quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Errei sim

Quando faço uma pergunta cuja resposta só pode ser sim ou não e o meu entrevistado começa a “rodear o toco”, já sei que está ganhando tempo para formular a resposta enganosa. Há poucos dias estava em um grupo de médicos quando alguém perguntou por que o estado não concluía o Hospital Central ou construía um novo.

Cuiabá é a única capital brasileira que não possui um hospital estadual de referência. O secretário de saúde, após “rodear o toco”, respondeu para o desespero dos ouvintes, que não havia necessidade de o estado possuir um hospital em Cuiabá. Que vários programas de saúde eram desenvolvidos pela secretaria, causando grande impacto na prevenção das doenças. Eu me lembrei, mas não comentei, do mais importante programa de saúde da secretaria que é os “Doutores da Alegria”. Recuperados do choque pela afirmação do secretário e, como é tradição nestes casos, encontrar o culpado foi o assunto principal.

O hospital metropolitano de Várzea Grande não funciona por que o governo federal prometeu equipá-lo e diante da crise econômica não pôde cumprir com o prometido. O hospital Julio Muller II está sendo licitado.

Pelo amor de Deus! Temos que rezar e muito para o tempo passar o mais rápido possível e alguém com sensibilidade social assumir funções sociais neste estado. Agora estamos na fase do jogo de empurra-empurra para saber quem são os responsáveis pelo desastre da saúde pública em nossa capital e no estado. Os gestores locais não admitem que estamos diante de um fracasso dos governos federal, estadual e municipal. Isto tem que ficar bem claro para a população. Não é mais possível suportar equívocos históricos, mitos de pés de barros e aproveitadores das desgraças humanas.

Reunam-se gestores públicos! Após sete anos de bobagens, chamem o Zezé de Camargo e Luciano - que os empresários pagam a conta (!) - e façam um show com o sucesso da Dalva de Oliveira: errei sim.

Povo esclarecido é povo agradecido.

Gabriel Novis Neves
24-10-2009

terça-feira, 27 de outubro de 2009

PODER

Se quiser pôr a prova o caráter de um homem, dê-lhe poder.” – Abraham Lincoln.


Quando cedo liguei o rádio do meu carro, o comentário era sobre mais uma das infelizes frases do nosso presidente. Desta vez, não medindo conseqüências, ofendeu a célula principal do seu sucesso: a Igreja Católica e as outras igrejas que crêem em Jesus Cristo. A infelicidade das frases do nosso presidente repercutiu tanto que mesmo com a “taxa de zelo” em dia, foi o principal comentário em todos os programas de rádio, televisão e jornais - sempre desfavoráveis ao “cara”.

O sapo barbudo simplesmente comparou-se a Jesus Cristo para justificar as suas atuais estranhas amizades. Disse que Jesus Cristo era amigo de Judas e que Jesus negociava com ladrões e bandidos. Jesus nunca negociou com fariseus, pelo contrário, expulsou-os da sua casa. Com ladrões e bandidos, tentou convertê-los.

Ora gente! Além de cometer o pecado da mentira, o Presidente tentou justificar com este aforismo o seu apoio aos mensaleiros, aos ladrões de dólares na cueca, e o perdão para “aquele” que outrora era considerado pelo metalúrgico, representante dos Bispos do Brasil, como o maior grileiro de terra deste país. É demais!

Até que ponto o poder expõe o caráter de uma pessoa! Ele considera-se Jesus Cristo. Se esta afirmação fosse feita em um ambulatório do SUS, imediatamente ele seria internado para seções de eletro choque. Ficaria na enfermaria com Napoleão Bonaparte, Hitler, Stalin, com um leito vago, esperando pelo Apóstolo Fidel, o da ilha.

“Poder é o camaleão ao contrário: todos tomam sua cor” - Millôr Fernandes. Essa é a cor do sapo barbudo. Os interinos ou contratados por tempo determinado para exercer o poder, mesmo no mais alto trono do mundo, estão sempre sentados sobre o seu rabo – gritava o filósofo francês.

Estamos vivendo em Mato-Grosso um momento muito especial, de total intolerância dos nossos governantes, diante do nosso principal problema que é a Saúde Pública. Técnicos não resolvem problemas, apresentam soluções. A decisão é sempre política. Certa ou errada, os políticos vão ter que tomar uma decisão para resolver este problema, que nos envergonha como cidadãos e pessoas civilizadas.

Mas o poder subiu à cabeça dos nossos governantes, e o pior é que eles não sabem que isso só acontece – do poder subir a cabeça - quando encontram o local vazio. Julgam-se, embora não se manifestem, como Jesus dos mato-grossenses e cuiabanos. Desconfio que tenha gente aqui querendo promoção para Deus.

O poder além de expor o caráter das pessoas, demonstra a sua verdadeira aptidão: exercer o poder apenas pelo poder. Aquele poder que mata esperanças, sonhos e pessoas; aquele poder de poder controlar homens.

Os poderosos não suportam ouvir “não”. Todas as vezes que disser não a eles cuidado para não ser ouvido. Até quando os nossos poderosos governantes, homens religiosos e de fé, irão continuar nesta incômoda posição de dizer não à população pobre, roubando-lhes a paz, a saúde e a dignidade em troca de festas profanas com duplas caipiras e comportamentos inadequados diante do sofrimento do povo do maior colégio eleitoral de Mato-Grosso?

Todo poder é transitório, lembrem-se!

Gabriel Novis Neves
23 de Outubro de 2009

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Onde estão vocês?

Ouço tanta gente dizer que ama Cuiabá que às vezes sinto despertar em mim um sentimento de culpa. Será que amo mesmo a minha cidade? A minha vida é uma demonstração contábil do meu compromisso com a cidade verde. Nos momentos em que a minha cidade precisou de voluntários para a sua defesa, sempre me fiz presente.


Estou indagando onde estão aqueles que usam espaços generosos de jornais, rádios, televisão, internet e outdoor para afirmarem que amam Cuiabá. A escolha da nossa carente cidade como uma das subsedes da Copa, fez aparecer centenas de outdoor pela cidade com nomes de pessoas que, tenho absoluta certeza, não amam Cuiabá. E a despesa para mostrar este falso amor é paga por nós.


Onde estão os nossos vereadores, com exceção do nosso vereador médico? Onde estão vocês deputados estaduais eleitos por Cuiabá e aqueles que bicam votos por aqui com juras de amor pela cidade? Onde estão vocês nossos deputados federais e senadores? Os chefes e assessores de saúde dos governos estaduais e municipais estão sempre muito ocupados. Uns, em shows de música sertaneja pelo interior do estado, outros, promovendo palestras sobre reformas de hospitais.


Mas a prioridade do Estado, ontem, é resolver o problema da saúde pública, principalmente em Cuiabá e Várzea Grande. Há gente morrendo nestas cidades por incompetência e descaso das nossas autoridades. Isto é crime contra a humanidade! Quando os pedidores de votos irão desconfiar que os seus eleitores estão morrendo e aqueles que conseguem sobreviver, não aprovam aquelas atitudes? E os dois maiores responsáveis por esta tragédia são candidatos a cargos majoritários nas próximas eleições e irão precisar de muita ajuda deste povo que eles abandonaram.


Triste comemoração do dia de São Lucas! Só o Nosso Senhor Bom Jesus de Cuiabá poderá ajudar a nossa população, especialmente a mais pobre, a não perder as esperanças.


Aos trabalhadores da saúde, paciência e resignação. Aos nossos governantes transitórios, lucidez para resolver esta tragédia. Com certeza o padroeiro da cidade irá também conceder aos que maltratam Cuiabá, uma severa penitência.

Gabriel Novis Neves
19-10-09

APELIDOS

Cuiabá possuía nações indígenas destacando-se as do Paiaguás e Coxiponés. Foram totalmente dizimadas pelos nossos bravos bandeirantes. Como cidade de índios, seria natural que os seus filhos fossem chamados de índios ou indiozinhos. Herdamos o carinhoso apelido de bugre e bugrinhos.


Quando nasci, existiam tantos bugres por aqui que era necessário usar um sobrenome para melhor identificação. Assim surgiu o bugre do bar, o do porto, o da padaria, o do cemitério, o do açougue, o do ônibus e lá se vão os sobrenomes geralmente de acordo com a sua profissão. Os sem profissão, eram chamados de Bugre com sobrenome: o Bugre do Henrique, o Bugre do Jorge, o Bugre do Arruda, etc. seus filhos eram bugrinhos.


Por direito adquirido eu seria bugrinho, filho do Bugre do Bar. Perdi o apelido para dois amigos mais velhos, baseado na lei onde tempo é direito. Um era o bugrinho da mandioca, filho de Dona Janoca, mais tarde famoso, como Silva Freire. O outro bugrinho famoso era jogador de futebol (Americano Futebol Clube) e músico do carnaval. Não tive como competir com esses dois ícones da nossa cuiabania.


Ao completar 70 anos ganhei como presente de aniversário um apelido carinhoso de um amigo batalhador: “Índio Véio.” Será que o Villa, possuidor do direito autoral do “Índio Véio”, tentou resgatar a história da nossa cidade indígena? Lembrar aos jovens que tínhamos índios de verdade pescando no rio Cuiabá? Índios proprietários desta enorme área, mais tarde chamada de Cidade Verde? Índios guardiões dos nossos tesouros e segredos?


E esses proprietários das terras sagradas deste pedaço do Brasil eram solidários com seus visitantes. Os paulistas que aqui chegaram atraídos pelas nossas riquezas ficaram empacados às margens do rio Cuiabá e não sabiam pescar. Os índios que a tudo percebiam, se aproximaram dos visitantes e ofereceram o que retiravam do rio para sua sobrevivência.


Um dia, com o rio cheio, os nativos não conseguiram retirar o peixe, e foram solenemente castigados e humilhados pelos visitantes. Embrenham-se na mata e no local onde hoje é a Igreja de São Benedito, retiram uma gigantesca pedra de ouro e levam aos seus algozes. Os índios e o ouro desapareceram de Cuiabá.


O Villa ressuscita a história para a reflexão sobre a invasão de “benfeitores”, me concedendo o título de “Índio Véio” que muito me honra.

Gabriel Novis Neves
21 de Outubro de 2009

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Constrangimento

É possível ser a favor e contra ao mesmo tempo? Parece pegadinha ou pergunta de louco, mas não é. Nesta semana de crise intensa na saúde pública a população de Cuiabá e Mato Grosso foi surpreendida pelo tumor que veio a furo. Entendeu que em política o sim e o não são sinônimos. Nada mais constrangedor que perguntar ao Presidente da República, Governadores e Prefeitos se eles repassam para a saúde os recursos determinados pela Constituição. A resposta é tão confusa que mais parece uma conversa do Caetano ou Gil.

Muitos preferem o termo saia-justa. São obrigados a mentir - falando sério - mas logo o detector de mentiras acusa a fraude. Aí, vem o jogo de empurra-empurra dos culpados em não cumprir as leis sem serem punidos. As justificativas são geniais: “Da minha parte fiz a tarefa de casa”, e os outros que se danem. Geralmente este texto é o preferido dos Governadores.

