens do progresso, carrega o dia todo gotículas de água em seu pequeno bico, para apagar o fogo criminoso.

Gabriel Novis Neves
12/02 2010

domingo, 21 de fevereiro de 2010

PARA QUE SERVE O SUS?

Prometi em recente artigo que não falaria mais sobre a saúde. Entretanto, por força das circunstâncias, sou obrigado a rever este compromisso, e não sinto nenhum constrangimento em dizer que estou voltando ao tema. Revi minha posição e acho que, neste caso, o silêncio seria sinal de desumanidade e covardia para com os que sofrem.

Toda imprensa de Cuiabá divulgou a notícia do nascimento de gêmeas siamesas no único hospital público da cidade e que só atende pacientes do SUS. As gêmeas necessitam com urgência serem removidas para São Paulo ou outros Centros Médicos, para procedimentos cirúrgicos que ainda não se realizam aqui. Essa cirurgia é necessária para tentar a sobrevivência das duas recém nascidas. O SUS, que na opinião do nosso Presidente, está quase atingindo a perfeição, e tem como fundamento básico a escalada do paciente do posto de saúde até o hospital de alta complexidade, ainda não conseguiu transferir essas irmãs siamesas. As papeladas exigidas para ganhar tempo já estão prontas. Aguarda o parecer técnico e autorização da Central de Regulação de Sistema Único (SUS), para a viagem. O especialista que fará o laudo pediu 08 (oito) dias úteis para elaborar o documento.

Não posso me calar! O Presidente e todos os seus auxiliares, num efeito cascata nos Estados e outros Poderes, são imediatamente transferidos para o Hospital Sírio Libanês ou Albert Einstein em São Paulo, ao menor sinal de tontura. Todas as despesas são pagas pela “mamãe pátria”. Aquele avião grande, francês, de quinze em quinze dias vai à Porto Alegre para transportar uma dermatologista famosa até Brasília, para atendimento em pessoa especial. O Presidente sugeriu ao Obama que copie o modelo do SUS. O doutor de Harvard gritou: “Este é o cara!”

Por aqui as coisas não são diferentes. Qualquer dono de hospital privado sem convênio com o SUS, é bombardeado de todos os lados para internar crianças com simples pneumonia. São filhos de cabos eleitorais. E o pagamento? É feito por tabela especial, que nesses casos é religiosamente pago. Se for uma internação pela Central de Regulação do SUS, o pagamento do procedimento efetuado é complicado. Uma verdadeira epopéia para se receber os honorários! Será que essas irmãs siamesas não possuem parentes e seus pais não votam? Será que o Governo não se comove com a situação dessas meninas, só pelo fato de não saberem ainda ler cartas de carinhos dizendo que o homem é bom?

A família das meninas é pobre, e está abandonada pelos que detém o poder de oferecer auxílio imediato: protelam, protelam e protelam. A família então está pedindo ajuda à população para que as gêmeas viajem, e cheguem a um centro médico especializado a tempo. Suas possibilidades de sucesso dependem da rapidez da intervenção – e o governo protela!?!

Expliquem-me, por favor! Para que serve o SUS? O Presidente e as autoridades nunca na história deste país utilizaram-se dos seus serviços. E os pobres que dependem do SUS, são condenados à morte. O governo lança o programa “Passageiro Especial”, com festas, semiferiado e com a presença do adorador de crianças - aquele que escreve cartinhas às crianças. Essas irmãs por acaso não são passageiras especiais?

Gabriel Novis Neves
20/02/2010

Carnaval de família

Sou um pacato e idoso cidadão. No período das festas de Momo, não saí de casa. Também não escutei nenhum ressoar de tamborim. Foram quatro dias de total paz, e não de solidão. Escrevi, meditei, conversei com amigos e aproveitei para colocar minha leitura em dia. Que felicidade! “A felicidade se faz, não se acha”, como dizia Hardy. Só saí para caminhar e comprar pão na padaria. Na segunda-feira à noite fui ao aeroporto receber meu irmão que mora comigo. Deixei o tempo correr solto. O relógio foi um apetrecho que nem olhei – detesto aqueles ponteirinhos andando nos impondo seus horários. Televisão então... nem cheguei perto, nem mesmo para conferir os novos modelos de silicone e os famosos desfilando na Sapucaí – com certeza em certas rodas vou estar bem desatualizado!

Mas, nem tudo nesta vida é perfeito. As manchetes estampadas nos nossos jornais locais me deixaram um pouco preocupado. Mesmo neste período de festas os jornais nos trouxeram notícias que nada tinham de carnaval: enchentes do rio Cuiabá, riachos e córregos com centenas de vítimas abandonadas à própria sorte. Para complicar a situação o nosso Corpo de Bombeiros não tem equipamentos para essas emergências e os nossos governantes estavam, e continuam de férias. Outra manchete do carnaval que muito me preocupou, foi a notícia da falência dos hospitais filantrópicos.

Acabada a folia, e para não assistir a terrível repetição do ‘’Bloco do Bacalhau do Batata’’ em Olinda, ligo a minha televisão no canal pago - na noite de cinzas - para ver o Botafogo desfilar no Maracanã. Logo o meu Bota mandou para casa, sem dó nem piedade - os jogadores que desfilaram na Sapucaí. Depois desse alento consegui recuperar um pouquinho a minha felicidade, e dormi tranqüilo. Acabou o carnaval – agora vamos ver se ano começa.

Ah, ia me esquecendo! Vou transcrever para vocês uma pequena parte das notícias que li sobre o período carnavalesco - informações oficiais com relação ao número de ocorrências policiais. SOMENTE 2.130 (duas mil cento e trinta) ocorrências foram anotadas. Leiam algumas:
- SÓ 10 (dez) foram relativas a homicídios.
- SÓ 81 (oitenta e um) apreensões de armas brancas.
- SÓ 36 (trinta e seis) apreensões de armas de fogo.
- SÓ 302 (trezentos e dois) pessoas presas em flagrante delito.
-SÓ 272 (duzentos e setenta e dois) acidentes automobilísticos.

Agora, a pérola final. Na conclusão deste excelente quadro demonstrativo da nossa segurança, leio o seguinte: “em razão da sensação que a sociedade vem experimentando, este ano foi o Carnaval da Família”. Carnaval da Família? Cruz credo!!! Quero mais é ficar em ficar em casa.

Gabriel Novis Neves
19/02/2010

sábado, 20 de fevereiro de 2010

EU NÃO SOU TORCEDOR

Quando opino nos meus artigos, não extravaso a paixão de torcedor por clubes ou jogadores. Passo para o papel o que vejo e ouço. Times só têm o Botafogo no qual não vejo defeitos. Após aqueles 6 x 0 do Vasco, justifiquei aos meus adversários, que tudo não passava de uma armação dos jogadores, para devolver o técnico do Barueri e trazer o poliglota Joel Santana. Eliminamos o super-mascarado ex-timão Flamengo.

