sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Sexta-feira

O dia mais carismático da semana, talvez por simbolizar uma falsa ilusão de prolongado período de descanso e lazer, é, sem a menor sombra de dúvidas, a sexta-feira.
Mas, o sábado amanhece chuvoso. E o dia internacional do churrasco nos prende em casa - frustrando toda uma semana de expectativas. Expectativas de uma boa cervejada com os amigos, muito bate-papo descompromissado e o som de uma boa viola, de preferência uma “guarânia esgarçadeira” das fibras do miocárdio.
Em vez da descontração, nos vem à lembrança que, após o sábado, vem o domingo, vizinho da indesejável segunda-feira.
O santificado dia de repouso da semana, a todo instante nos faz recordar que logo ele irá terminar. Vem, então, à lembrança, a sequência de trabalho, nem sempre gratificante.
Quando desperto no sábado, instintivamente a minha primeira preocupação é ter a certeza que é sábado mesmo e que terei mais uma noite para dormir e acordar sem compromissos.
Já no domingo, levanto-me da cama com a tristeza de que no outro dia recomeçarei tudo outra vez. É como a ilusão de que os dias longos de sonhos reparadores para a alma e corpo tivessem encolhidos.
Fico com uma sensação de perda, de não ter prestado atenção que o tempo passou e, o pior, não ter aproveitado nada do planejado.
No domingo a cidade se transforma em um grande deserto, com suas ruas e avenidas como que adormecidas.
Naqueles que retornam das suas pousadas e chácaras desperta imensa melancolia, como se presenciássemos a passagem de um cortejo fúnebre.
O domingo é o dia mais curto da semana, contrastando com o charme da sexta e a alegria do sábado.
Impossível falar da sexta-feira, louvar o sábado, sem citar o domingo e lembrar-se da segunda-feira.
Discretamente vêm a terça, quarta e quinta-feira, onde toda essa nossa fantasia cultural é realizada sem alardes ou protocolos.
O domingo é o único dia da semana em que o almoço é servido mais tarde, base do tradicional almoço-ajantarado.
Depois é a sesta, futebol, cinema, teatro, dia da pizza para alguns e a música da vinheta do Fantástico, anunciando que o dia findou.
É o momento de dormir e tentar, na próxima sexta-feira, transformar em realidade as ilusões abortadas.

Gabriel Novis Neves
19-12-2013

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

METRÓPOLE VIRTUAL

Neste início de século surgiu uma metrópole diferente de todas as que conhecemos. Ela não ocupa nenhum espaço físico. Ela é uma metrópole virtual – a Carentolândia, terra dos carentes.
A Carentolândia é um dos braços da megametrópole “Rede Social Online”, e opera em variados níveis. Os “moradores” da Carentolândia se conectam através das redes sociais de relacionamentos, tais como, Facebook, Orkut, Myspace, Twitter, Badoo. Todos eles verdadeiros templos das mentiras, lamúrias e fantasias.
Seus usuários se muletam emocionalmente de uma maneira recíproca, ou postando fotos “selfies” ou acenando com os comprovantes fotográficos exibicionistas da vida maravilhosa  que, pretensamente, levam.
Totalmente fora de questão deixar transparecer sinais de angústias existenciais ou de uma vida trivial, comuns a todos os seres pensantes.
Existe uma necessidade premente de exibir as poderosas máquinas que dirigem, ainda que não sejam deles, as bolsas grifadas que compram, as viagens internacionais, juntamente com fotos ao lado das celebridades que encontram por acaso.
Enfim, são todos megalomaníacos de ostentação, visando impactar outros carentes menos afortunados.
Fenômeno que começou discretamente no início do mundo digital, tomou força e já  é uma tendência mundial, principalmente nas classes emergentes.
A Carentolândia prospera a passos rápidos, principalmente entre os representantes mais expressivos desse nosso mundo de futilidades.
Nunca vemos nesses exercícios exibicionistas, referência à descoberta de uma boa literatura, a encontros com pessoas do mundo da inteligência ou das artes. Preocupações sociais, então, nem pensar!
Programas televisivos de bom nível, poucos e raros, não atingem um centésimo da audiência  de, por exemplo, os Bigs Brothers da vida.
Os lugares mais visitados pelos habitantes da Carentolândia são sempre os paraísos da alienação e do consumo, tendo Miami como representante máximo.
Lá, até bem pouco tempo atrás, era dispensável o pensamento. Esse quadro está mudando paulatinamente, já que a cidade vem se tornando palco de inúmeros eventos culturais e artísticos.
Ao contrário de Berlim, atualmente um dos maiores centros mundiais em tecnologia e cultura, que é muito pouco falado como atração turística.
Meu conforto é que a parte positiva da Internet é bem extensa na maior parte dos outros setores.
É festa total para os interessados em cultura, cinema, em divulgação de bons espetáculos teatrais e artísticos, enfim, para  os que não pertencem à imensa Carentolândia, que, infelizmente, povoam uma fração expressiva do planeta Terra.