A verdade, segundo o jornal “Folha de São Paulo” de 14/02/2009, é que dos 27 governadores, 16 aplicaram menos que os 12% dos recursos obrigatórios na saúde. O que fazem os espertos governadores para tentar iludir a opinião pública? Incluem nas contas da saúde: tratamento de esgoto, plano de saúde dos funcionários estaduais, aposentadorias dos servidores da saúde, alimentação de presidiários e programas sociais estilo Bolsa-Família. Com isso tiram o dinheiro destinado para a construção de hospitais, compra de medicamentos de alto custo e ampliação da rede básica.

Em termos de Brasil são milhões de reais desviados da saúde. No Congresso existe um projeto de lei que define o que é investimento em saúde. Há muitos anos está parado porque, tanto o Governo Federal como os Estaduais e Municipais são contra. Os deputados federais e senadores na sua imensa maioria dependem das migalhas de agrados desses níveis de poder para a carreira que escolheram: a política. A crise na saúde é generalizada. É uma peste nacional. Como o Governo Federal dá o exemplo de não cumprir a lei, os Governos Estaduais e Municipais fazem o mesmo. Quem sofre com isso é a nossa população pobre e a corda acaba sempre arrebentando do lado mais fraco.

A população de Mato Grosso está morrendo à míngua e a grande caixa de ressonância desta incompetência é a nossa capital. Vejo diariamente tragédias acontecendo por absoluta insensibilidade dos nossos governantes. A situação é gravíssima! Não tenho nenhuma informação de caravanas indo à Brasília lutar por mais recursos para a saúde. Caravanas saem daqui com políticos importantes comandando o bloco para pressionar o Banco do Brasil a perdoar dívidas dos nossos abonados agricultores.

No caso da saúde os políticos se comportam como Pôncio Pilatos. O povo está morrendo por falta de uma política de saúde com financiamento constitucional e os culpados sempre são os pequenos funcionários públicos que ganham salários de oitocentos reais por mês.

Vamos fazer psicanálise senhores políticos para a cura da doença da omissão! E acabar com o delírio de perseguição projetado em quem não tem culpa. Não é possível não, ser a favor e contra ao mesmo tempo, tá? Libertem-se do constrangimento, falem a verdade ao povo e eles entenderão!


Gabriel Novis Neves
Cuiabá, 20/09/2009

Ainda sobre o Dia dos Médicos

Quando recém-formado retornei à Cuiabá, na segunda metade do ano, para exercer a minha profissão de médico, logo participei da festa de São Lucas. Éramos poucos médicos na cidade de menos de 100 mil habitantes. Para coordenar os festejos de 18 de outubro era sempre escolhido um rei (médico) e uma rainha (esposa de médico). A festa consistia em uma missa na Capela da Santa Casa, seguida de chá com bolo e logo um almoço em lugar previamente escolhido. Os festeiros se encarregavam de tudo: dos convites, dos presentes para as crianças filhos e filhas dos médicos, do almoço e das sobremesas. Não havia show e nem se pensava em terceirizar aquele serviço que era feito pelos festeiros e comunidade médica, com muito amor. Jamais poderia imaginar que um dia esta data fosse utilizada como dia de protesto pelo descaso das nossas autoridades pela saúde pública!

Ontem, em vez da missa na Capela da Santa Casa, estava em cima de um caminhão com centenas de colegas pedindo proteção a São Lucas e ao Nosso Senhor Bom Jesus de Cuiabá. Médico na rua significa hospital sem médico. E o que pedimos é tão pouco! Queremos apenas ser tratados como Lucas era tratado por Paulo – que sempre se referia a seu médico Lucas, como “meu amado médico”.

Repudiamos o tratamento dos governantes temporários em nos qualificar como mafiosos, mercenários e preguiçosos. Nós médicos temos serviços permanentes e, não sazonais, prestados à sociedade.

Os institutos de pesquisas no Brasil demonstram, com isenção, a opinião da população com relação aos médicos e com aqueles que adotaram a política como profissão. Queremos dignidade, condições de trabalho e respeito por parte dos interinos que exercem o poder.

Durante a “procissão” do dia de São Lucas na carroceria de um caminhão, senti o carinho de aprovação da população de Cuiabá ao movimento dos médicos. Os humildes na rua nos trataram como Paulo se referia à Lucas. Senti-me amado pela população!

A resolução deste incrível impasse só será resolvida pelo protetor de Cuiabá – o Nosso Senhor Bom Jesus.

O final da “procissão” foi ao lado da Matriz, não por acaso, ou porque os interinos do poder passam por ali e sim porque o nosso padroeiro estava lá.

Continuo de luto pela morte da Saúde Pública!

Gabriel Novis Neves
20-10-2009

Conversa de rua, ou dia dos médicos?

Saí de casa às cinco horas da manhã com o dia claro e encontrei quatro mulheres humildes que, com toda certeza, estavam a caminho do trabalho. Conversavam em voz alta e falavam ao mesmo tempo, disputando a algazarra com os cânticos dos pássaros da primavera.

A alegria e a emoção que elas me despertaram só encontro em bando de crianças no recreio da escola. Diminuo a minha marcha para saborear melhor aquilo que ouvia. O esforço que fiz para não esquecer o assunto da conversa até chegar em casa e passar para o computador foi enorme.

Pareciam mulheres que já haviam ultrapassado o meio dia da vida. Carregavam em seus rostos traços de sofrimento, desilusão e de muita luta pelo dia-a-dia, envolto, porém em uma aura de felicidade natural. O que conversavam era de uma beleza ímpar. Sem nenhuma ordem vou tentar reproduzir este raro momento de encantamento para mim, que foi o de encontrar pessoas alegres:

“Amanhã começa o tal horário de verão.” “Eu não gosto.” “Passarinho não canta no escuro.” “às vezes choram à noite.” “Lá em casa acordo sempre com a algazarra dos sanhaços na goiabeira.” “E a anarquia que fazem comigo é no pé da acerola.” “Saindo de casa no escuro não ouviremos mais os passarinhos.”“ E o pior é o medo de ser assaltada no escuro.” “Se pelo menos o assaltante não fosse ladrão até que valia a pena.”

Foram às gargalhadas.

Atrás do grupo me continha, em passos curtos, para aferir tanta poesia em gente aparentemente tão sofrida. Elas dobram à esquerda. Eu continuo, pensando no vazio que é o nosso mundo. Amanhã, com o novo horário, estarei comemorando o Dia de São Lucas, o padroeiro dos médicos. Haverá um culto ecumênico, depois chá com bolo e uma procissão até a Praça Alencastro ao lado da Matriz. Irei participar e agradecer ao São Lucas pela profissão que escolhi.

Depois, ao lado da Matriz onde está o padroeiro de Cuiabá, o Nosso Senhor Bom Jesus, pedirei pela saúde pública de Cuiabá: rogarei clemência para a crueldade e o descaso dos poderosos; perseverança na luta para que nós médicos possamos suportar e modificar este momento; paciência e confiança ao povo sofrido, por melhores dias.

Senhor Bom Jesus de Cuiabá a sua gente está sofrendo! A soberba, a prepotência, o orgulho e, principalmente a politicagem estão destruindo a profissão de São Lucas. E os necessitados e pobres são os grandes perdedores.

Iluminai Bom Jesus a todos nós – população, médicos e governantes – para a solução do problema da saúde pública!

Este ano não irei à festa de São Lucas porque não é possível festejar o dia dos médicos sem pensar nos pacientes. Pacientes sem atendimento médico e médico sofrendo. Não tenho nada a comemorar. Não é impossível para o padroeiro de Cuiabá nos dar de presente neste dia – PAZ.

Que venha com urgência a solução para resolver este desgastante e desumano impasse.

Abraços de paz.

Gabriel Novis Neves
17-10-09

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

A vida como ela é

Empresa gaúcha vai assumir o pronto-socorro de Cuiabá. Médicos não chegam à Capital. Pacientes lotam unidade de Várzea Grande. Alunos denunciam “quadrilha” dentro da UFMT. Grande Cuiabá registra catorze homicídios em quatro dias. Ministério Público de Contas quer saber sobre contrato sem licitação para a área de saúde em Cuiabá. Conselho Nacional de Justiça fará nova diligência nos salários do Tribunal. Trator do MST foi filmado destruindo doze mil laranjeiras (São Paulo). As laranjas ainda estavam verdes. A situação no terminal rodoviário de Cuiabá é caso de intervenção do Estado. Lanchonetes e restaurantes não tem a menor condição de higiene. Um vereador de Cuiabá sugeriu por requerimento a alteração no horário de entrega de correspondências feitas pela Empresa de Correios e Telégrafos (ECT), sem combinar com o presidente dos Correios. Foi solicitado ao Ministério Público realizar um raio-X nos Ciscs da Capital e nos principais batalhões da Polícia Militar. O vice-governador de MT foi barrado em show de música sertaneja. O Aglomerado Urbano de Cuiabá esta completando quinze anos e está engavetado. O Brasil empresta dinheiro que não tem ao FMI (Fundo Monetário Internacional). Os velhinhos que aguardam sua devolução de Imposto de Renda foram à loucura quando souberam que o Brasil está emprestando dinheiro ao FMI. O pré-sal teve sua descoberta em 1975 e a sua espalhafatosa ressurreição em 2009. Promotor quer devolução dos salários pela Câmara. Pronto-Socorro de Cuiabá esta em obras para melhor atender a população, diz a peça publicitária. Ministério Público entra com ação para demolir mansão em Siá Mariana, em Área de Preservação Permanente. A escala dos médicos contratados pela MASP, que desde ontem deveriam estar trabalhando no Pronto-Socorro de Cuiabá, deve levar em torno de dez dias para ficar pronta segundo fontes da Secretária Municipal de Saúde. A avaliação do Sindicato dos Médicos de Mato Grosso, no entanto, é que em dez dias essa escala não esteja pronta. O Conselho Regional de Medicina informa que o único médico da empresa do Sul que está em Cuiabá não tem habilitação para ocupar o cargo de cirurgião. Deputado baiano queixou-se de ter “visto estrelas” e de ter saído do exame de próstata com “o olho cheio de vaga-lumes”. Homem foi preso por abusar de crianças em barraca de diversão. Bandidos comemoravam assalto em um restaurante. Ministro da Saúde defende novo imposto para a saúde.

Aqueles que tiveram a paciência de me acompanhar nesta leitura, com toda certeza acreditam que estou prestando uma homenagem ao grande dramaturgo brasileiro Nelson Rodrigues. O que escrevi não são obras do fanático torcedor do Fluminense, o inventor da “folha seca” dos chutes do Didi, ou do consagrado “há cinco mil anos estava escrito que o Fluminense seria campeão”.

Reproduzi apenas as manchetes dos principais jornais desta quarta- feira esquisita.

É o retrato perfeito, de “a vida como ela é” em Cuiabá.