Hoje o percurso da minha caminhada diária e matinal estava limpo - com alguns pinguinhos de falta de educação do seleto público que por lá transita. Mas, tudo bem, estava limpo. Porque então não comentar? Já me queixei muito da imundície, agora que vejo tudo limpo me calo? Não sou torcedor de partido político e muito menos dos transitórios ocupantes do poder.

Esse hábito de torcedor que conquistamos e prezamos com muito zelo, vem desde o Brasil colônia e perdura até os nossos dias. Fomos descobertos “oficialmente” em 1500 pelos portugueses. Mas estas terras já eram habitadas e tinham os seus donos. A primeira providência do invasor europeu foi tentar escravizar os índios. Barbaridades foram cometidas contra eles, mas não se deixaram escravizar. Na falta de mão de obra foram à África e trouxeram os negros, que aqui foram comercializados e ganharam proprietários, quer dizer, foram escravizados. Em 13 de maio 1888, foi decretado oficialmente o fim da escravidão. Também é bom relembrar duas datas históricas apenas de validade oficial: a Independência do Brasil em 1822 e a Proclamação da República em 1889. Tudo de validade apenas no diário oficial.

Apesar dos esforços dos nossos jesuítas, continuamos a tomar terras dos nossos índios, a escravidão continua mais intensa do que antes do ato da princesa Isabel - o Brasil só será independente se investir em ciência, tecnologia e educação. Os princípios republicanos há muito foram para cucuia.

Como somos iludidos por artimanhas usadas pelos inescrupulosos! Estamos começando o ano letivo, a cidade está inundada por cartazes anunciando cursos de pós-graduação. Com o mínimo de informação, qualquer cidadão com graduação sabe o que é pós-graduação. Esses cartazes mentem no sentido criminoso de enganar, iludir e tomar dinheiro dos inocentes. À vezes usam até siglas estrangeiras como o MBA. Aqui, esses cursos funcionam com uma carga horária fantasia e geralmente só em finais de semana. Nos Estados Unidos os alunos de MBA ficam em tempo integral na universidade. Aqui a maioria dos cursos funciona de forma clandestina, e fornece certificados caríssimos que em nada contribuirá para a melhora do futuro do aluno. Como é difícil mudar a cultura de um povo! São necessários séculos, e às vezes nem assim se consegue!

Após ter lido o depoimento de uma autoridade de nosso Estado, em que dizia que certas coisas em períodos não eleitorais são normais e no período pré-eleitoral são crimes, vejo que cada vez mais, nos aproximarmos do Brasil de Pedro Álvares Cabral.

Gabriel Novis Neves

17/02/2010

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Nem falo mais

Esperava encontrar nas primeiras páginas dos jornais, manchetes sobre a maior expressão da arte popular brasileira que é o carnaval. Para a minha decepção, o assunto é nosso velho conhecido: a saúde pública, melhor dizendo, o caos na saúde pública. Desta vez as vítimas são os hospitais filantrópicos de Mato Grosso, que sofrem a maior crise financeira da sua história. Mais uma conquista para o livro dos recordes. Os hospitais filantrópicos, que ainda não fecharam as suas portas, estão com os seus dias contados.

A incompetência da gestão estadual e a posição ridícula do Ministério da Saúde - com as suas tabelas de pagamento de procedimentos médicos hospitalares - contribuem decisivamente para a falência da saúde no Estado, e principalmente, na mãe Cuiabá. Sem investimentos do governo na saúde, e o inexplicável silêncio das nossas autoridades maiores, o prognóstico é o pior possível para os pobres. Os ricos e os funcionários públicos do primeiro escalão jamais enfrentaram uma fila do SUS, muito menos um procedimento médico da rede pública, por isso estão se lixando para essa situação, Quando aparecem em um hospital filantrópico é para receber falsas homenagens. Por qualquer “unha encravada” vão para São Paulo, por nossa conta. Essas autoridades não sabem que só aqui em Cuiabá, para não fecharem as suas portas, os hospitais filantrópicos deixaram de oferecer à população pobre quinhentos leitos.

Nestes últimos anos a preocupação maior do governo foi com algumas estradas, tapando buracos de umas, asfaltando outras. Ah, sim! A demolição do Verdão, caiação de alguns prédios históricos e o loteamento político da administração estadual e municipal, também fez parte das prioridades do governo.

E a saúde gente! A dengue tomou conta do Estado, apesar dos esforços dos coronéis da nossa polícia. Tenho conversado com vários segmentos da nossa sociedade, especialmente aqueles que utilizam os serviços dos hospitais filantrópicos. A opinião dos esquecidos não é nem um pouco favorável aos homens do governo, que são candidatos. Não falo mais em saúde!

A nossa salvação para resolver o problema da saúde é o dedinho na tecla da máquina de votação.

Gabriel Novis Neves
16/02/2010

EU JÁ SABIA

Os torcedores costumam levar para o estádio de futebol inúmeras faixas e placas de incentivo para o seu time. Num primeiro momento algumas delas não são mostradas pela televisão. Agora, quando os jogos estão decididos, e matematicamente não há mais tempo para alterações no placar, aí sim, vemos a tela da nossa televisão ser invadida pelas faixas e placas da torcida vencedora. Geralmente são textos simples e escritos em letras garrafais - o mais comumente usado: “eu já sabia.” Vocês já repararam nisso? Eu já.

Reparei também que aqui, fora do estádio de futebol, na nossa vida real, determinados fatos são tão evidentes, que, ao contrário do futebol, o jogo nem precisa ter começado, para já termos condições de levantar, e tornar visíveis, as faixas e plaquinhas do “eu já sabia”.

Vejam o caso do ENEM. A nossa universidade foi muito apressadinha em apoiar um projeto educacional totalmente incompatível com a nossa realidade brasileira. Houve promessas de apoio e a nossa UFMT foi seduzida pelo canto da sereia. Como unificar o vestibular em um país tão desigual? Com mais de oito milhões e meio de quilômetros quadrados; com o sul maravilha e o nordeste africano; com a Amazônia desmatada, o cerrado plantado, o pantanal abandonado; com imensas áreas desérticas nas regiões semi-áridas do norte e nordeste e com apenas marcas da mata atlântica; um país que tem um Estado riquíssimo – São Paulo, e Estados abaixo da linha de pobreza; enfim, com a pluralidade cultural existente?

Para se ter uma idéia desta pluralidade, só aqui em Mato Grosso possuímos mais de trinta etnias com culturas e idiomas próprios. A poucos quilômetros de Cuiabá é possível encontrar duas crianças mato-grossenses, e brasileiras, conversando sem entendermos patavina.