Gabriel Novis Neves
02-02-2014

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Mulher

Na época da minha meninice em Cuiabá quase não se encontravam automóveis pelas ruas.
Os poucos que existiam geralmente eram instrumentos de trabalho para alguns médicos, já que a maioria visitava seus clientes a cavalo ou pilotando pequenas motos.
Alguns coletivos ligavam o Centro da Cidade ao Bairro do Porto e ao distrito do Coxipó da Ponte. Estes tinham horários especiais com ônibus intermunicipais.
Nesse pequeno universo um fato me marcou profundamente: uma mulher dirigindo um velho automóvel importado Ford.
Perguntei ao meu pai o que aquilo significava, pois dirigir veículos era, até então, uma atividade exclusivamente masculina.
 “Sinal dos tempos” – me respondeu. Ele confessou-me que também nunca havia visto uma mulher dirigindo um carro.
Os homens realmente não entendem, nunca entenderam e nunca entenderão as mulheres, apesar das grandes conquistas femininas para se emanciparem do domínio masculino.
Hoje temos mulheres nas universidades fazendo cursos até há pouco tempo privilégio dos homens.
Até os cargos de Presidente da República estão sendo exercidos por elas, e com os mesmos defeitos de certos homens, especialmente quando o assunto é a ética na política.
Agora, imagine uma mulher desacompanhada, naquela época da minha infância, chegando a um boteco e pedindo uma bebida alcoólica.
No bar do meu pai, onde fiquei até deixar a província para estudar medicina no Rio de Janeiro, na metade do século XX, nunca vi uma mulher, nem acompanhada do seu marido. Que dirá então sozinha?
Mas, esta “motorista”, ia sozinha, sentava-se à mesa e pedia um vinho, transmitindo aos presentes certo ar misterioso.
As mulheres “sérias” daquela época não desafiavam a nossa tradicional sociedade conservadora, embora apreciassem as “uvas engarrafadas” em casa.
Meu pai, sabedor dos prazeres femininos pelos engarrafados de efeitos sonhadores, resolveu então reservar as mesas do salão da sorveteria - que ficava separada por uma porta do bar propriamente dito - para as mulheres tomarem os seus drinques, o que encantava as fantasias masculinas.
Esse salão “especial”, em vez de ter as portas para a Praça Alencastro, local onde a elite se encontrava para saber as novidades e assistir as retretas das quintas-feiras e domingos, tinha duas enormes janelas coloniais, onde algumas freguesas se debruçavam para contemplar o ambiente e, discretamente, emitirem comentários de fundo social.
Eu sempre por perto ouvia tudo com muita atenção. Comecei a entender um pouco de sociologia, podendo mesmo afirmar que ali iniciei os meus estudos.
Essas mulheres eram consideradas pela elite cuiabana como de baixa reputação moral, e elas sabiam do juízo que faziam delas.
A descriminação contra a mulher era tanta, que não existia sanitário feminino no bar, lugar de estímulo da diurese.
A bebida predileta delas era a cerveja bem geladinha com a garrafa “suando”.
Gostava de servi-las e ouvir fios das suas conversas. Alguns trechos eu nunca esqueci. Acho mesmo que fez parte da minha formação básica, onde tive o primeiro contato com a hipocrisia, pouco notada hoje entre as pessoas.
No espaço da sorveteria do Bar do Bugre, elas eram respeitadas e tratadas por “dona” antes do nome. Jamais alguém as desrespeitou.
Bons tempos aqueles em que, pelo menos nas mesas de um bar, os preconceitos eram barrados por alguém bem além do seu tempo...