Gabriel Novis Neves
14 de outubro de 2009

Aniversário

Quando alguém completa tempo de vida em nossa sociedade, é importante receber como presente “aquela” manifestação de muitos anos de vida, felicidades, muito dinheiro, saúde, paz e amor.

Ah! Se alguém do círculo de amizade do aniversariante não cumprir com este protocolo, jamais será perdoado e muitas vezes a amizade é exorcizada. Como adoramos a mesmice, a hipocrisia, a repetição e os tais códigos sociais!

Gostaria de conhecer o autor ou autores destas bobagens que tantos sofrimentos nos causam.

O aniversário é um ponto luminoso em nossas vidas.

Mário Quintana, o nosso poeta, com uma vida riquíssima de aventuras e emoções, certa ocasião disse que o fato mais importante da sua vida fora o seu nascimento, sendo assim, comemorava todos os dias este fato.

Como Quintana fazia aniversário diariamente, produziu esta maravilha própria de gênio com relação à idade das pessoas – “Só temos duas idades, ou estamos vivos ou mortos.” Este era o inovador poeta que despertou, na sua simplicidade de encarar a vida sem penduricalhos, paixões violentas como aquela que acometeu Bruna Lombardi.

Sou a favor da felicidade sem dia, mês ou hora marcada. Saúde como uma conquista do cidadão. A paz é conseqüência do amor. Quanto ao dinheiro, não precisamos de muito para viver bem.

O aniversário, que é a festa da recordação da experiência mais importante das nossas vidas, tornou-se, às vezes, motivo de apreensões e desgastes emocionais que não se identificam com a data celebrada.

Pensar e viver como o poeta gaucho é simples, porém impossível em um país cujo Deus é o dinheiro.

Gabriel Novis Neves
06 de Outubro de 2009

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Futebol x Saúde

Todos sabem que Cuiabá foi escolhida para ser uma das subsedes da Copa do Mundo de 2014. Se não acontecer nenhum acidente de percurso, teremos turistas de todo o mundo por aqui, onde serão disputados de quatro a cinco jogos. Os dirigentes da FIFA são extremamente rigorosos com o cumprimento das metas estipuladas e até mesmo ameaçam com a suspensão dos jogos caso haja atraso no cronograma das obras planejadas. Recursos financeiros não são fornecidos pela FIFA. Estes foram assumidos na Suíça, pelo Brasil e pelos Estados escolhidos.

A primeira visita dos europeus à Cuiabá aconteceu em um cenário de Hollywood. O cacique Raoni, famoso internacionalmente como chefe de estado, foi recebê-los à caráter na escada do jatinho. Depois vieram as inúmeras desconhecidas autoridades locais para saudá-los. Raoni é que é conhecido na Europa e respeitado. O trajeto da comitiva até o Paiaguás contou com proteção aérea do único helicóptero do Estado. Todo o efetivo da Polícia Militar formou um cordão de proteção para o desfile das autoridades. O público da rua era composto de alunos da rede escolar, funcionários públicos dispensados do serviço para a recepção e, claro, dos curiosos como eu. O meio fio das calçadas, por onde passou a comitiva, estava todo pintado de verde e branco. Verde de Cuiabá, branco de Paz. No Palácio foi aquele alvoroço. Todo mundo queria uma foto com o Presidente da FIFA. Homenagens foram prestadas: de título de cidadão cuiabano à devoto da soneca na rede das artesãs de Várzea Grande.

Para encerrar com chave- de -ouro o dia da chegada, nada melhor que uma hiper-recepção-produção no Centro de Eventos do Pantanal. Os senhores da festa ficaram sentados em imenso semicírculo, recebendo outros presentes dos seus súditos e saboreando a gastronomia do mais sofisticado e caro bufê de Cuiabá. Sonolenta e cansada a comissão da FIFA assistiu durante horas e horas as danças da terra: cururu, siriri, a dança de São Gonçalo e a exibição da viola de cocho. Todo este sacrifício feito pelo povo de Mato Grosso, (já que o governo não tem dinheiro) tinha um só objetivo – transformar Cuiabá em uma nova Dubai.

Exaustos os europeus vão descansar. No outro dia, logo pela manhã, uma imensa mesa com chá com bolo os esperava. Depois eles se dividiram. Uns vão sobrevoar a cidade, o local do evento e os pontos turísticos próximos à Cuiabá. Outro grupo se reúne com técnicos do governo para analisar os projetos. O Verdão é condenado pela FIFA. O rico governo diz que não tem problema e apresenta o projeto de um novo estádio, agora substituído por outro apelidado de “Azulão”.

Missão cumprida os europeus partem com a certeza de estarem trazendo a Copa para um estado riquíssimo. Este, por sua vez, conta como certo os recursos do governo federal.

Semana passada houve a primeira reunião em Brasília para definir recursos para a Copa. O governo federal não investirá um real em estádio de futebol. O BNDES (que é um banco) poderá emprestar até quatrocentos milhões de reais com juros camaradas. A decepção foi geral. Só nos projetos de arquitetura, divulgado pela imprensa, o governo já gastou, sem licitação, mais de vinte milhões de reais para atender aos prazos da FIFA. Não contando um milhão de reais da festa de recepção, viagem à África do Sul com trinta e cinco pessoas e outras despesas mais. O orçamento provisório do novo estádio é superior aos quatrocentos milhões de reais.

Enquanto isso Cuiabá sediou a Copa América de Basquete Feminino. Evento internacional para escolha das vagas para o Mundial na República Tcheca. O governo do estado que patrocinou a Copa no Ginásio, anunciou que já começou o processo de licitação para a compra do piso adequado para o ginásio recém inaugurado, já que o utilizado durante a Copa América de Basquete foi alugado. Os preços estão publicados no diário secreto.

O prefeito de Cuiabá anuncia a maior reforma da história do nosso Pronto Socorro Municipal no valor de cinco milhões de reais. Se a FIFA fosse a responsável pela saúde, não deixaria que a prefeitura jogasse dinheiro fora e iria mandar construir, em tempo recorde, um novo e moderno Hospital e Pronto Socorro em Cuiabá. O existente atualmente, depois de reformado, seria utilizado para pacientes de acordo com as suas características arquitetônicas.

Para o projeto do novo estádio de futebol o governo já gastou mais de vinte milhões de reais. Para a reforma do único hospital público e pronto socorro de Cuiabá são destinados apenas cinco milhões de reais.

O circo venceu!

Gabriel Novis Neves
27-09-2009

O VELHO BUGRE (uma visão muito pessoal)

Dia 23 de agosto de 1994, Olyntho Neves – mais conhecido como o “Bugre” do Bar Moderno – faria 100 anos. Marido de Irene Novis Neves e pai de Gabriel, Yara, Pedro, Inon, Ylcléa, Antonieta, Olyntho Filho, Aracy e Ana Beatriz, ele foi também o meu sogro. Em meu nome, e também em nome do meu marido Pedro e das minhas filhas Janaína e Manaíra, desejo prestar-lhe esta pequena homenagem – dar vida a fragmentos das lembranças particulares que tenho dele e relembrar a sua relevância como cidadão participante do cotidiano cuiabano e mato-grossense.

Conheci o Velho Bugre já sem o “charme” da moldura histórica e imortal do “Bar Moderno”, que ele conduziu por meio século e há muito tempo já consagrado como patrimônio dos cuiabanos. Naquela esquina da Praça Alencastro foi construída parte da memória cultural de Cuiabá, consolidando-se, também, como um “tambor” de ressonância política, sobretudo no pós-45. Não raro, era li que se encontravam e se resolviam muitas divergências partidárias, sob os olhares atentos da população, que custou a entender porque até “inimigos” ferrenhos nas campanhas eleitorais ficavam lá, “juntos e abraçados”, após acaloradas sessões legislativas (de acordo com depoimentos de políticos da época).

Sem dúvida, foi nesse parlamento informal do Bar Moderno (Bar do Bugre como ficou conhecido) que muito se exercitou a prática conciliatória e do “arranjo”, que, apesar dos conflitos internos, caracterizou a cultura política mato-grossense. E tudo isso sob a notável discrição do Bugre, o “maestro” que regia aquele espaço aberto ao pluralismo. Sempre me senti instigada por esse aspecto peculiar do Bar Moderno e, por isso, me perguntava qual seria a idéia de “modernidade” que o jovem Bugre tinha em mente no início dos anos 20, em Cuiabá. Que idéias eram aquelas que identificaram e deram vida tão longa ao Bar Moderno? Seriam os sorvetes, num clima tórrido? Talvez a localização privilegiada para apreciar o “footing” no Jardim Alencastro e para acompanhar a retreta no coreto do mesmo Jardim?

A idéia de modernidade do jovem Bugre seria oferecer a certeza da cerveja gelada para apaziguar os torturantes calores após o banho de rio nas “praias” do Cuiabá, do Coxipó e do Ribeirão? Ou, quem sabe, pensou em criar um espaço para amigos se reverem e refrescarem a sede após as peixadas e as sestas? Talvez um ponto de referência para os encontros antes e depois das missas na Matriz? Pode ser que a tal “modernidade” fosse, pura e simplesmente, o reflexo do espírito empreendedor do jovem e moderno Bugre, que, ali, soube propiciar o “clima” democrático para a passagem e o encontro de todas as classes, de todas as idéias, de todas as idades e o convívio entre todas as divergências e interesses.

Além da referência comunitária, o Bar Moderno foi também a trincheira privada do homem Bugre para a vida, para a conquista de respeito e de amigos. Ali, plantou e colheu o sustento digno para a família de nove filhos – e até dar-se ao o “luxo” de mandar alguns deles para estudar no Rio de Janeiro, cumprindo a sua determinação de oportunizar-lhes a melhor educação. Foi também ali que o cidadão Bugre viveu e fez a sua história, participante ativo da cultura, da política, do cotidiano cuiabano e da história dos mato-grossenses (por origem ou opção) durante exato meio século. Contudo, a marca da sua criação, tal como o entendimento da “modernidade” que o impulsionou, nada disso podia ser transferido. A concepção desse entendimento foi obra sua, que exerceu com sabedoria, uma conquista pessoal do cidadão Bugre, da sua dimensão privada e pública.

E, assim, preferiu cerrar as portas, indenizar condignamente os seus empregados e alugar os espaços para manter o sustento familiar, de homem de vida simples e modesta. Como epílogo daquele meio século, mandou rezar uma missa. Só então tomou posse definitiva de uma nova trincheira – a sua cadeira de balanço, na qual se manteve até o fim. Foi assim que o conheci (em 1972) e tenho a sensação de que, lamentavelmente, deixei de conviver com a sua melhor parte. Nunca entendi muito bem se estava feliz ou infeliz dentro do seu impecável pijama, na sua cativa cadeira de balanço (seu cativeiro após vida tão ativa?), fumando irreverente e impunemente um longo cigarro Hilton (com 80 anos!). Já então quase sempre quieto e calado, batia com ritmo a mão esquerda (e a aliança) no braço da cadeira, produzindo um som peculiar acompanhado de suave e musical assobio.

