quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

O SAPATINHO DE SALTO ALTO

Estamos na agonia do horário de verão, o vilão dos atletas da madrugada. Seis horas da manhã, o dia ainda está escuro. Para os dorminhocos este horário deve ser um bálsamo.

Ainda noite, embora manhã, passo pela calçada de uma churrascaria movimentada, agora adormecida. Na calçada deserta e imunda da churrascaria, um sapatinho preto, de bico fino e salto alto. Se fosse um par não me chamaria atenção. Com certeza alguém o teria abandonado por estar com muita pressa ou talvez vontade de chegar em casa descalça, para não fazer o “toc-toc” dos saltos finos. Mas era apenas um pé do sapato! Caminhava e pensava. Porque aquela cobertura de proteção de um dos pés fora deixada abandonada? A sua proprietária fugia talvez de algum perigo eminente, e na relação custo beneficio achou melhor deixar o sapatinho de salto alto? Difícil uma cinderela da madrugada fugir. Ou será que estava correndo atrás de alguém que lhe deixara e perdeu o sapatinho? É possível. A verdade é que ele estava estirado na calçada da porta da churrascaria, despertando em mim compaixão. Outros transeuntes, eu tenho certeza, nem perceberam a tristeza que representava aquele ímpar sapatinho de salto alto, englobando-o como lixo da calçada. O que faz alguém a não voltar e calçá-lo, depois de perceber que está andando apenas com um sapato? O benefício talvez compensasse o abandono.

No meu retorno, paro para identificar a marca do sapatinho. Porque, não sei. Observo apenas que ele estava virado para a direita e no protetor do pé li uma série de letras, talvez o abecedário que não é marca. Continuo pensando, não no sapatinho de salto alto, mas na sua proprietária. O que teria acontecido com ela? São estes mistérios que encontro quando caminho pela cidade que amo.

Gabriel Novis Neves
30-01-2010

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