Não sou contra a unificação do vestibular, desde que haja a unificação da distribuição de recursos financeiros para a educação, unificação do salário dos professores públicos com os do privado, oportunidade de pré-escola com qualidade para toda criança brasileira. Ensino fundamental de qualidade para os pobres, assim como são para os ricos. A qualidade da nossa escola pública, não por culpa dos nossos professores, é tão inferior que ocupamos o 88º lugar do ranking mundial da educação e o Brasil perde até para países pobres da América Latina como Equador, Bolívia e Paraguai.

A unificação do vestibular tem que se iniciar pela base da pirâmide educacional e não pelo seu topo, pois caso contrário é uma covardia com os mais pobres: não terão condições de acesso ao ensino superior público de qualidade e gratuito e nem dinheiro para pagar o ensino privado. O resultado do vestibular unificado demonstra uma grande distorção: a UFMT é a universidade mais procurada do país para os exames unificados do ENEM. Os nossos alunos, que não tiveram a oportunidade da educação infantil de qualidade, que cursaram um ensino médio medíocre e terminaram o fundamental só por não poderem ser reprovados, assistirão a universidade que eles ajudaram a construir sendo ocupadas por estudantes de outros Estados.

“Eu já sabia!”. Mesmo antes do pontapé inicial, “eu já sabia” do fiasco que seria o vestibular apressadinho.

Gabriel Novis Neves
05/02/2010

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Ele chega lá

“Se a canoa não virar, olé, olé, olá, eu chego lá”, cantava Emilinha Borba - a rainha do rádio brasileiro. Se no futebol as coisas continuarem como a canoa da Emilinha o time do Mixto chega lá.

Parece que o nosso Estado está acumulando troféus de fiascos. Do final do ano passado a estes primeiros dias de 2010, a lista já está de bom tamanho. É prematura, entretanto, qualquer previsão até o final do ano. As coisas podem melhorar e a nossa posição no ranking dos fiascos também. Não citarei os grandes fiascos deste inicio do ano, pois isto será trabalho para a retrospectiva do final do ano.

Com relação ao futebol gostaria de comentar um fato isolado que poderá ser alterado. O Flamengo não virou o jogo em cima do Fluminense e do Olaria? Nos dois jogos perdia de três a um, no primeiro ganhou e no segundo empatou. O Mixto poderá ser campeão do mundo de clubes. Basta vencer o Campeonato Estadual, depois a Copa Brasil, a Libertadores, e estará na final da Copa do Mundo dos Clubes. Mas é preocupante este inicio de campanha do super Mixto. Foi montada toda uma logística para o sucesso do preto e branco. Adquiriu-se um ônibus novo, moderno, confortável, super equipado com frigobar, ar condicionado, televisão, musica ambiente, banheiros, vidros fumês nas janelas - para não quebrar a privacidade dos atletas e principalmente dos seus dirigentes. Este ônibus é uma atração à parte do Mixto. Pelas cidades onde passam, todos querem recepcionar os jogadores confundindo-os com cantores sertanejos. O seu custo foi amplamente divulgado, a bagatela de cento e cinquenta mil reais. Ah! Mas tem estampada a imagem do seu santo protetor. Uma beleza de máquina com apenas um defeito: não joga futebol e até agora só transportou jogadores que perderam ou não tem habilidades com o esporte bretão.

Para não ser cobrado posteriormente, e nem ser mal entendido, o Mixto ainda poderá ser Campeão Mundial de Clubes. É o desejo meu e da maioria dos Cuiabanos. Os seus três primeiros jogos no Campeonato Mato Grossense, segundo o Presidente da Associação Amantes do Futebol e Amigos do Mixto (Afam), foram desanimadores. Com uma folha de pagamento mensal superior a duzentos e cinqüenta mil reais e com técnico de fora; com um supervisor de futebol tetra campeão mundial de futebol; um elenco de jogadores onde encontramos um ex-campeão do mundo de clubes e um ex-campeão da Libertadores, além de outros craques importantes, é preocupante os resultados alcançados. Esse timão, econômica e politicamente super motivado, jogou três vezes este ano. Empatou de 1X1 contra o Vila Aurora de Rondonópolis, e sofreu duas goleadas. De 3X0 para o Araguaia e de 4x1 para o Barra. Já se fala em lista de dispensa, e o remédio imediato foi programar com urgência um jogo do Mixtão contra um time de jogadores velhos, no Dutrinha, interditado para jogos do campeonato, mas liberado para esse jogo. A entrada é gratuita, pois o caixa do Mixto esta abarrotada de dinheiro.

Se a canoa virar, o Mixto não chegará ao titulo mundial de futebol, porém ao mundial do fiasco.

Gabriel Novis Neves
05/02/2010

O MEU PONTO "G"

Os jornais da cidade não têm mais tinta de tanto escreverem sobre a violência. Hoje um jornalista-historiador, desesperado, chega a puxar as orelhas do nosso mandatário maior, dizendo que ele “não está nem aí” para um dos maiores problemas que enfrentamos no nosso dia-a-dia, que é a violência urbana.
Diz o jornalista que ele tem uma segurança excelente e que conseguiu uma lei na Assembléia Legislativa, estendendo este benefício, ao deixar o cargo. Então ele sabe que o cidadão comum, o trabalhador que paga os impostos, está nas mãos dos bandidos e reconhece a incompetência do Estado para exercer as suas funções constitucionais. Como excelente planejador estendeu esses cuidados da sua segurança pessoal por mais oito anos, após deixar o Governo, com as despesas deste item, correndo por conta do contribuinte. Lindo exemplo.
Além da educação diferenciada que temos para os ricos e pobres, saúde para os ricos e pobres, DAS para os ricos e pobres, agora temos na lista da vergonha, segurança para os ricos e poderosos do serviço público e para os que pagam impostos. Até as pedras cangas da Igreja do Rosário sabem que o Arraial de Nosso Senhor Bom Jesus de Cuiabá é uma cidade violenta.
Difícil a família cuiabana, por nascença ou adoção, que não tenha alguém vítima da violência. Na minha, sob a mira dos revólveres já passaram irmãos, irmãs, filhos, netos, cunhadas, sobrinhos e, no meu currículo de amizade sempre alguém relata a experiência do assalto sofrido. Tenho plena certeza que o meu dia chegará. Ontem o fato só não se concretizou, porque os excelentes profissionais do crime, após várias tentativas, não encontraram, com segurança, o meu ponto G (G de Gabriel ) lugar seguro para o serviço. Safei-me desse, com a certeza da repetição de outros momentos de terror. Entreguei a alma a Deus e, de tantos traumas vividos na terra das leis não cumpridas, eles nem conseguem mais me ferir. Estou ferido. A gente só vê os uniformizados nas festas oficiais ou quando a arrecadação do tesouro baixa nos cercos do DETRAN. E, por cima de tudo, para completar o meu desespero, as autoridades da segurança dizem que a culpa é nossa.