Talvez revelasse insatisfação, ansiedade, vontade de “voltar” ao mundo? Ou, pelo contrário, em paz consigo mesmo e alegria pelo dever cumprido? Parecia-me muito digno na sua nova condição de aprendiz e mestre na arte da resignação, após uma vida dinâmica e de amplas fronteiras. Quase nada o fazia sair do seu novo “balcão” na vida – a cadeira de balanço. Nem mesmo a justa (e talvez tardia) homenagem da Associação Comercial, recebida em casa, no seu mundo privado. Os filhos e netos o reverenciavam e em torno dele aconteciam os almoços domingueiros, os encontros semanais da família, quaisquer que fossem suas responsabilidades durante toda a semana. Ali eram apenas filhos, genros, noras e netos do Bugre e da Irene. Embora já não participasse das iguarias nem do movimento barulhento dos netos, o Bugre continuava a ser o “imã” da convergência familiar. E assim foi até o fim, mesmo que já não se apercebesse disso.

O Velho Bugre na cadeira de balanço às vezes gostava de contar algumas histórias para quem tivesse interesse em ouvi-lo. E o fazia admiravelmente bem. Entre essas reminiscências contadas eu gostava particularmente da sua aventurosa e tortuosa primeira viagem de Cuiabá ao Rio de Janeiro, nos “idos” tempos. Contava tudo em detalhes, com a voz mais firme e alta, entusiasmo jovem e sempre renovado, e eu estimulava a repetição porque gostava de ouvi-lo. Talvez tenha sido o prazer compartilhado dessa história a minha mais grata lembrança do Bugre. Simplesmente adorava vê-lo reviver essa aventura, em cujas dificuldades de percurso, comecei a aprender e avaliar o antigo isolacionismo e a persistência dos mato-grossenses.

Não creio que eu tenha sido uma pessoa especial para o Bugre, conhecendo-nos já na sua fase da cadeira de balanço e numa família de nove filhos, que rapidamente se multiplicavam numa multidão, talvez confusa e barulhenta para ele, sobretudo nos domingos e datas especiais. Porém, tenho absoluta certeza de que o momento de contar essa “aventura jovem” era algo especial para nós dois. Ele gostava de contar e eu gostava de ouvir, com riqueza de detalhes: o farnel, os percursos por rios e trens, o encontro feliz e inesperado com um cuiabano amigo na estação de São Paulo, a chegada ao Rio de Janeiro... Realmente, um mútuo prazer que muitas vezes incentivei. Dava gosto vê-lo novamente altivo e entusiasmado, personagem central da sua própria história e das suas aventuras. Um delícia!

Não tenho dúvidas de que houve um jovem sempre “moderno” no invólucro desse Velho Bugre que conheci. Tão moderno que manteve um surpreendente e inusitado senso crítico até quase o final da vida. Em vez de ficar hipnotizado pela TV (que era confortavelmente instalada à frente da sua cadeira de balanço) ele reagia a certos exageros dos noticiários ou dos tele-dramas, com um sorriso mansamente irônico e repetindo com irreverência a frase: “é uma novela, é uma novela...”! O que poderia haver de mais moderno no contexto nacional e na virada dos anos 70/80 do que esse descrédito ao poder avassalador da mídia? Nos dois últimos anos da sua vida, já bastante doente e alheio, ainda conservava o hábito de fingir que fumava, como se o cigarro estivesse entre os seus dedos, levando-o à boca e até “batia” a cinza imaginária. O jovem/velho Bugre ia morrendo, mas não se entregava!

Gosto de lembrá-lo assim: em paz consigo mesmo, mas meio irreverente, um tanto fora os padrões comuns para a sua época e bastante moderno, na melhor acepção do termo. E também suficientemente ético para nunca ter usufruído de benefícios indevidos, apesar dos muitos amigos e da vasta clientela de políticos. Tão bom se existissem mais e mais jovens e velhos Bugres, modernos ou não. A minha sincera homenagem a Olyntho Neves, o Bugre, cuiabano, mato-grossense, brasileiro, mas, acima de tudo, um verdadeiro cidadão que fez a sua história e ficou na história que ajudou a construir. A sua imortalidade não se inscreve nas Academias, e sim, no “fazer” cotidiano do trabalho, da cultura, da ética, da memória desta terra e na saudade do seu convívio. Para
sempre.

Maria Manuela Renha de Novis Neves


(Transcrição de texto publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, 1995, Tomo CXLIII, Ano LXVII)

OBS: Este texto mantém o conteúdo integral referente à datação em que foi elaborado e publicado, mas ressalte-se que foi feita revisão de pontuação e na ordem de certos termos para compatibilizar melhor o conteúdo com a nova formatação dos parágrafos.

CURRÍCULO DO BUGRE:

01. Instrução: primário incompleto. 

02. Atividades profissionais até os 26 anos: desempregado. 

03. Esportes prediletos: foder, beber e fumar. 

04. Casamento: depois dos 40 anos, quando a expectativa de vida era de 45 anos. 

05. Filhos: 9 

06. Orgulho: ter fechado o bar após 50 anos de porta aberta. 

07. Não deixou riquezas materiais. 

08. Educou todos os seus filhos com ética.

09. Morreu fumando em casa nas mãos do filho médico-reitor.

10. Só pode estar no céu. 

GNN



Minha neta decidiu

O telefone toca. São seis horas da manhã. Do outro lado da linha a minha neta - a operada do dia.

“- Vô, você já acordou?”

“- Estou pronto para acompanhá-la ao hospital”. Respondo.

“-Tá bem. Eu estou nervosa. Já fiz até cocô.”

“- Ótimo minha neta, vamos inventar uma cirurgia toda manhã, pois só assim o seu intestino irá funcionar fisiologicamente.”

“- Ah!”. Responde sorrindo. “Daqui a pouco passo na sua casa para te pegar. Quero chegar com você, e você não vai ficar longe de mim.”

“- Mas ainda falta uma hora, menina!” Recomendo então que leia o meu artigo publicado hoje – Decisão.

Minutos depois ela retorna a ligação dizendo que o que está fazendo-a sofrer é porque está tomando uma decisão.

“- Li o seu artigo vô e fiquei mais tranqüila.”

Em compensação elevou a auto-estima do vô.

Hospital como sempre em Cuiabá está lotado. Da recepção minha neta foi direto ao centro cirúrgico. Aguardou algum tempo na sala de recuperação. Daí é transferida para a sala cirúrgica e preparada para o ato operatório. Acompanho-a em todos esses procedimentos.

Com as mãos seguro a sua cabeça, me aproximo do seu rosto. No meu ouvido ela diz baixinho que está com medo e se pode desistir da cirurgia- tão desejada por ela. Digo-lhe que gostaria que fizesse a cirurgia atendendo a um pedido meu. Seus olhinhos brilharam de alegria! Naquele instante eu estava aderindo à decisão pela escolha dela. Beija-me e aperta as minhas mãos. Tranqüila, tranqüila, adormece para os procedimentos anestésicos e cirúrgicos.

Assisto a cirurgia e tento descrever, não o ato técnico rotineiro a um médico de meio século de centro cirúrgico, mas o ambiente em que estou inserido como mero acompanhante. São oito profissionais na sala. O silêncio só é quebrado pelo suave barulho do respirador mecânico e pelos batidos que monitoram os sinais vitais – pulso, pressão arterial e oxigenação. Às vezes, uma comunicação em voz baixa dos cirurgiões. O maior ruído é do aspirador da ferida cirúrgica poucas vezes utilizado e do cautério para hemostasia dos pequenos vasos sanguíneos. O ambiente é de absoluta paz. Sinto-me totalmente protegido num local que produz temores em muita gente. Ansioso estou para ver a minha neta acordada com o seu novo número de sutiã. O ato cirúrgico está quase concluído. A vontade da minha neta de se aceitar com a anatomia alterada é tão grande que barreiras, outrora impossíveis de serem transpostas, parecem agora pequenos obstáculos.

As nossas dificuldades emocionais, escondidas e guardadas a sete chaves com os seus segredos, são mais complicadas de serem resolvidas. Seria bom se soubéssemos externar o amor, a amizade, o carinho, a solidariedade, a compreensão. Como o tratamento destes distúrbios nos fariam mais bonitos e úteis a sociedade! A cirurgia está terminada. A minha tranqüilidade também.

Daqui a pouco estarei na rua, enfrentando todas as misérias deste mundo perfeito criado por Deus, e destruído por nós. A minha neta marcou pontos favoráveis a seu favor demolindo vários mitos que carregava. Agora só me restam forças para suportar a pressão de mais quatro netas!

Parabéns neta pioneira pela quebra de falsos valores que a atormentavam! Eles foram extirpados e ficaram no centro cirúrgico.

Comovido pela sua primeira grande decisão receba um beijo do vô orgulhoso da sua forte personalidade.

Gabriel Novis Neves
05-07-09

477

A última ditadura militar criou o decreto nº 477 na área da educação. O jovem ao entrar na Universidade, geralmente é um idealista. Ao sair, às vezes, se transforma em um canalha. A finalidade do “477” era punir sumariamente, sem possibilidade de defesa, professores e alunos que não concordavam ideologicamente com o governo revolucionário implantado no país.

Milhares de jovens tiveram o seu futuro comprometido pela arbitrariedade dos generais. Muitos reitores, dependentes do DAS do cargo, se comportavam como pau-mandado do sistema. Exceções para o saudoso Pedro Calmon da ex-Universidade do Brasil do Rio de Janeiro. Ante a ameaça de invasão da Universidade pelos militares, se colocou à porta da reitoria dizendo que o único jeito de se entrar na Universidade era através do vestibular.

Outro reitor de Universidade Federal, com longo mandato, e que nunca aplicou o decreto “477”, foi o da UFMT. Todas as semanas era convidado para dar explicações no SNI. A UFMT foi a primeira e única Universidade Federal que praticou a anistia aos professores cassados antes da Lei Federal. A história está à disposição dos estudiosos. Os líderes estudantis, antiditadura da época, hoje estão no poder. Meu Deus! Não acredito nas atitudes daqueles líderes. Eles que “lutaram” tanto pela redemocratização do Brasil, agora são exímios ditatorizinhos. Esqueceram-se do que aprenderam na UFMT. Hoje são alunos, à distância, de Chávez, Ahmadinejad, Khadafi e o moribundo Fidel.

Aqui decretaram o “477” na saúde pública. Além da atitude truculenta, humilharam Cuiabá comparando-a a Sapucaí do Sul, (cento e vinte e seis mil habitantes), São Jerônimo (vinte mil habitantes), Canela (quarenta mil habitantes). Para coroar o ato da terceirização do SUS trouxeram uma empresa com nome de museu – MASP – cuja credencial maior é servir a Brigada Militar, que se não me engano, é de Pelotas. Francamente! Como dizia o nosso líder Brizola: esta é uma atitude que não atende em absoluto às necessidades dos mais pobres.

O governo municipal perdeu o rumo. O desastre já aconteceu. O governo estadual não está nem aí. Venceu a insensatez. Que se danem os pobres! A ponte aérea da saúde para São Paulo foi restabelecida para os poderosos e ricos.

