quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

O telefone tocou

Chamo o elevador! Antes mesmo da sua chegada, escuto meu telefone fixo, que nunca toca, me chamando. Volto para atendê-lo. Do outro lado da linha ouço uma gravação do Ministério da Saúde. A voz metálica me informa que moro em uma área de alto-risco para contrair dengue, e que a dengue mata! Depois do anúncio da minha provável morte, continuei ouvindo os conselhos oficiais de como evitar minha morte pelo mosquitinho. Até quis agradecer, mas era uma gravação... fiquei frustrado!

Retorno ao elevador, e enquanto espero a máquina, me lembro da semelhança entre a informação recebida e o anúncio da “boneca inflável”, para prevenção das doenças sexualmente transmissíveis (DST). Como as nossas autoridades sanitárias são cuidadosas e preocupadas com a nossa saúde!

Ao sair de carro pela garagem, o porteiro me alerta para que eu desvie da rua tal - um rotineiro acidente de trânsito, com vítimas correspondentes a três dias de vítimas pelo mosquitinho, paralisou o trânsito. Mudo a minha rota e lembro-me de uma manchete que li na internet: “bala perdida mata idoso.” Como em um filme de terror vão surgindo em minha mente notícias que, de tão recorrentes, se banalizaram. Não são mais notícias: seqüestros relâmpagos em plena luz do dia, bandidos assaltando bancos, chacinas de menores em bairros periféricos, mulher grávida esfaqueada.

Chego, enfim, à casa do meu filho. Conto-lhe do telefonema recebido e ficamos divagando. Disse a ele que o correto seria evitar ao máximo sair de casa. Só para trabalhar, e em casos de extrema necessidade. Agora vem o Ministério da Saúde e diz que corro risco de morte em casa. Fico pensando no assombro e indignação das pessoas no meu velório. Na minha idade, muitos morrem de parada cardíaca, respiratória, quedas, e no meu atestado de óbito constará como causa da morte: “picada de mosquito”. É assustador na nossa cidade e Estado o número de pessoas que diariamente morrem da picada do mosquitinho da dengue.

Esta doença há muito tempo foi banida dos países do primeiro mundo e dos chamados emergentes. Nas reuniões de chefes de Estado o Brasil exige o título de país mais emergente. Nas reuniões dos países ricos até pede para participar sem direito a voto. Temos uma economia fortíssima, tão resistente aos tsumanis financeiros internacionais, que quando chegam por aqui, são simples marolinhas. Emprestamos dinheiro ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e perdoamos as dívidas dos países pobres. Neste país tão premiado, abençoado por Deus e admirado pelo mundo, cultivamos uma doença da Idade Média – a Dengue, produzida pela picada de um simples mosquitinho. Como explicar este “fenômeno” aos estrangeiros que virão assistir a Copa do Mundo aqui?

Por essas e outras é que fujo da profissão de guia turístico como o diabo foge da cruz. Perder uma guerra em pleno século XXI para o mosquitinho, no mínimo significa um retrocesso à Idade Média. Como nos faz falta uma séria política pública social! Vamos continuar como estamos?

Não pretendo mais atender telefonemas no meu aparelho fixo. Que ele continue silencioso!

Gabriel Novis Neves
29/01/2010

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