Gabriel Novis Neves
11-02-1010

Folia de Momo

Geograficamente assim divido o Brasil: quatro grandes regiões, uma ilha da fantasia e uma faixa litorânea palco de grandes conflitos - que antigamente, era a capital cultural do Brasil. Todas essas áreas têm suas características próprias, porém, encontro uma característica comum a todas.

Com a intenção de se corrigir um equívoco histórico é que gostaria, neste período propício, corrigi-lo. Todos os brasileiros dizem que no nordeste, cuja capital é Salvador, o povo comemora o carnaval o ano todo. É um povo festeiro que detesta o trabalho, dizem. Sei que não é bem assim. A alegria do nordestino é a sua maior riqueza, e uma das suas principais fontes de recursos financeiros para reforço do tesouro – fabrica de turismo.

O centro-sul maravilha, hoje um grande centro poluidor simbolizado por suas indústrias, é a fotografia digital do Brasil desigual. Os três estados do extremo sul do Brasil são fornecedores da maior corrente migratória para ocupação do cerrado e região amazônica. A Amazônia, eterna cobiça dos estrangeiros e nativos, a passos céleres caminha para a sua extinção.

Na ilha da fantasia tudo é ilusório e permitido. Tem gente que fala muito, gente que nunca fala e é, na verdade, um grande centro de negócios, ou negociatas. O que falar da faixinha litorânea de Estácio de Sá há anos em conflito armado? O maior espetáculo desta faixa são as suas lindas mulheres seminuas, algumas com carteira assinada de modelo, bem diferente das francesas e polacas do início do século XX.

A característica comum a todas as regiões brasileiras, incluindo a ilha da fantasia, é o carnaval. A cobertura da mídia é completa e sofisticada, centrada com antecedência na capital do nordeste. Que coisa maravilhosa! Ontem pela televisão conheci a intimidade do carro eletrônico da deusa baiana do momento. Fiquei encantado com a tecnologia que cheira dinheiro, e as explicações da deusa. O repórter esperto entrevistou duas foliãs. Sensacional! A pergunta foi a mesma: “É a primeira vez que vem ao carnaval aqui”? “Não, freqüento há 23 anos sem faltas.” A companheira emenda, “estou há 16 anos e não pretendo faltar enquanto saúde tiver”.

Hoje cedo lendo os jornais fico sabendo que a venda de abadás foi a pior dos últimos anos. Hotéis e pousadas também estão com vagas ociosas. Mas a animação eletrônica é fantástica. E as outras regiões do Brasil não possuem carnaval? Claro que sim! Por aqui começou logo na terça-feira, com o esvaziamento da cidade e repercussões no orçamento público. Pobre do contribuinte que necessitar do serviço público! Órgãos puramente burocráticos estavam quase todos com seus chefes viajando, e retorno sem data prevista. E ainda dizem que quem não trabalha e gosta de festa são os nordestinos!

Por aqui não há sinais de folia, mas o pessoal do poder a muito tempo abandonou o trabalho, na maioria das vezes, seguidos dos nativos. Quero ter esperança que antes da Semana Santa consiga resolver as minhas pendengas. Imagine esta cidade na Copa do Mundo, quando todo mundo vai viajar para acompanhar a seleção canarinho! Acho que só eu estarei aqui, no novo Verdão de oitocentos milhões.

Gabriel Novis Neves
14-02-2010

CADUQUICE

O final diário do meu exercício físico é na padaria onde compro o pão nosso de cada dia. Nesse horário a freguesia, na sua imensa maioria, é de velhos - das mais variadas profissões. É ponto de encontro também para aqueles que têm neurose em colocar a mão no bolso e encontrar uma aranha caranguejeira. Por isso “emprestam” um jornal da banca da padaria para a sua leitura diária, pois a maioria dos velhos não sabe nada de computação.

Como estava falando, hoje ao chegar à padaria fui aplaudido por um querido “speaker” de rádio, dublê de dono de “butiquim”. Pergunta-me se li a coluna tal. Respondo que não, pois no dia anterior tinha saído da rotina. Lamenta e comenta: “você perdeu de ler uma declaração de amor de uma colunista famosa!” Todos, naquele mundinho da padaria, ficaram sabendo, pois mesmo com a idade avançada, a sua voz continua estrondosa.

Retorno para casa com os quatro pães, pensando na tal declaração. Via email solicitei da autora, uma amiga muito querida e conceituada colunista, uma cópia do que tinha escrito para guardar. Que desilusão! Era um comentário em que ela dizia que gostava da leitura dos meus testículos (textos pequenos), que os meus amigos publicam. Fiquei contente, pois pelo menos a ela sei que não aborreço com a minha mais nova mania.

A idade avançada do velho speaker, que usa até suspensório para as calças não caírem, fez uma leitura como se fosse uma declaração de amor. Ledo engano! A minha amizade com a colunista data dos bancos escolares da extinta Universidade da Selva.

Até que não ficaria aborrecido se fosse verdade! O resto corre por conta da caduquice do meu querido amigo.

Gabriel Novis Neves
12/02/2010

FANTASIAS

Estamos em pleno carnaval. Aprecio, mas não participo. E sou consciente de um detalhe: o Brasil irá parar. Daqui prá frente todos os nossos problemas só serão resolvidos depois do carnaval. Teremos também outras paradas técnicas: a Semana-Santa, A Semana da Pátria e neste 2.010, o mês da Copa do Mundo na África.

Carnaval lembra fantasia. Só se ouve falar em modelitos de fantasias - de preferência bem fresquinhas - e qual o melhor lugar para se passar o carnaval. A nossa cidade está até descentralizando o carnaval de rua. Meu compadre do Araés garante que essa descentralização é motivada pelas eleições, coisa que não acredito. É alegria e fantasia por todo lugar! O que tem de gente viajando com as suas fantasias não é brincadeira! Estão indo até para a Argentina e Chile, pois o real está valendo o dobro que a moeda administrada até recentemente por duas mulheres. No momento todos estão costurando as suas fantasias - eu rasguei uma das minhas.