Como defender esta atitude tomada pelo governo municipal? Faltou sensibilidade política na condução dos problemas dos médicos. A vaca foi para o brejo, e as “autoridades” responsáveis por esta violência, jamais serão esquecidas.

Pobre Cuiabá! Tão carente de homens públicos! Privatizar serviços de saúde do mesmo modo como privatizam serviço de coleta de lixo, é uma agressão que irá manchar para sempre a cidade verde.

Ainda há tempo para que o instinto autoritário nessa negociação, entre médicos e governo, seja extinto e assim demonstrar à população que somos racionais e civilizados.

Vamos pacificar a saúde pública em Cuiabá com um ato de tolerância entre médicos e governo, que nos credenciará a receber o Prêmio Nobel da Paz em 2010 – ano de eleições.

Abaixo o “477” para a saúde!

Gabriel Novis Neves
10-10-2009

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Rosto quadrado

A beleza feminina sempre foi o tema predileto dos nossos poetas, compositores, boêmios e amantes do ócio criativo. Desde a antiga Grécia, as deusas eram mais reconhecidas por sua beleza física do que pelas virtudes.


A beleza feminina é o combustível utilizado pelos homens para o trabalho e a construção de impérios. A beleza também produz guerras e destruições.


No Brasil é difícil citar quem melhor interpretou a beleza feminina. Vou citar um especialista no assunto – Vinicius de Moraes. Autor de poemas que percorrem o mundo enaltecendo a beleza e o encanto da mulher brasileira.


Em qualquer lugar do nosso pontinho chamado Terra, alguém já ouviu e sentiu a emoção da Garota de Ipanema. A beleza é fundamental, sussurrava o Vinicius na sua banheira inspiradora do Parque Guinle onde morava no Rio de Janeiro. Foi um especialista em beleza feminina e deixou uma obra acabada sobre o assunto.


O nosso colega Ivo Pitanguy, com o bisturi, em um trabalho de artista plástico, procurou o rosto feminino ideal. Chegou quase à perfeição no centro cirúrgico.


Atualmente, existem centenas de palpiteiros sobre o assunto. A receita da beleza está na alma feminina. Enquanto não descobrirmos a chave que nos dá acesso ao coração que guarda a alma, utilizamos a morfologia.


A maioria dos estudiosos é unânime em afirmar que o rosto feminino ideal é o quadrado. Alguns exemplos foram citados: Sofia Loren, Rachel Welch, a mato-grossense Luiza Brunet e a jovem Alinne Moraes.


Esqueceram-se de me consultar. Conheço um rosto quadrado nascido em Cuiabá e que anonimamente convive conosco. Só eu sei o significado do rosto quadrado fora dos poemas, canções, e imaginário das nossas fantasias.


O rosto quadrado é uma benção de Deus.

Obrigado meu Deus por esta felicidade.

Gabriel Novis Neves
08 de Outubro de 2009

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

CONTROLE REMOTO

Todas as vezes que tomo conhecimento de uma conquista tecnológica penso logo nos benefícios que a humanidade ganhou. Era para ser sempre assim. Na prática verifico que não é isto que ocorre e, em muitas ocasiões, a humanidade é prejudicada pelas tais conquistas.

Vejam o resultado do enriquecimento do Urânio - ganhamos a bomba atômica. Com um simples aperto no botão que dá comando à bomba, o mundo seria destruído, ou parte dele, em segundos.

Outro exemplo menos sofisticado: a invenção do controle remoto da TV. Deitado na cama, ou espichado em um sofá, desfilamos pelo mundo procurando músicas, notícias, esportes e filmes pela nossa TV digital.

Nos dois casos citados não houve ganho para a humanidade. Em um exemplo matamos, em outro, produzimos doenças relacionadas ao sedentarismo.

Outro exemplo de conquista tecnológica, que no meu entender é retrocesso, se refere ao gestor público, ou privado, que recebe comando através de controle remoto acionado pelos seus chefes. Este é o pior exemplo de conquista tecnológica.

Essa gente estimulada à distância, esquece que somos seres racionais, humanos e aceita executar tarefas de robôs. Os resultados são sempre desastrosos.

A grande diferença da vida na Terra é que apenas os humanos são racionais. No momento em que renunciam (não confundir com abdicar) deste privilégio concedido por Deus, se transformam em objetos de uso. Como todo objeto de uso está sujeito ao descarte prematuro diante do surgimento de novas tecnologias ou por desempenho inadequado.

Aquela velha historia da minha avó continua valendo: “A moeda tem duas faces, a face da conquista e a face da compreensão humana”, e muitas vezes elas não se correspondem.

Como “Índio Véio” enfrento as inovações tecnológicas igual aquele índio do “pezinho pra frente, pezinho pra trás”.

Gabriel Novis Neves
05.10.2009

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

O pontinho

Há poucos dias vi uma foto tirada de um satélite, em que os anéis de Saturno emocionavam o mais sóbrio dos humanos. Fiquei horas com aquela imagem na tela do meu computador. Não é possível brotar do nada aquela maravilha! Alguém é responsável por tamanha beleza que chega a nos intimidar. Observo o restante das imagens e, pela identificação escrita, reconheço vários mitos da minha escolaridade.

O Sol, a Lua, Netuno, Plutão, Marte, Júpiter, Mercúrio, entre outros, e um pontinho - mais parecido com o ponto final de uma frase escrita com a ponta de uma caneta Bic. Era a Terra, planeta em que habitamos. Como é possível sermos produtores de tantas desgraças neste ponto do universo que é o nosso mundo?

Neste pontinho, também criado por alguém, existem continentes, civilizações, oceanos, vulcões, geleiras, montanhas e rochas. Rios de água doce, mares de água salgada, cerrados, matas altas, pântanos e desertos.

Neste pontinho existe gente. Gente que mata gente, gente que tenta destruir tudo que Ele criou, gente que faz gente sofrer. Gente que mata crianças, velhos e inocentes por dinheiro e poder. Gente que não gosta de gente, dos animais, que não se amam e muito menos ao próximo. Gente que está destruindo o pontinho do universo chamado Terra através do acelerado aquecimento do globo. Gente que matou a esperança desta gente, que ainda por aqui resiste, pelas belezas da natureza.

Mas, ainda no pontinho, existem pessoas interessadas na utopia da vida eterna tentando impossibilitar, ou retardar, o envelhecimento e procurando a cura das doenças que mais matam, especialmente as crianças, como o câncer.

Três cientistas americanos acabaram de ganhar o premio Nobel de Medicina 2009. Trabalharam na área da biologia e, após anos de estudos e pesquisas, conseguiram desmontar o cromossomo produtor de uma enzima que, segundo eles, é o principal causador do envelhecimento e do câncer. Que bela noticia para os habitantes do pontinho Terra!

Diante de tanta crueldade, no silêncio dos laboratórios ainda existe gente preocupada com gente. A pesquisa continua e os seus subprodutos imediatamente colocados à disposição daqueles que acreditam no meu Santo Padroeiro que é o futuro.

Essa conquista teria que ser festejada aqui no Brasil, pelo menos com um show do Zeca Pagodinho nas praias de Copacabana, cidade sede das Olimpíadas 2016.

Gostaria de ver o Ibope nas ruas do Brasil indagando ao povo do meu querido pontinho planetário, se alguém se emocionou, chorou, dançou, gritou, ou sabe se isto aconteceu na Suécia, vizinha da Dinamarca das Olimpíadas.

O homem criado por Deus está extrapolando as suas funções. Mata e, ao mesmo tempo, quase se aproxima de Deus ao descobrir o mecanismo da morte criado por Ele.

Parabéns cientistas do bem, cidadãos da humanidade! Aceite a medalha de ouro dos utópicos.

“É difícil dizer o que é impossível, por que o sonho de ontem é a esperança de hoje e a realidade de amanhã”. (Robert Goddard).

Gabriel Novis Neves.
04.10.2009.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Carteira de identidade

Quem não possuir a sua carteira de identidade, hoje chamada de RG (Registro Geral), não é gente. Quem introduziu no Brasil este tipo de identificação datiloscópica, foi José Félix Alves Pacheco na primeira metade do século XX. O Congresso agora quer transformar o RG, CPF e não sei mais o quê, em uma carteira única (CU). Confesso que nunca dei sorte com a minha identificação. Criado que fui no mundo da desinformação, bastava uma conversa olhos nos olhos, um aperto de mão e, como garantia um fio de bigode para selar um grande compromisso. Esse era o RG dos meus avós e pais.

Dois dias antes de partir para o Rio de Janeiro em 1953, encontro um colega, mais informado do que eu, que me pergunta se estava tudo certo para a viagem. Respondi-lhe que sim, inclusive a minha mãe iria preparar um pacote de pastéis feitos de madrugada para a viagem de 12 horas num velho avião DC-3. Ele insiste: “tens a carteira de identidade?” “Não”, foi a minha resposta. “Então tu não irás viajar seu matuto,” disse meu colega.
Horas depois, estava diante de um lambe-lambe na Praça da República aguardando as minhas fotos. Depois procurei o Chefe da Polícia e implorei que resolvesse o meu caso que era de urgência. No dia seguinte, entregou-me uma espécie de caderneta. Abri, verifiquei o meu nome e guardei.
Findo o primeiro mês de Rio vou à agência do Banco do Brasil retirar a minha pequena mesada. Percebi que a minha situação estava enrolada. Após várias conferências o gerente vem ao balcão e me diz que a ordem de pagamento tinha chegado, mas a minha carteira de identidade não coincidia comigo. Como? Indaguei desesperado. Aqui o senhor tem a cútis parda e usa bigodes (buço), e eu estou diante de um brancão sem bigodes. Coisas do lambe-lambe!

Em 1976 houve em Mato Grosso uma reforma na identificação. Sai o livrinho e entra uma cédula simplificada e plastificada. Como na ocasião era reitor, portanto autoridade, o número do meu novo RG era 36. Aí a encrenca foi com a Polícia Federal nos aeroportos. Era sempre convidado a explicar ao Delegado que não entendia como eu tinha o número 36 no RG sendo tão moço.

Aguardo como uma maldição a novidade, pois realmente não tenho sorte com a minha identificação, e tenho receios do número da minha nova carteira única (CU).

Cuiabá, 20/09/2009
Gabriel Novis Neves

Praça Popular

O dia amanheceu diferente. Uma simpática garoa molhava as ruas e um friozinho obrigava o cuiabano a usar roupas mofadas de baús lacrados. Não estamos acostumados com a friagem. Olho para cima e vejo um tapete de chumbo sobre a cidade indicando mudança climática.

Saio de casa assim mesmo para proteger a minha saúde sabendo dos riscos que enfrento. Um seqüestro por engano ou relâmpago, um assalto à mão armada para roubarem o meu velho tênis ou uma brincadeira dos meninos de família voltando das baladas. Já fui escolhido para inúmeras dessas gracinhas. A mais recente que os meninos de família inventaram é obrigar os velhinhos caminhantes das madrugadas a pularem uma corda imaginária jogando na direção de seus pés latinhas da redondinha e outros apetrechos. Eles se divertem.

