segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Sofrimento humano

Uma antiga cliente, após longos anos, reaparece em meu local de trabalho. Amiga dos tempos da juventude. Presenciei o seu casamento e o nascimento dos filhos. Mas, apesar dessa longa convivência, não a reconheci. Foi somente quando falou seu nome que eu, entre espantado e chocado, me lembrei da companheira.

As dificuldades enfrentadas por ela foram tantas, que os sinais do sofrimento deixaram marcas profundas, tanto em seu físico quanto em sua alma. Estava irreconhecível!

Pertencia à classe endinheirada da velha aristocracia rural. Família de muito dinheiro! Mas, como dizia meu velho pai, “dinheiro não aguenta desaforo. Vai embora.” Foi o que aconteceu à família da minha amiga.

No transcorrer da nossa conversa, pude sentir que as dores da sua alma, aparentemente cicatrizadas, ainda sangravam em alguns pontos. Aí pensei na impotência do homem e da ciência que, do alto de toda sua tecnologia, jamais conseguiram captar imagens ou mensurar as dores da alma.

Mas o seu corpo apresenta sinais visíveis de sofrimento crônico. Uma doença peri-dental, severa e sem tratamento, roubou-lhe todos os seus dentes. Não se adaptou ao uso da prótese, que os pobres chamam de chapa e não possui recursos financeiros para implante. Continuou por mais alguns instantes a me fazer um retrospecto da sua vida. Mesmo veterano como médico do corpo e da alma, sucumbi diante de tanto sofrimento. Ficamos de nos encontrar outro dia. Da despedida me ficou o gosto amargo do sofrimento.

O sofrimento humano para mim é um sentimento contagiante. Sinto profundamente as dores do meu próximo, do meu jeito, sem demonstrar. Sei que a vida é assim – cheia de altos e baixos - e que não tenho poder nenhum de mudá-la. Tento evitar o sofrimento do próximo e não costumo socializar os meus.

Sou um covarde, fraco ou imbecil com prazo de validade vencido para lutar por um mundo melhor no sentido das igualdades sociais? Será esta uma luta inglória? Não me agrada nem um pouquinho este mundo que exige sempre um maior e outro ainda melhor. Não nos contentamos mais, nem com o segundo lugar: ou é o primeiro e melhor do mundo, ou tudo é miséria e sofrimento. A psiquiatria explica este tipo de comportamento. A dose de hoje, da vida como ela é, foi quase letal para mim e deixou-me catatônico. Nem para imitar o beija-flor me sinto com forças - que para salvar a floresta amazônica do incêndio causado pelos homens do progresso, carrega o dia todo gotículas de água em seu pequeno bico, para apagar o fogo criminoso.

Gabriel Novis Neves
12/02 2010

Um comentário:

  1. Também me sinto assim de vez em quando ...
    Fico impressionada que um homem como o senhor, calejado pela vida e pela prática da medicina, ainda se sinta assim.
    Acho que é isso que chamam de humanidade ...

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