Gabriel Novis Neves
04-01-2014

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

VIDA AO CONTRÁRIO

É frequente nas entrevistas que dou para estudantes que estão formatando teses de conclusão de curso universitário ou pós-graduação, responder a pergunta: “Doutor, como tudo começou?”
Sempre fui muito honesto em minhas respostas aos jovens e, há anos, sempre a declaração é a mesma - minha vida profissional começou ao contrário.
A curiosidade juvenil aumenta. Quer saber como alguém construiu uma vida cheia de realizações nas áreas da saúde e educação ao contrário, e no poder público.
Simplesmente aconteceu, reafirmo.
Explico: ao terminar o meu curso de medicina no Rio de Janeiro, e não me sentindo seguro para ser médico do interior, aquele que, não sendo especialista, tinha de conhecer todos os males do corpo e da alma, preferi ficar no Rio por conta de uma própria programação e estagiar nas mais diferentes clínicas da medicina básica.
Embora o meu foco fosse, desde cedo, a ginecologia e obstetrícia.
Hoje esses médicos são chamados de “médicos da família”, e o Brasil está importando esses profissionais.
Quando adquiri conhecimentos científicos que me tranquilizaram, retornei à minha Cuiabá.
Ao chegar, meus dois colegas de turma já eram profissionais muito bem conceituados no mercado de trabalho.
Fiquei apenas um ano como médico generalista, atendendo os “indigentes” na Portaria da Santa-Casa - nome mais tarde alterado para Pronto Atendimento e Partos na Sociedade Beneficente de Proteção a Saúde da Mulher e da Criança, duas entidades filantrópicas.
Nesse período recebi ajuda dos meus colegas mais antigos para sobreviver, auxiliando-os nas suas cirurgias particulares.
Isso demorou pouco mais de um ano, quando fui convocado a assumir a direção do único hospital psiquiátrico público no Estado ainda não dividido.
Foi o começo da minha carreira profissional ao contrário.
Dois anos depois, nova e perigosa missão. Fui “promovido” para ocupar o cargo de secretário de educação do colossal Estado.
Três anos se passaram e o grande desafio da minha vida: implantar uma universidade federal na selva.
O pior é que não me julgava capacitado para o exercício dessas funções, sempre ocupadas por servidores de carreira como prêmio final antes da aposentadoria.
Nunca pensei em ser administrador público. Preparei-me para ser um útil médico do interior, o que me foi negado pelo destino.
No início recebi essas missões como coisas ruins, opinião compartilhada pelos meus colegas.
Depois, reparei que elas foram mais facilmente metabolizadas por mim do que as boas coisas.
Tudo que é considerado bom costuma ter um início amargo. A vida é mesmo incompreensível, e essa genética do contrário continua a prevalecer na minha vida afetiva e profissional.
As artimanhas do acaso continuam me surpreendendo pela vida afora...
Continuo vivendo ao contrário, e muito feliz.

Gabriel Novis Neves
05-02-2014

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Que mundo!

Como são ingratas certas profissões! A do médico, por exemplo.
Dias atrás li um artigo em uma revista médica o relato de um dos maiores neurocirurgião acerca de uma complexa cirurgia que teve a duração de mais de doze horas.
Após a realização cirúrgica dirigiu-se aos familiares do paciente que aguardavam apreensivos pelo resultado.
Durante alguns minutos explicou a gravidade da intervenção e disse que, apesar das dificuldades técnicas do ato cirúrgico, o prognóstico era bom, tudo dependendo da evolução do pós-operatório imediato.
Após responder as inúmeras perguntas dos familiares e amigos do paciente, pediu permissão para se retirar, pois precisava descansar e o paciente estava sob os cuidados especializados na UTI.
A família alegre agradeceu “aos céus” pelo sucesso da cirurgia de alto risco.
O médico está treinado e preparado com este tipo de reação. Ele sabe que a ele só cabe a paternidade dos procedimentos malsucedidos.
Médico não cura, às vezes ajuda a aliviar o sofrimento. Não costuma esperar pelo reconhecimento dos seus pacientes pelos sucessos alcançados.
Não se sente injustiçado por esse hábito da nossa cultura. Essa é a vida de quem se dedica a essa profissão.
Outro exemplo de profissão ingrata é a do profissional da construção civil, especificamente, a de pedreiro. Esta, além de ingrata, é, muitas vezes, injusta com o profissional.
São eles – os pedreiros - os escultores de edifícios e apartamentos de beleza extraordinária. Entretanto, após a conclusão de seu trabalho não podem nem contemplar a beleza de sua obra. 
Soube outro dia que um homem humilde estava em frente a um edifício e que lá ficou por um determinado tempo olhando para o prédio. O porteiro, incomodado com a presença do estranho, avisou o síndico, que foi conversar com ele.
Ao retornar, o síndico esclareceu ao porteiro que aquele homem era um simples pedreiro, e que ele fez parte da equipe responsável pela construção do prédio.
O pedreiro estava, tão somente, admirando a sua obra de arte. Por sua simplicidade foi interpelado pelo síndico e, teve sorte, poderia ter sido pela polícia.
Assim são certas profissões – poderia citar umas tantas dezenas delas onde o reconhecimento do profissional não é frequente. Muitos ficam no anonimato e outros têm sua destreza e sucesso computados a outros.

