quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

UMA MANHÃ PERDIDA


Para quem se entrega à escrita diária, é comum ocorrer o que se deu hoje comigo: tive uma manhã ‘perdida’.


Sempre que me proponho um tema para a crônica que vou escrever, consulto o ‘pesquisar no blog’.


Objetivo é invalidar o texto, caso haja algum semelhante ao que já publiquei. Sei, contudo, que é raro haver duas crônicas com conteúdo idêntico.


Há tempos, compartilhei um texto intitulado ‘ata, fruta-do-conde ou pinha’. Dele, nem me lembrava mais.


Pela manhã, pus-me a escrever ‘a ata’, uma vez que o blog não me havia acusado duplicidade desse tema.


O roteiro caminha em torno da fruta deliciosa, embora eu ressalve que os conceitos que exponho são diferentes.


Optei pela mais antiga, porém as mensagens se revelam muito próximas. Afinal, a base de tudo é a experiência acumulada.


‘Perdi’ — reconhecendo que o termo não é apropriado — a manhã. Mas me aflorou o tema de nova crônica.


Toda atenção do mundo e uma boa memória, isso se faz indispensável para o exercício do trabalho de escrever.


Além do cuidado com a parte gramatical, o tema eleito deve ter início, meio e fim, a que se soma um número certo de linhas e caracteres.


No início, sentia dificuldades para me adequar às normas dos jornais. Não raras vezes, a editoria deles pedia que diminuísse o número de seus caracteres.


Já no meu blog, o excelente editor — responsável por igual pelas artes — não cuida de impor restrições.


Como me incluo em meio aos autodidatas, meus textos, no mais das vezes, beiram 2.000 caracteres, de raro excedendo aos 2.500.


Tenho buscado não cansar o leitor, privilegiando-o com textos curtos. E pensar que, nos anos cinquenta, artigos longos ao extremo eram a tônica dos jornais!


Hoje, quase não temos nem jornais impressos!


Por obra de Deus, conservo uma saúde mental excelente, cultivada a ‘amizade com o meu cérebro’. É bem nele que tudo acontece. 


As pessoas atribuem a tal fato o mérito de uma boa genética. 


Seja como seja, aqui vai nova versão da crônica ‘ata, fruta-do-conde ou pinha’. Que seja tão deliciosa como a fruta!


Gabriel Novis Neves

2-3-2024






ENCANTOS DA NATUREZA

 

Nunca vi coisa mais linda do que a natureza!


Ela nos acalenta, ora com o ruído dos ventos nas ondas do mar, ora rompendo o silêncio das planícies do Pantanal, balançando suas escassas árvores.


Os humanos também somos filhos da natureza. O ‘poeta’ imortalizou a garota que ia para a praia balançando o corpo ‘tão cheio de graça’.


As crianças, os pássaros, as aves, o mar, os rios, as montanhas, os desertos, o céu, o Sol, a Lua e as estrelinhas também fazem parte da natureza.


Impossível não saber quem criou tudo isso com tamanha perfeição, estendendo-o pelos tempos sem tempo!


Baste-nos cotejar o calor e o frio, o bem e o mal, a saúde e a doença, a vida e a morte. 


Caminhamos nas extremidades da ‘beleza’. Esta poderá estar em um vaso com uma orquídea branca, fundo azul, ou numa coroa gigante de rosas para um funeral.


Esse, o verdadeiro sentido da vida e da morte, que se confunde com a própria natureza.


No conforto de uma vida caseira em apartamento — por opção —, fiz questão de trazer flores e plantas para que me fossem companhia.


Pudesse, gostaria que um rio percorresse o interior do meu apartamento para eu molhar, pelo menos, as pontas dos dedos das mãos.


Ficaria deitado em uma rede feita pelas artesãs da querida Livramento, toda bordada com cores diferentes e larga varanda.


Estaria aí a contemplar a água do rio passando, mesmo que não me brindasse com um só peixinho que fosse.


As plantas e flores, as mais belas e coloridas, invadem meu apartamento exalando o perfume tão cantado pelo poeta Cartola, lá do jardim de sua casa, no alto do morro da Mangueira.


Rio e flores têm tudo a ver com a nossa cultura popular. Vem-me à mente o poeta Paulinho da Viola: ‘foi um rio que passou em minha vida’. Ah, e como não apreciar ‘as rosas não falam”, do Cartola!


Eu me concedi uma pequena escorregada pelas emoções do pensamento. Coração apertado, finalizo: tantas as belezas com que a natureza, generosa, me brindou!


Como nos faz bem lembrar da natureza, respeitando-a. De igual modo, reconheço que a ‘vida’ acaba por se nos revelar o maior privilégio. 