No meu caso faço um exercício não programado, com humor. Dá medo quando são bombinhas. Aí penso logo em tiros. A juventude é irreverente. Isto passa. Com todos os riscos optei pelo cuidado da minha saúde, e ao sair de casa peço proteção a Deus e sempre mudo de rota.

Como em uma ausência epilética, acordei hoje na Praça Popular. Passo sempre por lá, pela manhã e de carro, não percebendo os detalhes da sua transformação. A pé percorri lentamente o seu entorno. Está totalmente modernosa. Restaurante japonês, italiano, árabe, francês e até brasileiro com sobrado. Casas de chá, doces, salgadinhos, sorveterias. Lugares apropriados para drinks e jogar conversa fora. Encontrei lojas chiquérrimas e outras necessidades da burguesia. Na praça notei ainda a presença de árvores centenárias, quadra esportiva de múltiplo uso para crianças, jovens e para aqueles que estão bem (velhos).

Estranhei, e muito, a falta de um banheiro público. Com certeza foi um descuido das nossas autoridades sanitárias, e uma baita falta de respeito para os que vão apenas curtir a praça. À noite, dizem, que é o lugar predileto da sociedade.

O trânsito noturno fica proibitivo para os que residem naquela região. Ninguém consegue sair ou chegar em casa de automóvel. Todas as ruas ficam congestionadas, e ninguém do trânsito se faz presente. O barulho da praça de lazer e residencial não respeita as leis do silêncio. Providências não são tomadas.

Pela manhã a festa é dos cachorros que engaiolados nos apartamentos são trazidos à praça para fazerem as suas necessidades fisiológicas. E pensar que a minha geração utilizava a praça popular para de madrugada ser levada pela família para a cura da coqueluche. O oxigênio da praça foi substituído pela fumaça das cozinhas e restaurantes. O odor da clorofila, pela mistura de cheiros de pizza, churrasquinho e restos fisiológicos de humanos e cachorros.

Onde está a Praça Popular da cura da coqueluche?

Gabriel Novis Neves
13-06-09

O Moribundo



“Esta semana o Brasil ganhou um novo espaço para o teatro. O Teatro Universitário, em Cuiabá, foi inaugurado segunda feira última com a peça Macunaíma, em temporada no Rio de Janeiro. A festa contou com a presença de Tônia Carrero, representando os atores brasileiros a quem o novo teatro quis prestar homenagem. Um convite a que visitem Mato Grosso. O Teatro Universitário, dentro do campus da Universidade Federal de Mato Grosso, cederá agora seu palco aos grupos experimentais e amadores do Estado e representará, também, uma nova alternativa de rota para cultura brasileira. Do roteiro litorâneo para a interiorização amazônica, a caminho do velho teatro de Manaus.” Este texto é de Cremilda Medina, crítica de arte e publicado no jornal “O Estado de São Paulo” em 14.02.1982.

Eduardo Portella, ex-ministro da Educação comenta em artigo intitulado: Uma universidade integrada ao meio. “A Universidade, antes de ser um recinto destinado à transmissão do saber, é o insubstituível lugar da consolidação do homem. Por isso mesmo, ao lado das suas obrigações acadêmicas, cresce o seu compromisso social. E é precisamente nesse horizonte comunitário onde o seu perfil se define e, a toda hora, adquire a consciência maior”.

Defensor da iniciativa desde o momento em que durante a sua gestão lhe foi apresentado o projeto do novo Teatro, Portella reconheceu nesse novo palco de Mato Grosso “um núcleo produtor e distribuidor de cultura. Um elo com a sociedade.” Após gentilezas ao gestor local, diz ser o reitor da UFMT “um paradoxo: o mais jovem em idade e o mais velho em atividade, nas universidades públicas brasileiras.” Portella conclui o seu artigo afirmando que onze anos de trabalho em silêncio foi a estratégia empregada para a colheita abundante da chamada Universidade da Selva.

Na solenidade de inauguração do Teatro Universitário o jornal “O Estado de São Paulo” registra a fala do reitor em uma frase: “ Esta não é uma noite de inauguração e sim uma noite de integração”. Tônia Carrero entra no palco sob aplausos. Ídolo do teatro brasileiro, estava em Cuiabá para representar os atores brasileiros numa homenagem que o Teatro Universitário lhes prestava ao estrear o seu palco. Visivelmente surpresa diante do espaço confortável, acolhedor, tecnicamente perfeito para um artista atuar, Tônia não se contem nos elogios à Universidade Federal de Mato Grosso por compreender dessa forma o papel da cultura. Encantada, presta seu testemunho: “As universidades no Brasil são frias. Não conheço nenhuma outra que, como esta, sirva assim à coletividade. (Talvez a de Brasília, um dia, já foi uma universidade voltada para a comunidade. Hoje não).O palco deste teatro será daqui para frente o palco do povo. Servirá certamente a muitos debates, assim como servirá a muitos artistas. E principalmente aos grupos de teatros locais - também a nós é claro. Temos agora uma excelente casa como alternativa de roteiro dos nossos espetáculos”.

Tônia Carrero introduz então “Macunaíma”, o espetáculo dirigido por Antunes Filho, que inaugura o novo teatro.

A Gazeta de Cuiabá no seu caderno “E” de 09 de setembro de 2009 escreve:
“Morte Anunciada.” - “Um Teatro que agoniza.”

Será que a expectativa de vida de um teatro em Cuiabá não chega aos 30 anos?

Com a palavra a população de Cuiabá.


Gabriel Novis Neves
10.09.09

O Butiquim do Dirceu


Recente pesquisa nos informa que Belo Horizonte é a capital brasileira que possui o maior número de botecos. Em segundo lugar, reclamando muito da sua colocação, vem o Rio de Janeiro.

Em Cuiabá o número de botecos é relativamente pequeno. Em compensação temos o butiquim - atenção revisão, é assim mesmo que se escreve - do Dirceu Carlino.

Há diferenças estruturais e filosóficas entre boteco e butiquim.

O boteco geralmente possui uma pequena área física e os seus freqüentadores amontoam-se como podem criando a maravilha da promiscuidade. As conversas jamais são reservadas pela total impossibilidade da privacidade. Sardinhas, linguicinhas fritas, bolinhos de bacalhau (tudo com muito óleo), pimenta, conversas em altos decibéis e ela: a super redondinha gelada. Ah! Ia me esquecendo do ovo cozido de casca colorida. Cadeiras e mesas são uma raridade e o grosso do público se ajeita mesmo é nos caixotes de madeira ou utilizando-se do balcão de atendimento como mesa.
O butiquim do Dirceu é diferente. Amplo, com mesas e cadeiras que permitem conversas tipo juras de amor perpétuo. No boteco o som é produzido pelo cantar de alguns freqüentadores acompanhados pelo ritmo dos caixotes, caixas de fósforo, chaveiros e batidas das latinhas. No butiquim do Dirceu os artistas da cidade passam por lá e, com um excelente sistema de som, dão a sua canja. O ambiente não é propício a mauricinhos, patricinhas, novos ricos ou carentes de notoriedade. A comida é excelente para quem está decidido a comer. O bolinho de bacalhau pequeno e gorduroso do boteco, no butiquim do Dirceu é uma enorme bola de batata com essência de bacalhau. Uma delícia de petisco! E não aumenta o colesterol. No butiquim do Dirceu não existe distinção de classes sociais. Ali somos todos iguais. E olhe, no período que estive por lá vi muitas celebridades totalmente despojadas daqueles valores desnecessários. Outro ponto forte do butiquim: ausência do bêbado inconveniente e do puxa saco.

Enfim, vale à pena - se você ainda não conhece - conferir o butiquim do Dirceu.

Gabriel Novis Neves
03/09/2009.

DESCOBRI POR ACASO



Passei grande parte da minha vida na universidade, outra parte no hospital e a que sobrou, em casa. Tenho o péssimo hábito de não anotar fatos e confiar na minha memória. Nunca me preocupei em guardar nomes, endereços, favores ou ajudas que aconteceram durante a minha vida. Não faço cobranças das minhas atitudes. Se as fiz é por que quis.

Dos inúmeros fatos ocorridos durante meu longo período como reitor, hoje me lembro de alguns deles. De uns, gostaria de saber o que faz atualmente os seus protagonistas. De outros até sei.

Certa ocasião estava ausente do Campus e fui comunicado de uma greve que estourou pela manhã e os alunos enfurecidos estavam concentrados no restaurante universitário. Imediatamente encerrei a reunião a qual participava e fui ao encontro dos meninos, sem nenhum acompanhante. Na recepção recebi calorosas vaias, discursos inflamados animavam a manifestação e eu sem saber o motivo. Se aferisse naquele momento o índice de agressividade dos alunos, “o aparelho marcaria ponto máximo.”

Deixei que os garotos fizessem sua projeção e transferência afetiva em mim. Esvaziados psicologicamente, começo a conversar com os guerrilheiros. O motivo todo foi um briga em que um aluno saiu em “estado grave” para a Santa Casa da Misericórdia. Pedi aos amotinados que almoçassem e me aguardassem enquanto me dirigiria ao hospital para prestar socorro ao aluno.

Chegando à Santa Casa fui ao apartamento onde ele se encontrava internado para observação. Examinei-o com todo o cuidado. Realizei todas as manobras semióticas para afastar um abdômen agudo. Não encontrei absolutamente nada que justificasse a internação. Chamei o Eduardo Delamônica, cirurgião do aparelho digestivo, para uma segunda opinião e não disse o meu parecer. Após o exame do cirurgião saímos do quarto e fomos trocar idéias na sala dos médicos. Disse ao Delamônica: “- É um caso típico de simulação popularmente conhecido como piti ou histeria.” O Eduardo concorda comigo: a doença era política, rara em jovem saudável.

Não dispúnhamos na ocasião de ultrassonografia ou tomografia na cidade. O exame de Raios-X do abdômen era normal e o de sangue e urina também. Portanto clínica e laboratorialmente as evidências de hemorragia interna e rotura do intestino por trauma estavam praticamente afastadas. Os alunos precisavam naquele momento de um cadáver. Eram ordens superiores. Chamaram até o Aldo Rabelo, Presidente da UNE, para dar uma mãozinha na greve.

Pensei e ponderei ao Eduardo: “- Não podemos ficar prisioneiros de terroristas. Faça uma laparotomia exploradora e vamos encerrar o caso.” Mais uma vez houve concordância do cirurgião e o ato lícito e cirúrgico foi praticado. Eu estava presente no centro cirúrgico e as vísceras desse menino, ao serem expostas, choraram de vergonha. Algumas pediram perdão. Terminado o ato cirúrgico retorno ao restaurante e comunico aos seus colegas a boa notícia. As vaias aumentaram de intensidade. Estas vinham do fundo do poço da intolerância.

Assim que o reservatório secou os jovens ouviram o meu relatório e eu sugeri assumir a greve, pois os meninos não tinham uma saída honrosa diante de uma simulação. Combinei que a culpa seria minha e eles deixaram o restaurante como vencedores e voltaram às salas de aula.