Gabriel Novis Neves
05/02/2014


* Publicado simultaneamente no www.gnn-cultura.blogspot.com

domingo, 23 de fevereiro de 2014

OBRAS DA COPA

Não irei discorrer sobre o custo das obras da Copa nas doze cidades-sede, pois todas carecem do mesmo mal. Cito somente três exemplos: atrasos na entrega, má qualidade da construção e a previsão orçamentária inicial sendo ultrapassada, e muito, tornando-as caríssimas.
Aqui na nossa cidade, segundo relatório do Tribunal de Contas do Estado e informações da própria SECOPA, esses atrasos chegam há quase doze meses.
Quando isso acontece, alguém perde e outros ganham.
Os perdedores são visíveis - os pagadores de impostos, que assistem seu dinheiro perdendo-se pelos esgotos da administração pública.
Ganham aqueles que, afoitamente, foram beber as águas do sucesso fácil para suprir interesses pessoais e vaidades.
O pacote de obras mais importantes, e de grande visibilidade, foi licitada, e os contratos assinados sem um planejamento cuidadoso.
O projeto da Arena Pantanal foi feito e assinado às pressas, por motivos eleitoreiros.
O consórcio “vencedor” da licitação alertou nossas autoridades da necessidade de refazer o projeto para segurança da obra.
O tempo perdido, mais os inúmeros aditivos, fará com que esse campo de futebol, quando concluído, tenha dobrado o seu preço original.
A trincheira de acesso ao bairro Santa Rosa, a mais visível de todas as trincheiras por abrigar bairros da classe alta, também foi lançada sem um projeto mais sério.
Feitas as escavações, simplesmente encontraram a rede de água tratada que abastece a todos os bairros da nobre região.
Novo projeto para desvio da rede de água, aumento do seu custo, atraso colossal no cronograma de entrega da obra. Para efeito moral, recisão com estardalhaço na mídia e rompimento do contrato com a firma que executava o projeto do governo.
Esse “fenômeno” repetiu-se em todas as trincheiras e demais obras em execução.
O exemplo mais cruel é a da traumática substituição do transporte modal de BRT - já aprovado pelo governo e com recursos federais - pelo VLT.
O custo da obra, de R$ 400 milhões, passou para R$ 1.600 (um bilhão e seiscentos mil reais)!
O pior que essa conquista tecnológica só poderá nos ser útil após a Copa, cujo ano desconhecemos.
E os projetos sociais, culturais e turísticos?
Das três UPAS prometidas apenas uma foi entregue, e o funcionamento é precário, gerando insatisfação aos seus usuários.
As outras duas só em 2015, segundo informes oficiais.
Com relação à revitalização cultural do nosso patrimônio histórico e turístico, conversaremos após a Copa.
E agora José?

Gabriel Novis Neves
16-02-2014

Reforma agrária

Desde que me entendo por gente ouço falar na necessidade de uma séria e justa reforma agrária nesta nação.
Esse movimento pró-reforma agrária culminou com a revolução de 1964.
As chamadas elites, sociedade civil e militar, tiraram do poder o Presidente da República em exercício, eleito pelo voto popular, que no famoso comício da Central do Brasil no Rio de Janeiro, jurou que faria as reformas de base para modernizar esta nação, principalmente a reforma agrária.
Foi deposto e exilado, e o assunto ficou na lista dos assuntos proibidos.
Com a tal da redemocratização do país, no início timidamente, e com a posse do grupo do metalúrgico, o assunto voltou a ser tratado com maior intensidade e esperança.
Na nação dos grandes latifúndios, os doze últimos anos de esperança foram transformados em frustração com a grande manifestação em Brasília do MST a favor da prometida e esperada reforma agrária.
Cerca de vinte mil manifestantes tentaram invadir o Palácio do Planalto e, posteriormente, o da Justiça.
Foram contidos por um volumoso aparato militar da capital federal.
No dia anterior a presidente da República tinha ido à terra do agronegócio hipotecar apoio aos grandes fazendeiros, numa atitude eleitoreira, procurando apoio desse forte setor da nossa economia. Não se falou em reforma agrária, e sim, em projetos de ajuda aos produtores de alimentos, principal riqueza do Tesouro Nacional.
Como fazer a reforma agrária em um país onde o partido mais influente no atual governo, que é o Partido do Agronegócio, tem por única meta a perpetuação no poder?
Que país é este que coloca interesses de grupos acima dos interesses da nação?
O resultado é a baderna generalizada nas ruas, onde seus manifestantes, inclusive, recebem incentivos financeiros para tais fins. Tudo resultando na morte de um cinegrafista da televisão brasileira.
O Poder Constituído perdeu o controle com relação às violentas manifestações, e outros inocentes (como sempre) pagarão com a própria vida tantos desmandos e corrupção.
E a reforma agrária voltará a ser pauta prioritária - após a Copa do Mundo - de todos os candidatos à Presidente do Brasil.
Até quando?
O gado rompeu as cercas dos currais e está nas ruas...