O conselho de Shakespeare nos vem a calhar: ‘O tempo é algo que não volta atrás. Por isso, plante seu jardim e decore sua alma, ao invés de esperar que alguém lhe traga flores…’


Gabriel Novis Neves

29-2-2024






terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

DA PERIFERIA PARA O CENTRO


De onde me encontro, do alto dos meus bem vividos oitenta e oito anos, tenho condições privilegiadas para verter os olhos ao passado.


Consegui chegar ao miolo de uma vida deveras participativa, protagonista que fui, pra minha gente, de conquistas sociais.


Já no crepúsculo de minhas horas, não mais na condição de médico, dei início a novo trabalho. Nem em sonho imaginei enveredar por ele.


Foram-me apoio os leitores e alguns membros de nossa Academia. Abracei a difícil arte de dialogar com o cotidiano.


Assim, aliás, sempre ocorreu comigo. Ocupei funções complexas, que nada diziam de minha área de atuação. No geral, obtive aprovação acima do esperado.


Já escrevi e publiquei, no blog do Bar do Bugre, quase tudo sobre minha biografia. Está ao alcance de quem vier a se interessar.


Sem enfadá-los, passo a relatar um fato curioso. Por sinal, trata-se de um empurrãozinho gostoso que recebo nessa minha nova atividade: a de escrever.


Moro em um apartamento com trinta anos de uso. O tempo está a exigir uma manutenção de constante.


É raro o mês em que não tenho algo a fazer em minha moradia. Convoco ora o gesseiro, ora o pintor, ora outro profissional.


Esses prestadores de serviço, quando terminam seus afazeres, são trazidos pela funcionária da casa até meu escritório para receber os honorários devidos.


Não por acaso — este o prazer que acaricia meus dias —, sempre me encontram digitando uma crônica no computador.


A pedido, leio a eles a crônica do dia. A atenção é total. Fazem-me perguntas sobre o tema. Comumente, solicitam-me uma cópia para mostrar aos de sua casa.


Muitos têm filhos na escola. Houve alguns que, tomados de orgulho, me disseram que têm filho ou filha cursando a UFMT. Seus olhos brilhavam.


É nessas horas que me acode o bem sem tamanho que a nossa Universidade Federal anda derramando por este Estado gigante! 


É de admirar: todos, sem exceção, possuem celular e WhatsApp, operando-os maravilhosamente bem.


Há dos que solicitam que seu nome seja adicionado nas Listas de transmissão do meu iPhone. Assim, passam a receber a crônica.


Saem agradecidos com o presente, ficando incluídos num grupo específico de prestadores de serviço.


Taí a periferia literária: eles provêm do mesmo lugar de onde, um dia, também eu saí, ensaiando os primeiros passos.


Que todos continuem a perseguir os sonhos que carregam, descortinando aos filhos um amanhã melhor! É o que desejo.


Gabriel Novis Neves
28-2-2024



segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

PENSANDO EM CUIABÁ


Depois do almoço familiar pré-natalino, com a ausência zero de seus integrantes, fui à soneca.


Despertei disposto. Não tendo o que fazer, pus-me a pensar na Cuiabá antiga.


Minha cidade possuía diversos jornais impressos. Lembro dos anos 60 e 70, indo até o início de 80. Havia um que trazia este nome: ‘Correio da Imprensa’.


Seu proprietário era um cearense arretado, que parou por aqui como representante comercial.


Jovem, solteiro e elegante, logo se meteu com a elite da boemia cuiabana.


Vestia-se sempre de branco, com tecido que vinha de sua cidade natal.


Perfumado, barba feita. Tinha como companhia o inseparável cigarro.


Frequentava bares da moda e ‘boates’ da ocasião. Certo dia, ‘montou’ um jornal de ‘oposição’, forte a tudo que fosse governo.


Seus amigos escritores pertenciam à esquerda. O bastante para que nosso ‘jornalista’ os contratasse.


Arregimentou os melhores jornalistas da cidade. Ainda hoje, quantos são lembrados com saudades. Jorrou-lhes uma mina de dinheiro.


Sim, alcançou o sucesso. O ‘Correio da Imprensa’ se fez conhecido como o ‘jornal do Maia ou do Jota Maia’.


Pessoas, estabelecimentos comerciais, ruas e praças — na Cuiabá de meus avós — eram conhecidos por apelidos. Os dez filhos do meu avô, cada um ostentava o seu.


Retornei à minha cidade natal no final de 64 e, de um nada, conheci o ‘temido jornalista’ Maia.


O governador, na época, era um jovem engenheiro. Veio de Miranda: Pedro Pedrossian. Ao conhecer a fama do Maia, dele se tornou logo amigo.


Quando o Pedro precisava divulgar matéria do interesse de seu governo, convocava o Maia ao gabinete, no Palácio.