Fui convidado a ir a um determinado lugar que inspira, na maioria das pessoas, verdadeiro pavor. A minha visita foi agendada via correio – com data e hora marcada – tudo conforme o figurino. Confirmei presença, mesmo porque era exigido. Confesso, fiquei receoso, mas fui. Compareci no dia e hora marcados e recebi um crachá. Porém, e para minha surpresa, após alguns minutos lá dentro me senti confortável e a vontade na chamada, fantasiosamente, “casa dos horrores”. Recebo gentis informações de como localizar o elevador, que me levou ao nono andar, para a sabatina. Após várias perguntas, feitas com a maior elegância pela anfitriã, senti que aquela minha fantasia estava toda rasgada. Até lamentei o encerramento da visita! Foi tão amena que na despedida ofereci à anfitriã o meu endereço eletrônico que ela anotou:
www.bar-do-bugre.blogspot.com

Desci pelo elevador, e após devolver o meu crachá na recepção, constatei que o cenário pintado por aqueles que por ali passam, ou não, é pura fantasia. As fantasias sempre existiram para traduzir alegria ou temor. Confundimos fantasias, que são somente fantasias e que não nos causam mal, com pessoas fantasiadas, geralmente de bem para nos fazer o mal.

Bendito carnaval, onde sabemos que o luxo e a beleza, são apenas fantasias com durabilidade de quatro dias!

Gabriel Novis Neves
10/02/2010

Chutou o balde

“Vou chutar o balde” - diz a sabedoria popular. Expressão de uma simplicidade espantosa, mas que resume um estado de espírito prá lá de complicado! (É o mesmo que chutar o pau da barraca.) Já serviu até de inspiração para o sambista e compositor popular Ney Lopes lançar um CD: “Chutando o Balde”. Chutar o balde é o significado máximo de liberdade. É quando você “não agüenta mais viver satisfazendo as vontades de outrem e resolve fazer algo por si”. É largar de mão qualquer coisa. É não está nem aí para o que vier.

Hoje pela manhã recebi um email de uma querida amiga informando-me que chutou o balde e se arrancou. Alertou que estava me comunicando a sua decisão, e conversa, só depois do depois. Nada de pessoal comigo, apenas gentileza e desabafo de uma amiga que não acreditava e não suportava mais o que estava vivendo no presente. Resolveu largar tudo para trás e viver uma nova vida - o que faz muito bem. O presente que então viverá será de emoções genuínas, e não fabricadas. Tenho certeza que não fará nenhuma economia de tempo nos próximos quinze dias. Mesmo sabendo que os seus amigos sentirão a sua ausência, e das prováveis implicações do seu ato, ela chutou o balde.

A decisão tomada pela minha amiga despertou em mim sentimentos mistos de admiração e inveja. Admiração porque é preciso certo grau de coragem para chutar o balde e arcar com todas as suas conseqüências; inveja porque não possuo mais o ímpeto da juventude para dar chutes espetaculares.

Quando jogava futebol, às vezes chutava a bandeirinha de escanteio, por raiva de um insucesso. Depois chutei dois empregos que conquistei por concurso no Rio de Janeiro, para retornar à Cuiabá. Continuei a chutar baldes durante grande parte da minha caminhada. Agora não tenho mais forças físicas para os chutões da juventude. Considero os meus chutes de hoje como modestas bicadas em balde vazio. Nada mais que isto. A minha amiga não. Acertou um balde cheio de água que, com a violência do seu chute, espirrou água para todos os lados. Pagou o preço da sua liberdade.

Como deve estar feliz e aliviada a danadinha! Com certeza voltará reabastecida com novas energias para continuar a sua brilhante carreira com maior qualidade de vida. Isto me faz lembrar o Gonzaguinha, que há muito chutou o balde: “Viver e não ter a vergonha de ser feliz...”

Gabriel Novis Neves
10/02/2010

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

VIREI NOBRE

Os nobres possuem nomes quilométricos. Os membros desta classe tem por costume incorporar ao nome, os sobrenomes de todos os antepassados. E, à medida que se casam, os seus descendentes vão acrescentando mais sobrenomes ao nome. Como é uma tradição que remonta à Idade Média, é fácil imaginar a dificuldade que um filho de nobre atualmente tem para aprender escrever o seu nome completo – nome e sobrenome.

Fui casado com uma descendente de Luiz XV. Ela tinha um nome duplo e quinze sobrenomes, como aqui chamamos. Para escrever o seu nome completo da certidão de nascimento, eram necessárias três linhas de caderno espiral. A minha mulher, entretanto, sempre preferiu ser chamada por Regina, Regininha, e, com o aparecimento dos netos, de Vó.

Como plebeu tenho o meu nome de batismo, acrescentado do sobrenome materno e paterno – nesta ordem conforme o nosso costume. O meu nome é muito simples e discreto. Os sobrenomes, de tão parecidos, são muitas vezes confundidos. O meu nome é de um Arcanjo (não confundir com Anjo), muito especial. Acho até que ele interferiu na minha profissão: médico anunciador da chegada das crianças. O meu xará anunciou a chegada do menino Jesus, que veio a terra para nos salvar. O resultado desse arranjo foi o aparecimento do GNN. Simples assim.

Mas... Nasci aqui, na terra dos apelidos. Portanto, desde pequeno fui bombardeado por uma série deles. Nenhum vingou. Na adolescência e idade madura, novos ataques de apelidos, todos sem sucesso. Para o meu desespero durante anos fui chamado de Magnífico, pelo cargo público que ocupei e também pela novidade do título, pois fui o primeiro a exercer esse cargo. Até hoje os mais antigos me chamam não pelo nome angelical, mas pelo nome do cargo que permaneci nele durante anos.

No crepúsculo da minha vida, já sem forças físicas para me defender, sou bombardeado com novos apelidos, desta vez o ataque foi desferido por certeiros profissionais. O “Ghandi do Porto”, dono daquele “site que ninguém lê”, acrescentou ao meu sobrenome, ÍNDIO VÉIO. A proprietária do “nogargalo” premiou-me com MÉDICO de ALMAS. O livre pensador, filósofo da baixada fluminense e também empresário da “paginadoe”, me contemplou com ARTICULADOR. Para completar, a dona do “prosaepolítica”, só me chama de MADRE SUPERIORA. O editor do “bar-do-bugre” me chama de ESTIMADO PROFESSOR.

Na idade em que estou a minha única preocupação é não ser atacado pela caduquice. Apelidos? Por que não? Fiquei com nome de nobre: contei agora – são doze sobrenomes incorporados ao meu nome. Vejam agora as minhas iniciais - o antigo GNN foi transformado em: GNNIVMDAAMSEP. Virei nobre!

Gabriel Novis Neves
29/01/2010

O entregador de mercadorias

Tenho o maior respeito e admiração pelos entregadores de mercadorias. Atualmente tudo o que você necessita pode ser entregue em casa - é como se fosse uma extensão da loja. Os entregadores me proporcionam tanta comodidade que já incorporei este hábito ao meu cotidiano. Estão sempre bem humorados, são pessoas jovens e educadas. Vinte e quatro horas por dia estão a nossa disposição para nos servir. Sou um cidadão dependente do entregador de mercadorias.