Gabriel Novis Neves
13-02-2014

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

CONFERÊNCIAS

Há cinquenta e nove anos venho assistindo conferências, palestras, seminários, defesas de teses, aulas sobre assuntos médicos.
Lembro-me da primeira palestra em que estive presente. Foi no Hospital Miguel Couto, à noite, no Rio de Janeiro. O palestrante foi o professor Nova Monteiro, com o tema “Traumas”.
Era o ano de 1955, e marcou o início de uma interminável rotina que cumpro até os dias de hoje.
Nesse pacotão incluo temas interessantes defendidos com brilhantismo por muitos mestres, e outros não tão atrativos.
Dia desses, aqui no nosso Conselho Regional de Medicina (CRM-MT), tive a oportunidade de presenciar a uma das mais brilhantes conferências da minha carreira médica.
Foi o relato da tese de doutorado do nosso conterrâneo, o médico José Pedro Rodrigues Gonçalves.
 “Cuidado original. Ética e técnica no final da vida.” Era o tema.
Didaticamente, durante setenta e cinco minutos, o erudito conferencista demonstrou todo o seu conhecimento de como exercer a medicina no século XXI.
Propôs mudanças avançadas, pregando uma nova relação do ser humano com a ética, a técnica, a vida e a mente.
No mundo dominado pela tecnologia, onde a medicina está impregnada com a ideia da sua eficiência, poucos suportarão  que este é o momento de abandonar a medicina dos protocolos fabricados pelas universidades, incentivadas pelas indústrias de equipamentos e medicamentos.
Tratar de um corpo doente não é atividade médica prioritária e, sim, cuidar do indivíduo para salvá-lo da doença.
Superar vulnerabilidades humanas inibe as doenças. Vida saudável é aquela que incorpora valores úteis à nossa qualidade de vida.
O médico moderno é aquele que consegue a aceitação do seu paciente.
O humanismo está sendo vencido em um setor onde nem sempre a tecnologia resolve.
Felizmente temos ilhas de avanços, como o grupo que trabalha com o tratamento compartilhado, onde a doença não é vista com uma patologia individual, e sim, do grupo familiar.
Para tentar alcançar a sua eficácia, todos os familiares devem se tratar com uma equipe multidisciplinar, ou dificilmente haverá a possibilidade de se recuperar a saúde perdida.
A educação mal conduzida produz neuróticos com sentimentos de culpa, e a dignidade das pessoas é um bem inegociável.
Lembrei-me muito do sábio Einstein. Dizia ele que não suportaria vivenciar o dia em que o humanismo fosse derrotado pela tecnologia.
Esse dia chegou. Só a educação de qualidade e para todos poderá nos salvar.