Nunca mais tive notícia do falsário que ganhou uma cicatriz no abdômen. Sem querer, conversando com um hoje respeitado professor e homem público, ele me revelou o nome do estudante. Fica na minha pasta do sigilo profissional.

Posso adiantar que é uma pessoa que ensina aos jovens e ocupa altos cargos públicos.

Gabriel Novis Neves
28/08/
2009

O Mentiroso



Lembro-me muito do Bar do Bugre quando o assunto é a mentira. O velho casarão era uma verdadeira assembléia ecumênica com relação aos seus freqüentadores: Secretário de D.Aquino Corrêa, profissionais liberais, magistrados, funcionários públicos e políticos. Quando meu pai tinha uma folga no caixa, naquela época chamada de máquina registradora, aproveitava para dar uma saidinha até a porta central do bar, onde perambulavam as novidades. No retorno muitas vezes me dizia: “- Ali só ouvi mentiras, também hoje a maioria é de políticos.”

Cedo aprendi que o homem não vive sem mentir. Mentir faz parte da nossa vida. Como atualmente só ouvimos mentiras, resolvi fazer uma pesquisa sobre o mentiroso. A bibliografia é abundante. Tudo começou com aquela sacana da serpente mentindo para Eva que ela poderia sim comer a maçã. Olha que merda aconteceu daquela mentira! Um mundo irreconhecível.

Alguns mentem mais, outros mentem menos. Quando lemos um jornal ou assistimos aos noticiários das televisões, abertas ou fechadas, sabemos que vamos ouvir e ver mentiras e desgraças. A maioria das pessoas mente porque a mentira é melhor que uma verdade. A sociedade também tolera as pequenas mentiras. A mentira social e a mentira terapêutica são consideradas dos males, o menor. E não me incomoda tanto. Mas a mentira política, esta é insuportável. E foi com relação à mentira política que fiz uma pesquisa.

Escolhi um estado brasileiro onde é difícil encontrar a verdade. A mentira é o seu idioma oficial. Não é por outro motivo que é o “lanterninha” no índice de desenvolvimento humano (IDH). É aquela terrinha do Bigode e dos logradouros públicos de um nome só. Encontrei um trabalho de um membro do Ministério Público e professor universitário sobre o assunto. Verifiquei que não estamos diferentes desta região.

Assistindo a recente programa de televisão não reconheci o meu estado. Que maravilha é a vida por aqui! Com poucos e parcos recursos conseguimos verdadeiros milagres em termos de gestão pública. Todas as escolas públicas foram reformadas. As que não possuíam quadras esportivas de múltiplo uso com cobertura, foram construídas. Possuem piscinas, bibliotecas, laboratórios de informática, professores super motivados com salários chineses, creches, restaurantes com alimentação balanceada por nutricionistas, serviço médico escolar além das aulas de recuperação. O transporte escolar da população rural é feita em ônibus novos e climatizados e trafegam por excelentes estradas asfaltadas. Conseguimos quase a perfeição na área educacional. Outros setores sociais estão ainda melhores que a educação.

É necessário convir que no exercício do poder é proibido mentir. No exercício público não se deve fazer concessão à mentira. O homem público que mente deveria ser apeado, arremessado do poder, pois das mentiras que conta resulta prejuízos para o conjunto da sociedade. Sou intolerante ao homem público mentiroso. Infelizmente a mentira é vendida na política como “jogo de cintura”.

No Rio de Janeiro temos um político especialista em factóides. Lança a mentira e espera o resultado para tirar proveitos políticos. Por que alguns homens públicos mentem? Mentem porque a sua vida e sua obra é apenas uma mentira, um engodo, uma falácia. O pior é que muitos homens públicos fazem da mentira a sua profissão.

Gabriel Novis Neves
13-08-2009

ESTÃO CHEGANDO AS MANGAS



A qualquer momento serei premiado com o anúncio da chegada das mangas. A natureza se manifesta ruidosamente com ventos fortes, trovões, raios e finalmente a abundante chuva, ou como querem os eruditos – torrencial chuva.

A nova geração desconhece o significado deste transtorno que produz mortes, inundações, desabamentos, queda de árvores centenárias, postes, modernos painéis de publicidade e engarrafamentos do trânsito.

Os jovens dizem que apenas sentem medo e pensam no final do mundo diante de tanta fúria da natureza.

Os mais antigos comemoram a chegada da temporada das mangas. Esta chuva que espero tem o nome de chuva das mangas. É só aguardar alguns dias e as mangueiras estarão expondo os seus frutos.

Assim como o pacú é símbolo de Cuiabá proteína-alimentação, a manga é Cuiabá fruta-sobremesa.

Na cidadezinha dos anos quarenta as ruas de Cuiabá tinham a sua arborização feita de mangueiras. Eu morava na Rua de Baixo (Galdino Pimentel) e estudava na Praça Ipiranga (13 de Junho). Esse trajeto todo era cheio de mangueiras. Na ida para a escola pública namorava as minhas futuras vítimas. No retorno com a hipoglicemia dando sinais clínicos de fome praticava o “crime” de abatê-las, e, que gostoso, utilizá-las como medicamento até chegar em casa para o almoço.

Naquela época seria impossível pensar em casa em Cuiabá sem quintal. Mudamos da Rua de Baixo para a Rua do Campo (Barão de Melgaço) com fundos para a Rua da Fé (Comandante Costa). O nosso quintal ficava escondido do sol pelas mangueiras. Tínhamos mangas bourbon, rosa, espada, coquinho e coração de boi. Quando o almoço demorava a ser servido, era no restaurante do quintal que saciava a minha fome. Lembro-me com emoção o prazer de subir ao pé da mangueira e degustar a manga lá no galho mais perigoso.

Nós somos parecidos às mangueiras na sua reprodução. As mangueiras inicialmente produzem flores, algumas as perdem precocemente. Nos seres humanos seria o micro aborto. Logo vem as pequenas frutas com possibilidade de perdas também. Entre nós é o aborto precoce. Os frutos um pouco maiores, as mangueiras às vezes não aceitam. É o aborto fetal.

Quando já identificamos as pequenas mangas, há outra possibilidade de insucesso. Nos vivos são os partos prematuros. As mangas amadurecidas podem ser colhidas à mão. São os nascimentos por cesariana. Outras caem espontaneamente no chão. São os chamados partos naturais.

Há muita semelhança no desenvolvimento das mangas e dos seres humanos. Tanto as mangas como as crianças são filhos da mãe natureza. Perfeitos no nascimento e muitas vezes destruídos pelo ambiente em que são colocados ou vividos.

Como as mangas, sempre necessitamos de um susto, mesmo climatológico, para amadurecer e prepararmo-nos para o nosso destino: a reprodução. Resta-nos paciência para aguardar as chuvas transformadoras.

O momento é este – de expectativa.

As chuvas estão chegando.

Gabriel Novis Neves
20.08.09

Primeiros sinais


A cidade amanheceu com sinal de que o dia dos pais está próximo. Li um outdoor com os seguintes dizeres: “Pai é beleza. Merece um perfume no seu dia.” Este dia será o segundo domingo de agosto. Fui ao “pai dos burros” para entender porque pai é beleza. O dicionário me esclarece. Beleza significa: encantador, formoso, perfeito, gracioso, belo. Não me enquadrei na agenda do “pai dos burros” e, no entanto sou pai. Chego ao meu prédio e pergunto ao porteiro o que é ser pai. O pouco letrado trabalhador me responde sem pensar: “- Ser pai é ser responsável.” Agradeço a ajuda.
Repito a pergunta aos trabalhadores simples do meu hospital. Não encontro uma resposta que bata com a do dicionário. O motorista me diz que ser pai é educar bem o seu filho. O responsável pelo estacionamento afirma ser difícil ser um bom pai. O rapaz da farmácia acha que ser pai é participar da vida do filho. O coletor de sangue entende que ser pai é dar bom exemplo ao seu filho. Enfim, colhi informações suficientes a uma pesquisa séria sobre ser pai.
Enquanto isso na sociedade consumista ser pai é ganhar presente, quando o grande presente ele já ganhou que é o seu próprio filho. Filho é o presente que as agências de publicidades deveriam divulgar. E filhos você não compra em lojas ou shoppings. O filho é o presente que o pai merece como produto do seu amor. E por que perfume? Pai tem mau cheiro? No segundo domingo de agosto temos, segundo a publicidade, de mascarar este odor porque o pai merece. Aí me vem à lembrança de um dos maiores poetas brasileiros: Cartola na sua mais famosa canção diz que as rosas não falam, exalam perfumes. Os pais exalam os perfumes que são os seus filhos.

Gabriel Novis Neves
26-07-09

Remédios Caseiros


Ultimamente tenho me dedicado aos remédios caseiros. Não esses vendidos em lojas especiais. Também não são ervas, plantas, raízes, grãos ou outros produtos consagrados cientificamente. Nada de chá para quebrar pedra dos rins, chá de camomila para calmante, babosa como cicatrizante, chá de boldo para digestão, broto de goiaba para dor de barriga, chá de romã para dor de garganta etc.

Para a cura da pressão baixa, recomendo ligar para alguma agência bancária. Com dez minutos de ligar e desligar o telefone, voltar a ligar, passar por um, depois por vários funcionários, quando você acha que o seu problema está resolvido, vem o remedinho para aumentar a pressão arterial: “o funcionário do setor que o senhor procura, hoje não veio trabalhar”. Se medir a pressão arterial ao desligar o telefone da agência bancária, os limites estarão lá em cima e você curado da hipotensão arterial.

Para irritabilidade o remédio da moda é tentar uma ligação para qualquer hospital. Você ficará horas ouvindo músicas suaves. Nos intervalos uma voz aveludada, geralmente feminina, lhe informará que aquele hospital é humanizado e ganhou o prêmio no ano anterior. A cura também é instantânea, mas você será internado em um hospital geral com outra patologia. Talvez em crise de psicose aguda.

Para a doença de Alzeihmer, a melhor terapêutica é ser síndico de edifício. É chateação o dia todo, o que faz com que se recuperem os neurônios perdidos. Não é reposição hormonal, e sim reposição de neurônios.

Para a cura da doença do sexo masculino, nada melhor que uma companheira com enxaqueca. A enxaqueca é o melhor anticoncepcional que conheço. Não fosse a dor de cabeça feminina, o mundo estaria morrendo de fome e não de aquecimento global. Para as mulheres com aumento de apetite sexual, o remédio é um parceiro roncador. O primeiro passo é a separação de corpos, seguido da cura definitiva.

A verdade é que estas terapias têm dado bons resultados, e eu não as patenteei. Podem experimentá-las e depois me informem sobre o resultado.

Gabriel Novis Neves
Cuiabá, 7 de julho de 2009.