O destino me fez morador de um ninho vazio. As crianças casaram e cada qual construiu o seu próprio ninho. A minha mulher concluiu cedo a sua missão neste mundo, e hoje habita um ninho num outro plano. Fiquei. A manutenção da minha casa é feita quase que exclusivamente pelos entregadores de mercadorias. Com que satisfação atendo o interfone da portaria me avisando que o entregador de carne está subindo! Outras vezes é o entregador com as compras do mercado. Quase com euforia recebo o entregador da farmácia, com a minha cesta básica de medicamentos. Sazonalmente, à noite, geralmente aos domingos quando algum refugiado aparece por aqui, vem o entregador de pizza.

Todos esses profissionais que prestam relevantes serviços à sociedade, para mim são como verdadeiros heróis anônimos. Recebem um salário por esse serviço, claro – uma titica. Mas o que eu admiro neles é o pudor de entenderem que são apenas os entregadores das mercadorias. Sabem que aquele que recebeu a mercadoria pagou pelo produto, com dinheiro do seu bolso. Nunca um entregador profissional de mercadoria, teve a audácia de me falar que estava doando carne, compras do mercado ou medicamentos. Eles sabem que são apenas entregadores,

Acontece que aqui no meu Estado, inventaram a profissão de entregador oficial de mercadorias. Geralmente é um funcionário não jovem, do mais alto escalão da hierarquia administrativa. Percorre os municípios, entregando com festas a mercadoria, como se fosse uma doação dele, o todo poderoso e o bondoso enviado por Deus para nos salvar. A entrega não é discreta e anônima como as dos nossos entregadores domésticos. Geralmente toda a população é reunida em praça pública especialmente os funcionários públicos, com carros de som, foguetes, câmeras de televisão, microfones de rádio e jornalistas com seus bloquinhos anotando tudo para divulgação posterior. O dono da casa, no caso o prefeito da cidade, faz um longo e emocionante discurso agradecendo o donativo. A palavra é livre e todos elogiam a bondade do entregador de mercadorias.

Finalmente fala o entregador de mercadorias. Explica que está ali para doar à população um presente que com muito sacrifício conseguiu comprar, e ainda reclama dos poucos aplausos, elogios e presença dos beneficiados, para ele minguada diante de tanta caridade. Reclama também da ausência das crianças que tanto ama. Esse entregador oficial não tem a ética do entregador de produtos domésticos, pois este sabe que fui eu que comprei e paguei pela mercadoria que ele está entregando.

A população do meu estado também sabe que o que está sendo entregue pelo entregador oficial está sendo pago com sacrifício e suor de seu trabalho.

Gabriel Novis Neves
07/02/2010

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

OS CORONÉIS

Certa ocasião eu perguntei a meu pai o motivo de Cuiabá possuir tantos coronéis sem cara de coronel. Geralmente eram senhores idosos, que nunca usaram farda ou tiveram vida militar. O velho Bugre me respondeu que quando alguém ficava rico, ou adquiria uma posição social e política de destaque, na falta de um título de nível superior, era então chamado de coronel.

Conheci muitas pessoas importantes que antes do seu nome próprio eram chamadas de coronel. Tive até um tio, rico fazendeiro, que era chamado de coronel. Até o cartão de visita que mandavam confeccionar vinham com o coronel antes do nome.

Na época do Império foram vendidos muitos títulos nobiliárquicos. Basta um passeio pelas ruas e avenidas de Cuiabá, e prestar atenção nas placas identificadoras desses logradouros que encontrarão - Comendador, Barão, Conde.

Quando estudante no Rio de Janeiro o meu pai visitou-me, em doze anos, incluindo formatura e casamento, três vezes. Chegava ao Aeroporto Santos Dummont de terno e gravata com um cigarrinho entre os dedos. Nessa ocasião já tinha abandonado o chapéu de viagens. Ao pegar o táxi, o motorista logo lhe perguntava: vamos para onde doutor? Depois meu pai comentava comigo: “- gosto muito de vir aqui, todo mundo me chama de doutor!”.

Os tempos agora são outros e o sinal de status é chamar quem é rico, ou nada faz na vida, de empresário. Como existem empresários nesta terra! A doceira virou empresária e agora é proprietária de Buffet. O pintor de quadro de paredes ou desenhista virou artista plástico, e tem um empresário para vender o seu quadro chamado marchand. O construtor de obras agora é empresário da construção civil. O agiota é dono de factoring. Qualquer desempregado ou falido com bom DNA é empresário. Temos empresários da noite que antigamente eram donos de cabaré. E o lobista, que é um empresário especial. Quando o sucesso é enorme, o termo empresário não fica bem, e inventaram o rei. Rei do Futebol, do Carnaval, do Gado, da Indústria, da Comunicação, do Milho, do Feijão, do Arroz, da Soja, do Algodão, da Esperteza, da Sonegação Fiscal, da Propina, da Impunidade, do Contrabando. Temos até um Rei Preso – o do Crime Organizado que é o único crime que, dizem as más línguas, compensa, pois é organizado.

Neste baú de recordações e divagações estou começando o ano - uma gostosa fantasia que criamos para evitar a monotonia da continuidade. Ano de expectativa, pois haverá substituição do Rei.

Não me esqueci das sinhazinhas, princesas, rainhas, e para ser moderno, modelos. Mas essa conversa das donzelas fica para depois.

E ainda dizem que na terra de cego quem tem um olho é Rei.

Gabriel Novis Neves
01/01/2010

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Tomar leite

Outro dia, ao sair com dois amigos para jantar, presenciei uma conversa entre eles prá lá de divertida. A minha amiga e um velho conhecido do século XXll (século vinte e dois), falavam sobre hábitos alimentares. Diante da indiferença do meu amigo com relação ao jantar, ela, que não o conhecia, perguntou-lhe se não comia. A resposta veio rápida: “quando estou com fome, sim.” E emendou: “o horário é muito variado e há certos dias que não sinto necessidade de me alimentar, mas eu como de quase tudo um pouco.” Perguntado se fazia algum tipo de dieta ou se possuía alguma restrição alimentar, ele esclareceu: “não faço dietas e a única restrição que faço é com relação ao leite.” E, enfaticamente completou: “e faço isso porque sou uma pessoa normal.”
Diante do inusitado da resposta minha amiga indagou: - “normal?” E logo pediu que lhe explicasse aquilo direito. “Veja os animais – filosofou meu amigo - o bezerro mama, mama e mama. Só se alimenta de leite. Após o desmame nunca mais toma leite. A sua alimentação agora é capim e ração. Então não tomo leite seguindo a lei da natureza, porque sou uma pessoa normal. Mamei na minha mãe até aos sete anos. Depois do desmame, nunca mais tomei leite. Não é nada de alergia ao leite, ou porque ele produz radicais livres causadores de doenças. É porque sou um ser humano normal.”
A minha amiga ouviu atentamente a explicação e falou que jamais tinha ouvido essa historia e, de certo modo, aceitou. Continuaram a conversar sobre o assunto por mais alguns minutinhos até que se desinteressaram. A conversa rolou então sobre outros assuntos, como a necessidade dos exercícios físicos. A minha amiga que pratica de Pilates a Yôga, passando por meditação transcendental, hidroginástica, academia com todos os recursos oferecidos pelos aparelhos e viciada em longas caminhadas, ficou impressionada com a barriga em tanquinho e a saúde do meu amigo sessentão e pergunta se tem o hábito de caminhar. Resposta: “caminho sim.” Minha amiga colocou em dúvida a veracidade da resposta e o homem do século XXll (século vinte e dois), esclarece que paga um japonês para que toda a manhã faça, com eficiência, uma boa caminhada em seu lugar. Minha amiga riu muito e a conversa continuou neste clima descontraído e alegre.