Gabriel Novis Neves
13-02-2014

* Publicado simultaneamente no www.gnn-cultura@blogspot.com

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

São Pedro

Agora não dá mais para esconder os reais motivos dos apagões que atormentam este país.
O Brasil vive administrando uma das maiores crises energéticas desses últimos dez anos.
Quando surgiram os primeiros sinais da falta de energia elétrica dos apagões pontuais, logo transformados em generalizados, os técnicos do governo diziam que isso era mais um boato dos “profetas do atraso”.
Pura invenção da extrema direita e dos saudosistas da ditadura diante de uma esperada vitória do continuísmo do grupo do mensalão.
Com o agravamento da situação vieram as explicações oficiais, tranquilizando a nossa população.
Segundo o Ministro, que herdou o ministério da atual Presidente, o Brasil tem sua rede energética muito bem protegida para evitar uma tragédia de falta de energia em um país em desenvolvimento.
Tudo estava sob controle, afirmava o alto funcionário do governo.
No entanto, na prática, os apagões se multiplicavam. Veio então a necessidade da primeira justificativa técnica.
O Brasil é o país dos raios, portanto, eles eram os responsáveis pelos apagões. Devido a esses problemas meteorológicos sazonais, foi sugerida atenção especial na manutenção dos para-raios existentes.
A situação se agrava. Os telejornais mostram ao mundo os reservatórios e as represas quase secos, lembrando paisagens desérticas.
O que abastece Brasília é o mais grave, e está na zona de alerta total.
As imagens produzidas pela televisão são assustadoras e todos viram a causa dos apagões.
A realidade é que o governo se distraiu investindo em tantos eventos esportivos internacionais, como os jogos Pan-americanos - de triste recordação no esbanjamento de recursos públicos -, Copa do Mundo e depois Jogos Olímpicos, que deixou de investir na expansão e proteção da nossa rede elétrica.
O Ministro afirma que o risco é mínimo para a falta de energia, só que, há uma semana, dizia que o risco era zero.
Afirma que “apagão é uma coisa e desabastecimento é outra”, mas em ambos falta energia...
 “Responsáveis são as condições climáticas adversas e dependemos única e exclusivamente de São Pedro para resolver o nosso problema.”
Basta o Santo que edificou a Igreja Católica parar com as chuvas em Rondônia e Acre e transferi-las para o nosso Centro-Sul desértico.
Ficamos assim, ou São Pedro nos ajuda ou vamos para o brejo.

Gabriel Novis Neves
15-02-2014

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

VERDADE

A questão do menor abandonado – e de todas as consequências advindas - não é de hoje. Ela faz parte de um círculo vicioso da pobreza que os governantes não conseguem e não querem romper.
Quando acontecem problemas graves envolvendo menores nas ruas, vêm os “especialistas”, geralmente nos programas de televisão à tarde, para interpretarem o “fenômeno” e deixarem a suas receitas milagrosas.
E haja aconselhamento aos pais desses menores infratores, na sua maioria emergentes das classes sociais menos favorecidas.
Os “professores”, descendentes da “Barbie”, que de crianças querem distâncias, recomendam que os pais, ao chegarem do trabalho, brinquem um pouquinho com os seus filhinhos antes de tomar banho e jantar. Estarão, com esse gesto, demonstrando um grande ato de amor aos pequenos.
Acontece que a grande maioria dos trabalhadores brasileiros possui uma jornada de trabalho altamente estressante.
Para começar, tem de acordar de madrugada e enfrentar o horror que é o nosso transporte público. Depois de trabalhar por oito, ou mais horas, e com um salário aviltante, tem que enfrentar, outra vez, a maratona de voltar para casa. Lógico que, ao chegar, este trabalhador esteja exausto, tanto fisicamente quanto emocionalmente.
Só existe mesmo a vontade de se jogar na cama e dormir, para recomeçar tudo no dia seguinte.
A mulher se trabalha fora do lar, geralmente enfrenta os mesmos problemas do marido. Acrescido do caos que é encontrar uma creche para deixar os pequenos.
E, caso contrário, não é menos estressante o seu dia a dia, pois cuida de todos os afazeres domésticos: limpa a casa, prepara o almoço, lava e passa as roupas, faz as compras na feira - bem no final do dia quando os preços são mais favoráveis.
E ainda tem de cuidar das crianças, trabalho que exige muita resistência física e controle emocional.
À noite, está mais para um banho terapêutico que para conversar sobre crianças com o marido cansado. Elas, no início da vida, vão crescendo sob controle em casa, nas barras da saia da mamãe.
Quando os pais conseguem matriculá-las em uma escola pública, inicia-se a tragédia programada.
A escola não é atrativa, embora muitas possuam esse nome, totalmente distante das expectativas das crianças.
Vulneráveis, são inevitáveis seus contatos com os traficantes de drogas que fazem ponto nas portas das escolas.
Está indicado o caminho para o crime impressionantemente sedutor para os menores criados nesse caldo de cultura social, sem políticas públicas sérias de proteção aos nossos baixinhos.
Ouvimos e lemos pela mídia muito blá-blá-blá do governo para uma sociedade insensível sobre este assustador problema que corrói o futuro da nação.
Quantas mulheres, mesmo sabendo que a maternidade é um instinto, assumem, sem culpa, a responsabilidade de não terem filhos.
É melhor assim. As crianças devem conviver em uma sociedade apta para lhes oferecer todas as condições necessárias ao seu bom e sadio desenvolvimento.
As políticas sociais em vigor são uma calamidade. E essa irresponsabilidade se traduz na infelicidade de muitas mães, pais e filhos.
Essa é a verdade.