Fui apresentado a ele. Uma amizade que só findou com sua morte! Todos os anos, sem faltar a nenhum, Maia me telefonava na noite de 24 e 31 de dezembro.


Já cansado da boemia, resolveu se casar. Pedro e eu — secretário de educação — fomos-lhe os padrinhos. 


Uma vez houve em que ele me perguntou se Regina e eu já tínhamos saboreado uma legítima ‘buchada’.


A sua irmã, que veio lá do Ceará, foi a encarregada de preparar o quitute.


Com um calor aprazível — só 40 graus! —, não resisti à tentação e me empanturrei. Até hoje, a buchada não me sai da cabeça… Regina, bem esperta, nem se atreveu a prová-la.


Não me perguntem, em nome da amizade, as vezes em que jornal do Maia foi empastelado. E ele preso! 


É Natal!


Gabriel Novis Neves

26-2-2024















N.E. O jornal ‘Correio da Imprensa’, de José Maia de Andrade (Jota Maia, FORRÓ na intimidade dos amigos), considerado combativo veículo de comunicação da Amazônia Legal contra o regime militar, tendo recebido prêmios de vários organismos nacionais e internacionais.  No início da década de 80, o jornal sucumbiu, sob a ameaça de ser transformado em cinzas. Sua redação teve Arnaldo Camarão, Alves de Holanda, Antero Paes de Barros, Adeildo Lucena, Jê Fernandes, Afrânio Borba, Rubens de Mendonça, Silva Freire, Gilson de Barros, Ronaldo de Arruda Castro, José Eduardo do Espirito Santo, Sílvio Gutierres, João Vieira, Montezuma Cruz, dentre outros.


domingo, 25 de fevereiro de 2024

DÊ ASAS À FANTASIA


Sempre estou a me perguntar o motivo por que os idosos gostam tanto de contar histórias. E por que as crianças vibram, ao ouvi-las.


Não conheço criança que não ame uma sessão em que o forte é contar histórias!


As histórias atuais são algo mais complexo, exigindo conhecimento adquirido há bom tempo.


Hoje as crianças possuem o iPad. E, criancinhas ainda, conseguem manipular essa engenhoca tecnológica.


Passam boa parte do dia assistindo a histórias infantis de fácil compreensão. Fazem isso embora a comunicação seja por mímica. Verdade: nem leem as legendas, nem falam o inglês.


Todas possuem seu celular. É comum que eu atenda a chamados das bisnetas. Sim, querem conversar comigo.


A mais velha delas me disse que não tinha ainda instalado, em seu celular, o WhatsApp, pois não sabe ler e escrever corretamente.


Meu bisneto caçula pede que sua vó chame o biso por vídeo: louco pra papear.


Agora está ‘moleza’ contar histórias para as crianças!


As cuidadoras ligam a televisão nos programas coloridos de histórias infantis e se divertem com as crianças, chegando a gargalhar. Quando não, no iPad.


No meu tempo de criança, as cuidadoras eram chamadas de babás. Reuniam à noitinha, após o jantar, os pequerruchos nas calçadas dos casarões cuiabanos.


Contavam histórias de terror.


Quem da minha época não se lembra da história da ‘alma do outro mundo’? Também a do ‘lobisomem’, da ‘mula sem cabeça’ e do ‘morto que andava pela calçada do cemitério’? E de um mundão delas?


Os idosos adoram também contar histórias em lugares jamais pensados. Preferem fazê-lo em grandes auditórios, em solenidades especiais. Nessas ocasiões, o tempo não ‘corre’: eles têm que ser interrompidos.


O contar histórias infantis —como tudo que é antigo — praticamente caiu em desuso. Aliás, o cenário ideal, que era a calçada de nossas casas, desapareceu.


Será que as crianças atuais não precisam mais aprender a brincar com a ‘fantasia’?


Na esteira do que dizia Rubem Alves, deixe que as crianças voem nas asas da fantasia, como se fossem pipas.


Gabriel Novis Neves

26- 2-2024





UMA CASA-SANFONA


Moro em uma casa ora povoada ao extremo, ora bem vazia. Denomino-a casa-sanfona. Noutros carnavais, sempre cheia de gente. Nos fins de semana, os familiares e amigos acorriam a ela.


Vinham papear no salão da cobertura, degustando pasteizinhos fritos na hora, acolitados com cervejinha gelada. Ouviam-se grandes sucessos da música popular brasileira, em CDs.


Na parte funcional do apartamento, a cozinheira preparava o almoço, embora não soubesse o número dos participantes.


A sobremesa — só de olhar já dava água na boca! — sob a batuta da Regina, minha mulher.


Mas, no correr da semana, a casa ficava entregue às moscas, depois que os três filhos se casaram.