Jantar com filósofo é outra coisa! O seu cardápio foi cigarro à vontade, sal, limão, algumas latinhas da redondinha e muita, mas muita conversa temperada com muito bom humor.

Enquanto isso, os dois anormais da mesa enchiam a barriga com bolinhos de batata de catupiry e carne. Ele é normal!

Gabriel Novis Neves
05/02/2010

ALMOÇO

Estatísticas apontam que os grandes negócios, acordos, compromissos amorosos, acontecem em um almoço. “O peixe morre pela boca”, diz o ditado popular. Quantos casamentos tiveram seu início em almoços salvadores da dor da barriga vazia?

O almoço é a instituição das decisões. Quanto melhor o cardápio, mais correta a decisão tomada. Nesta estatística não incluo o almoço familiar, muitas vezes centro de competições e desavenças.

Participei de um almoço no domingo. O ambiente da comilança foi o mais agradável possível. Senti que não importunei os anfitriões, nem eles a mim. A comida foi feita a minha vista e, pelos donos da casa. O “refresco” servido foi aquela “redondinha” bem geladinha.

Diante deste cenário perfeito é quase impossível dizer qual foi a melhor parte do almoço. Mas houve a melhor: a conversa liberada sem censura. Pena que nessas ocasiões o tempo passa tão rápido! Era muita conversa para quatro horas (apenas!) de almoço! Troquei a minha sobremesa por mais um pouquinho de conversa.

Para esticar o tempo instituí na minha casa o café da manhã. A conversa começa mais cedo e escorre até ao anoitecer. Assim mesmo nunca consegui finalizar o tema da pauta da conversa do dia. “Precisamos conversar!”, brada o filósofo do bairro Universitário ao se despedir. Concluo: nós que não temos o poder, precisamos, e muito, conversar, fazer vigílias e ficar atentos. Os “nossos adversários” só fazem conversar.

O Presidente do Brasil, os Governadores, os integrantes do Congresso Nacional e das Assembléias Legislativas, serão substituídos em menos de um ano. Temos que conversar, trocar opiniões e impedir, através do voto, o retorno “daqueles” políticos que nos traíram. A luta pela sobrevivência consome todo o tempo e a energia do brasileiro. Além do mais, os que estão interinamente no poder, possuem recursos para manipular as notícias.

Daí a importância do café da manhã, do almoço e, para o bem deste país, até do chá da “noite”. Vou começar a participar deste tipo de almoço e café da manhã. Na hora do chá, estarei dormindo.

Pelo menos, a utopia por dias melhores, produzida por essas conversas, não me fará sofrer por antecipação.

Gabriel Novis Neves
09 de Novembro de 2009

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Orquestra labial

Ao nascer recebemos de Deus um corpo perfeito, repleto de recursos para levarmos uma vida feliz e saudável, e uma alma para nos inspirar e guiar. Usamos pouco o potencial divino do nosso corpo e esquecemo-nos muitas vezes da nossa alma.

Não sei explicar o porquê, mas hoje durante a minha caminhada pelas ruas de Cuiabá, me surpreendi assobiando. Assobiava reproduzindo um samba de 1946, imortalizado pela voz de Isaurinha Garcia – “De conversa em conversa” - de autoria de Lúcio Alves e Haroldo Barbosa. Um hábito que vem da minha infância - uma das coisas que todo menino normal sabia fazer era assobiar.

Estava tão distraído assobiando que não percebi o cumprimento de uma senhora que passava pelo meu lado direito. Quando me chamou pelo nome é que percebi a minha total abstração. Parei por uns instantes com a minha orquestra de boca para me desculpar e retribuir o cumprimento. A seguir, continuei emitindo sons da melodia durante os seis quilômetros do meu exercício.

Que som maravilhoso produz a nossa orquestra “buco-labial”! Na minha memória, a letra do samba dor de cotovelo, que traduzia a realidade da vida da cantora e de muita gente.

Ninguém me ensinou a assobiar. Todos, na época da minha infância assobiavam: adultos, crianças e velhos. Depois inventaram que era falta de educação e coisa feia. As crianças pararam de assobiar e só alguns velhos ainda hoje curtem esse som.

O meu pai, no caixa do Bar do Bugre assobiava. A sua música predileta, era “Tai” cantada por Carmem Miranda: “Tai, eu fiz tudo prá você gostar de mim...”. A minha mãe possuía um repertório maior, mas a sua favorita, em qualquer oportunidade era “Maracangalha” de Dorival Caymmi: “Eu vou prá Maracangalha, eu vou...”

Naquela época muitos grupos profissionais se apresentavam em shows e gravavam discos assobiando. Não sou um expert em música, nem possuo qualquer habilidade em tocar instrumento musical, mas, ao assobiar, até que consigo pegar o ritmo da música - e o som que escuto me faz tão bem!

A beleza dessa orquestra que Deus nos deu, é surpreendente! É um dos recursos do nosso corpo que pouco se usa hoje em dia. Descobri que se pode ficar feliz com coisas pequenas e aparentemente insignificantes.

Como é gostoso assobiar!

Gabriel Novis Neves
24/01/2010

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

O SAPATINHO DE SALTO ALTO

Estamos na agonia do horário de verão, o vilão dos atletas da madrugada. Seis horas da manhã, o dia ainda está escuro. Para os dorminhocos este horário deve ser um bálsamo.