Gabriel Novis Neves
01-01-2013

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Pretensão

O ser humano é uma das coisas mais complexas da natureza. Tarefa árdua, e quase impossível, é a tentativa de decifrar e entender o que se passa na mente desta espécie animal.
Mas, o homem, na sua vaidade, muitas vezes tem a pretensão de conhecer profundamente seus semelhantes, especialmente os chamados de mais íntimos.
Será que alguém acha mesmo isso ser possível? Sei que muitos têm essa certeza. Certeza dessas “invasões”. Certeza de que sabe quem realmente somos, quando na verdade, cometem grandes equívocos - tão comuns na maioria das vezes.
Quanto mais temos certeza que conhecemos até o avesso das pessoas que nos são próximas, mais surpresos ficamos ao descobrir o quanto estávamos errados.
E isso é apenas a ponta do iceberg... É uma ingenuidade pensar que alguém irá contar espontaneamente a verdadeira história de sua vida para quem está sempre ao seu lado e um dia poderá não ser mais seu amigo.
Para com uma pessoa totalmente desconhecida, um esquimó, por exemplo, tenho absoluta convicção que muitos revelarão com detalhes todos os seus sentimentos verdadeiros. Pois é remota a possibilidade de receber uma visita de cortesia de alguém tão distante e desconhecida.
Essas “confissões” são muito parecidas com as dos portadores de lesões do núcleo afetivo, que não conseguem se relacionar com os mais próximos, como pais, irmãos, familiares, colegas e amigos do dia a dia.
Entretanto, com que facilidade eles se tornam íntimos de pessoas bem distantes deste núcleo, a maioria conhecidos ocasionais, cujos nomes desconhecem.
Tornam-se confidentes de extrema confiança, depositando neles toda a sua verdadeira história de vida, sem restrições.
É comum rotular essas pessoas com frases curtas e simples, como bom, sério, idôneo e outras mais, que parecem fáceis porque não entendemos nada de nada.
Como diz o “pobre marquês” do Porto sobre conhecer pessoas: “nada mais falso que tábua de andaime...”.
Quando deixaremos de ser presunçosos e achar que fulano é meu melhor amigo, meu confidente ou, entre nós não há segredos?

Gabriel Novis Neves
06-02-2014

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

POLÍTICO

É aquele ser humano que nunca falha. Quando quer voto promete tudo com a maior tranquilidade do mundo, demonstrando até sinceridade, fato incomum na maioria deles.
É o momento das promessas do “se eleito for”.
Juras de amor as mais difíceis de serem cumpridas são lembradas.
 “Se eleito for”, quando consegue o seu intento e chega lá, parece acometido de verdadeira amnésia. Não se recorda de nada do prometido em campanha e prefere seguir os ensinamentos de Matheus – “Primeiro os meus”.
Emprega toda a família e aderentes no governo em cargos privilegiados, burlando a lei do nepotismo e teto do funcionalismo, com ginásticas jurídicas e contábeis de especialistas no assunto.
Mas, quem planta vento colhe tempestade, diz a sabedoria popular, e o troco vem nas próximas eleições, não no sentido cívico de derrotar esse “ser especial” nas urnas, porém, superfaturando o valor do seu apoio político.
Mal sabem os inocentes pagadores de impostos sem nenhum retorno social para a melhoria das suas condições de vida, que esse mestre na arte de iludir, durante o seu mandato, sabedor da nossa cultura ideológica, faz “economia” para esses gastos programados.
E de promessa em promessa nos encontramos nesta situação atual de total atraso na corrida para o nosso desenvolvimento sustentável.
Vivemos o sonho que o nosso dia chegará e que nos livraremos das amarras dos velhos currais comandados pelos “coronéis” imortais da nossa política de cabresto.
Precisamos de muita escola para transformar sonhos em realidade. Infelizmente, por herança de colonização, continuamos a não valorizar a educação, único motor do desenvolvimento de uma nação.
Preferimos um povo ignorante, bem mais fácil de administrar para manter o “status quo” da vergonha.
Será que a Copa, com times de países com níveis de desenvolvimento humano bem superior ao nosso e que alcançaram essa meta pela educação como o Japão e Chile, despertará este gigante adormecido que é Mato Grosso com os seus infindáveis recursos naturais e território generoso em terras férteis e uma gente boa e trabalhadora?
O maior legado desse imenso sacrifício imposto ao nosso povo, que é a Copa, seria recompensado com o despertar para o sentimento da educação para todos e de qualidade.

