quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

EU JÁ SABIA

Os torcedores costumam levar para o estádio de futebol inúmeras faixas e placas de incentivo para o seu time. Num primeiro momento algumas delas não são mostradas pela televisão. Agora, quando os jogos estão decididos, e matematicamente não há mais tempo para alterações no placar, aí sim, vemos a tela da nossa televisão ser invadida pelas faixas e placas da torcida vencedora. Geralmente são textos simples e escritos em letras garrafais - o mais comumente usado: “eu já sabia.” Vocês já repararam nisso? Eu já.

Reparei também que aqui, fora do estádio de futebol, na nossa vida real, determinados fatos são tão evidentes, que, ao contrário do futebol, o jogo nem precisa ter começado, para já termos condições de levantar, e tornar visíveis, as faixas e plaquinhas do “eu já sabia”.

Vejam o caso do ENEM. A nossa universidade foi muito apressadinha em apoiar um projeto educacional totalmente incompatível com a nossa realidade brasileira. Houve promessas de apoio e a nossa UFMT foi seduzida pelo canto da sereia. Como unificar o vestibular em um país tão desigual? Com mais de oito milhões e meio de quilômetros quadrados; com o sul maravilha e o nordeste africano; com a Amazônia desmatada, o cerrado plantado, o pantanal abandonado; com imensas áreas desérticas nas regiões semi-áridas do norte e nordeste e com apenas marcas da mata atlântica; um país que tem um Estado riquíssimo – São Paulo, e Estados abaixo da linha de pobreza; enfim, com a pluralidade cultural existente?

Para se ter uma idéia desta pluralidade, só aqui em Mato Grosso possuímos mais de trinta etnias com culturas e idiomas próprios. A poucos quilômetros de Cuiabá é possível encontrar duas crianças mato-grossenses, e brasileiras, conversando sem entendermos patavina.

Não sou contra a unificação do vestibular, desde que haja a unificação da distribuição de recursos financeiros para a educação, unificação do salário dos professores públicos com os do privado, oportunidade de pré-escola com qualidade para toda criança brasileira. Ensino fundamental de qualidade para os pobres, assim como são para os ricos. A qualidade da nossa escola pública, não por culpa dos nossos professores, é tão inferior que ocupamos o 88º lugar do ranking mundial da educação e o Brasil perde até para países pobres da América Latina como Equador, Bolívia e Paraguai.

A unificação do vestibular tem que se iniciar pela base da pirâmide educacional e não pelo seu topo, pois caso contrário é uma covardia com os mais pobres: não terão condições de acesso ao ensino superior público de qualidade e gratuito e nem dinheiro para pagar o ensino privado. O resultado do vestibular unificado demonstra uma grande distorção: a UFMT é a universidade mais procurada do país para os exames unificados do ENEM. Os nossos alunos, que não tiveram a oportunidade da educação infantil de qualidade, que cursaram um ensino médio medíocre e terminaram o fundamental só por não poderem ser reprovados, assistirão a universidade que eles ajudaram a construir sendo ocupadas por estudantes de outros Estados.

“Eu já sabia!”. Mesmo antes do pontapé inicial, “eu já sabia” do fiasco que seria o vestibular apressadinho.

Gabriel Novis Neves
05/02/2010

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