Ainda noite, embora manhã, passo pela calçada de uma churrascaria movimentada, agora adormecida. Na calçada deserta e imunda da churrascaria, um sapatinho preto, de bico fino e salto alto. Se fosse um par não me chamaria atenção. Com certeza alguém o teria abandonado por estar com muita pressa ou talvez vontade de chegar em casa descalça, para não fazer o “toc-toc” dos saltos finos. Mas era apenas um pé do sapato! Caminhava e pensava. Porque aquela cobertura de proteção de um dos pés fora deixada abandonada? A sua proprietária fugia talvez de algum perigo eminente, e na relação custo beneficio achou melhor deixar o sapatinho de salto alto? Difícil uma cinderela da madrugada fugir. Ou será que estava correndo atrás de alguém que lhe deixara e perdeu o sapatinho? É possível. A verdade é que ele estava estirado na calçada da porta da churrascaria, despertando em mim compaixão. Outros transeuntes, eu tenho certeza, nem perceberam a tristeza que representava aquele ímpar sapatinho de salto alto, englobando-o como lixo da calçada. O que faz alguém a não voltar e calçá-lo, depois de perceber que está andando apenas com um sapato? O benefício talvez compensasse o abandono.

No meu retorno, paro para identificar a marca do sapatinho. Porque, não sei. Observo apenas que ele estava virado para a direita e no protetor do pé li uma série de letras, talvez o abecedário que não é marca. Continuo pensando, não no sapatinho de salto alto, mas na sua proprietária. O que teria acontecido com ela? São estes mistérios que encontro quando caminho pela cidade que amo.

Gabriel Novis Neves
30-01-2010

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

O telefone tocou

Chamo o elevador! Antes mesmo da sua chegada, escuto meu telefone fixo, que nunca toca, me chamando. Volto para atendê-lo. Do outro lado da linha ouço uma gravação do Ministério da Saúde. A voz metálica me informa que moro em uma área de alto-risco para contrair dengue, e que a dengue mata! Depois do anúncio da minha provável morte, continuei ouvindo os conselhos oficiais de como evitar minha morte pelo mosquitinho. Até quis agradecer, mas era uma gravação... fiquei frustrado!

Retorno ao elevador, e enquanto espero a máquina, me lembro da semelhança entre a informação recebida e o anúncio da “boneca inflável”, para prevenção das doenças sexualmente transmissíveis (DST). Como as nossas autoridades sanitárias são cuidadosas e preocupadas com a nossa saúde!

Ao sair de carro pela garagem, o porteiro me alerta para que eu desvie da rua tal - um rotineiro acidente de trânsito, com vítimas correspondentes a três dias de vítimas pelo mosquitinho, paralisou o trânsito. Mudo a minha rota e lembro-me de uma manchete que li na internet: “bala perdida mata idoso.” Como em um filme de terror vão surgindo em minha mente notícias que, de tão recorrentes, se banalizaram. Não são mais notícias: seqüestros relâmpagos em plena luz do dia, bandidos assaltando bancos, chacinas de menores em bairros periféricos, mulher grávida esfaqueada.

Chego, enfim, à casa do meu filho. Conto-lhe do telefonema recebido e ficamos divagando. Disse a ele que o correto seria evitar ao máximo sair de casa. Só para trabalhar, e em casos de extrema necessidade. Agora vem o Ministério da Saúde e diz que corro risco de morte em casa. Fico pensando no assombro e indignação das pessoas no meu velório. Na minha idade, muitos morrem de parada cardíaca, respiratória, quedas, e no meu atestado de óbito constará como causa da morte: “picada de mosquito”. É assustador na nossa cidade e Estado o número de pessoas que diariamente morrem da picada do mosquitinho da dengue.

Esta doença há muito tempo foi banida dos países do primeiro mundo e dos chamados emergentes. Nas reuniões de chefes de Estado o Brasil exige o título de país mais emergente. Nas reuniões dos países ricos até pede para participar sem direito a voto. Temos uma economia fortíssima, tão resistente aos tsumanis financeiros internacionais, que quando chegam por aqui, são simples marolinhas. Emprestamos dinheiro ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e perdoamos as dívidas dos países pobres. Neste país tão premiado, abençoado por Deus e admirado pelo mundo, cultivamos uma doença da Idade Média – a Dengue, produzida pela picada de um simples mosquitinho. Como explicar este “fenômeno” aos estrangeiros que virão assistir a Copa do Mundo aqui?

Por essas e outras é que fujo da profissão de guia turístico como o diabo foge da cruz. Perder uma guerra em pleno século XXI para o mosquitinho, no mínimo significa um retrocesso à Idade Média. Como nos faz falta uma séria política pública social! Vamos continuar como estamos?

Não pretendo mais atender telefonemas no meu aparelho fixo. Que ele continue silencioso!

Gabriel Novis Neves
29/01/2010

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

GOLIAS

Aqueles que não são da geração do Golias, talvez não entendam muito bem o meu artigo. O Golias pertenceu ao timaço dos humoristas do rádio e foi um dos pioneiros da televisão. Foi um dos comediantes mais engraçados da história do Brasil. Os eruditos o classificam de “pai do besteirol.” Eu simplesmente achava, não só ele, mas todos os seus colegas da época, divertidíssimos. Para mim bastava ouvi-lo ou vê-lo na TV, inicialmente com imagens preto e branco, para dar boas e gostosas gargalhadas.

O humor é um talento inato. A veia humorística nasce com o artista. Chega de atores “preparados” para o humorismo! A maioria dos comediantes que hoje se apresentam não é nem entendido pelo grande público, e muitas vezes, causa-nos aborrecimentos. O Golias com aquele boné de aba virado para o lado, com aquela boca de beicinho - que de engraçada só perdia para a do Costinha - com seus “cacos” inteligentes e com sua irreverência, era um mestre na sua arte! O seu personagem Pacífico na “Praça da Alegria” (programa criado por Manuel da Nóbrega) ficou famoso pelo bordão “Ô Cride, fala prá mãe...”, dita aos berros para um colega do elenco. Bons tempos aqueles do humor inocente e das risadas sem maldades!

Hoje na minha caminhada matinal, tive vontade de berrar o famoso bordão. A nossa cidade está suja, imunda, com produtos que você só encontra no lixão: restos de comidas, sacos plásticos vazios, caixas de papelão, embalagens de remédios utilizados, latinhas para todos os gostos e muitos cacos de vidro. O mato toma conta dos terrenos e invade as ruas asfaltadas - isto no bairro de maior PIB (Produto Interno Bruto) político e econômico da cidade! Na periferia, esgoto a céu aberto, mato escondendo ruas e verdadeiras picadas no chão de terra batida para os seus moradores alcançarem as suas casas. Surgiram agora os bolsões de sujeiras, identificados pelos dois helicópteros do Estado.

Providências concretas para sanear esta situação, tão favorável ao mosquitinho da dengue, só aquela gravação do Ministério da Saúde me avisando que moro em um lugar de alto risco para morrer picado.

Não sei por quê... Mas não me sai do pensamento o famoso bordão do Golias: - Ôcrides, diz para mãe que agora sim, vou morar na lua!

Gabriel Novis Neves
30/01/2010