Decoreba



Muitas pessoas me perguntam se sou a favor da decoreba. Quem respondeu “sim”, errou. Tenho motivos suficientes para abominar a pedagogia da memorização ou do papagaio amestrado. Várias gerações passaram e continuam passando por esta desgraça. Quando criança, freqüentava a escola pública pela manhã. A tarde toda decorava a lição. No dia seguinte, de madrugada, muitas vezes utilizando a luz das velas ou lamparinas, sentava-me em uma cadeira de balanço e minha mãe em outra. Era o momento de “tomar a lição”. Com o livro aberto a minha mãe acompanhava o que eu dizia. Eram páginas e páginas de textos memorizados. Qualquer esquecimento da minha parte ela pedia que repetisse tudo de novo. A aprovação da minha mãe era o balanço da cabeça afirmativamente. Até problemas de matemática eu decorava.

Como conceito de normalidade é estatístico, achava normal aquele modelo educacional, pois não conhecia outro. Vou estudar no Rio de Janeiro. Logo descubro que fui enganado. Graças a Deus, às orações da minha mãe, a minha força de vontade e ao balconista da Farmácia Jacy no Catete, o seo Anísio Silva (famoso cantor de boleros da Rádio Nacional) que me indicou o uso de anfetamina para suportar vinte horas de estudos, passei no vestibular dificílimo da Praia Vermelha – a Matriz.

Sofri e, muito com a pedagogia da memorização. Temos que acabar com isto. O processo de interpretação e compreensão do conhecimento inicia-se na educação infantil que, no Brasil, atende a uma faixa quase desprezível da população, especialmente a de baixa renda. Cumprir a lei da promoção automática no ensino fundamental é um engodo. Ninguém respeita a legislação que obriga o estado a recuperar os alunos promovidos, porém com deficiências no aprendizado. O ensino médio é o grande gargalho da nossa precária educação. A evasão é grande e não serve para nada, a não ser para alguns poucos que conseguem chegar à Universidade.

Num bom sistema educacional o vestibular seria dispensável. O aluno automaticamente iria para a Universidade que deveria ser a seqüência natural do processo educacional. Avaliação anual rigorosa, bons cursos com professores qualificados e motivados impediriam a formação de analfabetos funcionais com nível superior.

No Brasil, por falta de estrutura para acolher os alunos do ensino médio, criou-se a barreira do vestibular. Ruim para os alunos pobres. Agora resolvem acabar com o velho vestibular, filho da falta de educação de qualidade, com uma proposta de reforma do ensino que começa pelo teto da casa.

Para esta empreitada precipitada inventaram que o novo vestibular veio para acabar com a decoreba.

E o pior é que tem gente que acredita.

Gabriel Novis Neves
23-06-09

Confissões de Um Velho Amigo



Sempre nos encontramos e a nossa conversa gira sobre os fatos do momento e música. Hoje foi diferente e fiquei surpreso com a espontaneidade do meu amigo. Respondendo ao meu bom dia relata-me algo que o incomodava. Percebi que ele estava precisando de alguém para desabafar. Sinalizei de maneira silenciosa e respeitosa que as porteiras do meu coração estavam abertas para ouvi-lo. Não fiz nenhuma pergunta e ele começou:

“- Casei-me cinco vezes e estou só. Não fui preparado para a vida conjugal. A culpa é minha. Arrumei agora uma namoradinha de vinte anos. Moreninha, carinhosa, toda dengosa. É gente humilde, porém saudável. Vamos sempre ao motel. Não tenho preconceitos com mulheres que amo. Faço questão de lhe tirar as roupas. Depois a cubro de beijos e mais beijos, num material anatômico todo original e durinho. O delírio dela é total e repetido respondendo ao meu carinho fogoso. Satisfaço-me vendo-a feliz, mas sou obrigado a fazer o principal e para o sessentão as coisas geralmente saem uma porcaria. Ela já me aconselhou a tomar um remedinho azul. Tive uma péssima experiência na primeira e única vez que tomei. Na volta para casa sujei todo o traseiro da calça com uma disenteria não programada. Este não tomo mais.”

Ouvia tudo em silêncio. Quando terminou a catarse disse-lhe que o que acabara de me relatar era muito semelhante aos textos de Nelson Rodrigues – “Na vida como ela é.” Lembrei-lhe também que o Glauber Rocha poderia fazer um filme de sucesso com a história contada. Sorriu e permaneceu calado. Entendi que desejava uma consulta do velho médico.

Comecei informando-o que o tal remedinho azul foi pesquisado para ser o hipotensor ideal de um grande laboratório. Após os testes em animais os cientistas constataram o seu excelente efeito vaso dilatador. Agora faltava a última etapa para ser liberado para o consumo: o teste em humanos. A experiência seria em pessoas idosas com pressão arterial maligna. Após dias de explicações aos pacientes crônicos internados em hospitais universitários, a maioria já com seqüelas da doença, o grupo de pacientes aceitou a tomar o novo remédio salvador. A observação dos pacientes em uso do novo medicamento era diária com uma ampla planilha onde logo se confirmou a diminuição da pressão arterial. Ao término de duas semanas nenhum efeito colateral importante foi anotado. Em compensação os velhinhos, sem exceção disseram aos cientistas que, após muitos anos, começaram a ter ereções vigorosas.
O meu companheiro me interrompe e indaga se a descoberta foi por acaso. Respondo que a maioria das novas conquistas científicas aconteceu desse modo. Lembra-se do Newton que estava sentado embaixo de uma árvore e um fruto caiu sobre a sua cabeça? Achou interessante a explicação. Como não dou conselhos, sugeri que não contrariasse a sua namoradinha de vinte anos. E a diarréia? Provavelmente foi efeito tardio de uma feijoada de sábado.

Gabriel Novis Neves
09-05-09

Final de Festa



Quase não vou às festas. Os motivos são simples de serem explicados. Primeiro não sou convidado. Quando isso acontece, são aniversários familiares e as comemorações ficam pelo almoço. Em segundo lugar, tenho crise de preguicite aguda quando o convite chega à minha casa. O diagnóstico de preguicite pode ser feito por qualquer leigo. Os seus sintomas são inconfundíveis: vontade de ficar deitado na cama, mal estar em pensar naquele preparo para festa, tomar banho, fazer a barba, colocar a gravata...

O consciente é eliminado na crise aguda da preguicite e fico horas sem pensar, sem ouvir, vendo filmes impossíveis do futuro. Mas mesmo sem freqüentar as festas, saboreio o melhor que é o seu final.

Quem é festeiro mesmo, não sai da festa direto para a casa.

Mesmo com o dia amanhecendo observo cenas de rara riqueza. Que o diga o meu colega de madrugada o Luizinho Soares.

O final da festa produz visões que até o Nelson Rodrigues duvidaria. Já vi um carro chiquérrimo, lentamente, quase parando em minha direção com uma bunda jovem e lindíssima na janela do carona. Aplaudi o espetáculo e a motorista resolveu dar uma nova volta no quarteirão. Desta vez o espetáculo foi melhor - outras partes anatômicas apareceram.

As expressões verbais ditas pelos que estão em final de festa, são de um bom humor saboroso: “Volta para casa velho, vá cuidar da sua mulher! O porteiro já subiu...”. Bacana né?

Hoje vi perto da feirinha do quartel alguns carros de final de festa, com som ligado dentro dos padrões oficiais, onde vários jovens bebiam, dançavam e se beijavam. Tudo bem se não fossem dois rapazes que apaixonadamente extravasavam o seu amor com prolongados beijos na boca.

Que coisa linda o final de festa nos proporciona!

Gabriel Novis Neves
23.05.09

Comeram o “h”



Tenho um irmão que herdou o nome do meu pai - nascido em fins do século XIX. É um nome incomum. A herança do nome veio com a ortografia da época com y e th. Ele foi registrado assim. O seu filho, neto do velho do século XIX, também tem o mesmo nome com y e th. Quando quero sacanear o meu irmão escrevo o seu nome sem o y e h. Ele me devolve a correspondência alegando que o nome do destinatário está incorreto. O mesmo orgulho tem o seu filho de trinta anos com relação ao seu y e th.

Quando em período de alfabetização no trajeto para a escola pública ia soletrando o nome das lojas comerciais. Era um treinamento. Passei meses sem entender o ph da farmácia Rabelo. Soletrava, soletrava e dizia a mim mesmo: “- ta errado. Farmácia escreve com F e não com Ph, foi o que aprendi na escola.”

A ortografia muda e agora está mudando. A moeda então nem se fala. Vou tentar lembrar: tostão, vintém, réis, cruzeiro, daí para frente não observando a ordem cronológica – cruzeiro novo, cruzado, cruzado novo, URV e real. Será que acertei?

Nomes próprios, mesmos os mais incríveis, registrou em cartório é com ele que vamos viver. Através da justiça é possível acrescentar apelidos: Lula, Mão Santa, Sarney, Garotinho e tantos outros. O que me chama atenção no momento é onde colocaram o “h” do Theatro. Não consigo imaginar o Theatro Municipal do Rio de Janeiro e a data da construção do prédio em números romanos, após uma reforma, perder o seu h e os números romanos substituídos por números arábicos.

Onde colocaram o h do nosso Cine-Theatro?

Gabriel Novis Neves,
24.05.09

Santo de Casa


Nestes últimos dias os antigos cuiabanos, especialmente as “vós”, ficaram numa agitação única. O motivo: a reinauguração do antigo Cine-Theatro da Presidente Vargas. Mesmo caseiro e sabendo pelos jornais do evento, confesso que me surpreendi com a euforia dos contatos que tive. As meninas da época áurea do cinema, transmitiam algo mais que a alegria com a reforma do velho prédio. Era emoção que transbordava dos seus corações.

Não contentes em externar a sua satisfação na cidade, gastaram até interurbanos para contar a novidade às suas contemporâneas moradoras fora da capital. Poucas vezes senti tanta alegria nas setentonas. Espontaneamente fui premiado com vários depoimentos. Estou até pensando em escrever uma cartilha sobre isto. Para o artigo selecionei o melhor desabafo que ouvi: “- Foi preciso um pau rodado ser governador para nos devolver o cinema da nossa juventude. Foram doze anos de espera.”

Percebo suspiros profundos como se alguém estivesse assoprando uma brasa adormecida. “- Quanta recordação! - dizia a líder do grupo - Pela primeira vez temos um teatro em Cuiabá.” Católica praticante, de fazer caminhada com terço na mão, unindo o cuidado físico ao espiritual, perguntei-lhe se não acreditava em Santo de Casa, aquele que não faz milagres e muitas vezes é considerado intruso. Ela responde que nem na folhinha do Sagrado Coração de Jesus existe o dia deste Santo e por isso não tinha entendido a pergunta.

Perguntei se conhecia o Teatro dos Sonhos do Coxipó, construído em apenas dois anos pelo Santo de Casa. “-Ah! Aquele não desperta emoções. Quando ele surgiu o beijo já estava liberado. Neste recém reformado é que a gente beijava quando adolescente. Nesta época o beijo era privado e não público e o primeiro beijo daquela geração sempre foi no Cine-Theatro de Cuiabá.”

Parabéns Cine-Theatro dos Amores!

Gabriel Novis Neves
24-05-09