Gabriel Novis Neves
08-02-2014

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Saber?

Que sei eu, se o conhecimento é fabricado tão abundantemente, disponibilizado na rede mundial pela Internet, atingindo, em segundos, os habitantes deste estranho Planeta?
Uma verdade às vezes tem o prazo de validade de um clique nessa maquininha diabólica, popularizada por esse gênio chamado Bill Gattes.
O mundo sempre priorizou o “oito ou oitenta”. Hoje coisas do passado já não têm tanto interesse,  já que todo o presente está escancarado  na era digital.
Não há mais novidades a comentar, tudo é velho no conhecimento de todos.
Sou da geração da ciência imutável!
Diziam que o médico abria pela última vez o seu livro de medicina no dia da sua colação de grau.
Depois era o exercício da profissão até o final da sua existência.
As coisas mudaram, e como! Hoje o paciente chega para a consulta depois de se informar no Google sobre o seu problema.
O pior é que nós - os idosos - não estamos preparados para essa verdadeira avalanche de informações.
Tenho enorme cuidado em evitar o “eu sei”. Será que certas “divindades” existentes nesta sociedade de consumo têm conhecimento que eles passaram e o mundo continua com as suas conquistas?
 “Pensar é descrer”, escreveu Fernando Pessoa.
 “E o que fazer se tudo é tão difícil de compreender”!...
Vivemos em um país onde é proibido pensar. Então como saber?
O patrulhamento ideológico está implantado e consolidado nesta terra de Cabral, onde em se plantando tudo dá.
Veja a superlotação dos nossos presídios, alguns até reformados para atender uma clientela de melhor “poder” aquisitivo.
Onde o politicamente correto é o artigo pétreo deste “Estado democrático e de direito em que vivemos”.
Para que serve saber se os valores válidos da nossa vida, como ser feliz, por exemplo, nos são negados?
Fácil de saber só o “leve e azul do céu”.
O resto é tão difícil!

Gabriel Novis Neves
29-01-2014

sábado, 15 de fevereiro de 2014

MITOS CUIABANOS

Nossa gente sempre gostou de cultuar figuras folclóricas da cidade. Com o tempo muitas delas se transformaram em mitos.
De todas as figuras folclóricas da minha infância citarei apenas três. Elas caíram no agrado popular e são reverenciadas até hoje. Pelas suas peculiaridades são consideradas precursoras da modernidade.
São eles: “General Saco”, “Peteté” e “Maria Taquara”.
O “General Saco” era um morador de rua esquizofrênico crônico. Passava o dia todo discursando nos lugares onde havia público. Vestia-se com um paletó cheio de velhas medalhas sem nenhum valor grampeadas no casaco. Algumas delas eram simples tampas de cerveja.
Ganhava parcos cruzeiros (moeda da época) dos pacienciosos cuiabanos para a sua manutenção. A população se divertia com o seu chato palavrório, origem do seu apelido “General Saco”.
 “Saco” era uma expressão muito usada naquele tempo e significava paciência.
Morreu onde viveu - na rua. Nunca despertou a compaixão nem a solidariedade de ninguém. Serviu de diversão e deboche para a sociedade.
 O “Peteté” era um oligoide, negro e andarilho, apesar de manco. Perambulava por aí elegantemente trajado e sempre com um leque – ou abanico – nas mãos. Falava “tatibitate”, tinha a língua presa, origem do seu apelido. Fazia a alegria da criançada com o seu linguajar, vestuário e trejeitos comportamentais extravagantes.
Finalmente, a mais famosa das personagens das ruas da minha meninice – “Maria Taquara”.  Transformada em mito após o seu falecimento com direito póstumo a ser nome de praça com a sua escultura.
Quando viva, essa mulher magérrima, de corpo fino tal uma taquara, desfilava sem roupa no meio das ruas de Cuiabá, falando alto frases desconexas, incompreensíveis e causando pavor às crianças, que se agarravam com força ao corpo dos adultos que as acompanhavam.
Hoje essa cena seria impossível de ser vista, pois a polícia prenderia a pobre e necessitada mulher por atentado violento ao pudor.
Transformada em mito, é considerada uma mulher exemplo de comportamento libertário, a ser seguido como modelo pelos jovens.
“Maria Taquara” foi uma mulher que nunca contou com a compreensão ou com solidariedade humana da nossa população. Uma doente emocional abandonada à própria sorte.
Carinho. Sentimento que nunca esteve presente aos mitos que criamos.

Gabriel Novis Neves
08-02-2014