terça-feira, 13 de outubro de 2009

Futebol x Saúde

Todos sabem que Cuiabá foi escolhida para ser uma das subsedes da Copa do Mundo de 2014. Se não acontecer nenhum acidente de percurso, teremos turistas de todo o mundo por aqui, onde serão disputados de quatro a cinco jogos. Os dirigentes da FIFA são extremamente rigorosos com o cumprimento das metas estipuladas e até mesmo ameaçam com a suspensão dos jogos caso haja atraso no cronograma das obras planejadas. Recursos financeiros não são fornecidos pela FIFA. Estes foram assumidos na Suíça, pelo Brasil e pelos Estados escolhidos.

A primeira visita dos europeus à Cuiabá aconteceu em um cenário de Hollywood. O cacique Raoni, famoso internacionalmente como chefe de estado, foi recebê-los à caráter na escada do jatinho. Depois vieram as inúmeras desconhecidas autoridades locais para saudá-los. Raoni é que é conhecido na Europa e respeitado. O trajeto da comitiva até o Paiaguás contou com proteção aérea do único helicóptero do Estado. Todo o efetivo da Polícia Militar formou um cordão de proteção para o desfile das autoridades. O público da rua era composto de alunos da rede escolar, funcionários públicos dispensados do serviço para a recepção e, claro, dos curiosos como eu. O meio fio das calçadas, por onde passou a comitiva, estava todo pintado de verde e branco. Verde de Cuiabá, branco de Paz. No Palácio foi aquele alvoroço. Todo mundo queria uma foto com o Presidente da FIFA. Homenagens foram prestadas: de título de cidadão cuiabano à devoto da soneca na rede das artesãs de Várzea Grande.

Para encerrar com chave- de -ouro o dia da chegada, nada melhor que uma hiper-recepção-produção no Centro de Eventos do Pantanal. Os senhores da festa ficaram sentados em imenso semicírculo, recebendo outros presentes dos seus súditos e saboreando a gastronomia do mais sofisticado e caro bufê de Cuiabá. Sonolenta e cansada a comissão da FIFA assistiu durante horas e horas as danças da terra: cururu, siriri, a dança de São Gonçalo e a exibição da viola de cocho. Todo este sacrifício feito pelo povo de Mato Grosso, (já que o governo não tem dinheiro) tinha um só objetivo – transformar Cuiabá em uma nova Dubai.

Exaustos os europeus vão descansar. No outro dia, logo pela manhã, uma imensa mesa com chá com bolo os esperava. Depois eles se dividiram. Uns vão sobrevoar a cidade, o local do evento e os pontos turísticos próximos à Cuiabá. Outro grupo se reúne com técnicos do governo para analisar os projetos. O Verdão é condenado pela FIFA. O rico governo diz que não tem problema e apresenta o projeto de um novo estádio, agora substituído por outro apelidado de “Azulão”.

Missão cumprida os europeus partem com a certeza de estarem trazendo a Copa para um estado riquíssimo. Este, por sua vez, conta como certo os recursos do governo federal.

Semana passada houve a primeira reunião em Brasília para definir recursos para a Copa. O governo federal não investirá um real em estádio de futebol. O BNDES (que é um banco) poderá emprestar até quatrocentos milhões de reais com juros camaradas. A decepção foi geral. Só nos projetos de arquitetura, divulgado pela imprensa, o governo já gastou, sem licitação, mais de vinte milhões de reais para atender aos prazos da FIFA. Não contando um milhão de reais da festa de recepção, viagem à África do Sul com trinta e cinco pessoas e outras despesas mais. O orçamento provisório do novo estádio é superior aos quatrocentos milhões de reais.

Enquanto isso Cuiabá sediou a Copa América de Basquete Feminino. Evento internacional para escolha das vagas para o Mundial na República Tcheca. O governo do estado que patrocinou a Copa no Ginásio, anunciou que já começou o processo de licitação para a compra do piso adequado para o ginásio recém inaugurado, já que o utilizado durante a Copa América de Basquete foi alugado. Os preços estão publicados no diário secreto.

O prefeito de Cuiabá anuncia a maior reforma da história do nosso Pronto Socorro Municipal no valor de cinco milhões de reais. Se a FIFA fosse a responsável pela saúde, não deixaria que a prefeitura jogasse dinheiro fora e iria mandar construir, em tempo recorde, um novo e moderno Hospital e Pronto Socorro em Cuiabá. O existente atualmente, depois de reformado, seria utilizado para pacientes de acordo com as suas características arquitetônicas.

Para o projeto do novo estádio de futebol o governo já gastou mais de vinte milhões de reais. Para a reforma do único hospital público e pronto socorro de Cuiabá são destinados apenas cinco milhões de reais.

O circo venceu!

Gabriel Novis Neves
27-09-2009

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.