Minha mãe nos deixou! E quantos amigos se foram! Mas só eu sei a falta que a falta da Regina me faz! A reunião, esta ficou resumida aos filhos e netos. 


O comando geral passou a ser de minha filha Monica, não mais na ‘cobertura’.


Neste sábado, a cozinheira não pode vir por problemas de saúde. Suspendeu-se o almoço. Uma justa causa!


Que pena! Iríamos comemorar mais uma vitória da neta Nathalia. 


À noite, estará ela na colação de grau dos ‘médicos residentes’ da UFMT. Ah, como me sinto orgulhoso! 


Foi aprovada para ingressar no curso de especialização. E com distinção!


Não sei por quê, elegeu a especialidade de seu avô. Cuiabá ganhou, bem o sei, competente médica parteira.


Não poderei comparecer à sua festa de colação de grau em razão de minha saúde. A família, por inteiro, se fará presente.


A alegria que carrego, não cessa. Na próxima semana, o Mackenzie vai promover a Colação de Grau, em Direito. Gabriel Neto, entre eles: foi, antecipadamente, aprovado na OAB. 


Já decidiu: a pós-graduação, irá fazê-la em Barcelona, especializando-se em nova área de Direito. É provável que não exerça por aqui sua profissão. 


Teremos, portanto, mais um sábado reduzido ao estilo de ‘sanfona’, pois os parentes irão prestigiá-lo. Resta-me amargar a solidão.


E segue a vida! Com novas conquistas das ‘crianças’! De um lado, o coração se descompassa; do outro, a tristeza de não tê-los ao lado. Assim, nossa vida!


Gabriel Novis Neves

24-2-2024




sábado, 24 de fevereiro de 2024

BIOGRAFIAS, QUE DELÍCIA!


Dos mais variados tipos de literatura, aquele que mais me encanta nesta fase da vida, são as biografias.


O passado me desperta enorme curiosidade, dado que aprendemos o modo como a história das pessoas e os fatos foram construídos.


Com o avanço das comunicações, torna-se fácil assistir a depoimentos de pessoas que há muito nos deixaram. Por tabela, as historietas que ouvimos na infância voltam à tona.


Marchinhas carnavalescas dos anos trinta que minha mãe cantarolava antes do meu nascimento, hoje tenho acesso a elas, cantadas pelo próprio artista.


O tempo caminha, e muitas recordações se perdiam em razão da falta de registro.


Meu pai dizia que começou a namorar minha mãe por causa da marchinha ‘Taí’, gravada por Carmen Miranda, com arranjos musicais do Pixinguinha. Lá dos idos de 1930.


Com o milagre da tecnologia, ontem assisti à ‘Pequena Notável’ — conhecida assim — cantando esse sucesso nos Estados Unidos, país para o qual se mudou em 1940.


Embora tenha nascido em Portugal, ainda criança veio para o Rio de Janeiro. Adotou o Brasil como pátria.


Tenho lido e assistido a documentários do passado, hoje algo esquecidos por essa coisa que é o tempo.


Nossa Universidade Federal, já com 53 anos, está com sua memória bem comprometida.


Os atuais alunos pouco ou nada sabem sobre sua história e, até hoje, nas melhores rodas acadêmicas se lhe discute a paternidade.


Sua memória histórica está se esfarelando, perdida nos porões da irresponsabilidade com nosso passado.


Mesmo a medicina, tida como um curso imperial — já com seus 43 anos de funcionamento —, não possui um livro a contar-lhe o passado.


O que dizer, então, de outros cursos mais antigos como Direito, Educação, Letras, Economia e Engenharia Civil?


Os que a viveram desde o chão batido, estão partindo sem nada ter deixado para a posteridade.


Quanta história se perdendo na cidade universitária de Cuiabá! Seja exemplo a sede da primeira reitoria, a oca e a casa da flauta do velho Museu Rondon. Nem falo do zoológico! Em extinção!


Como seria extremamente gratificante contar a história dos prédios do campo universitário e de seus cursos! 


Ainda há tempo de recuperar o que ficou, com vista a transmitir a nossos professores, alunos e sociedade.


Por oportuno, o pensar de Santo Agostinho: ‘Ninguém ama aquilo que não conhece’.


Gabriel Novis Neves

23-2-2023




sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

PARADOXOS MALUCOS


Deparei-me com um texto pra lá de interessante. Seu autor, o grande jornalista e escritor Ruy Castro.


Versava sobre ‘paradoxos malucos’. É, quão estranho! Decidi compartilhar pelo tanto de verdade que detém.


Assim que inventaram a pílula anticoncepcional, a Terra duplicou de população. Conferidos os números, era ‘batata’.


De 1800 — quando eles começaram a contar — até 1960 — quando a pílula foi comercializada —, o planeta levou 160 anos para atingir três bilhões de habitantes.


Já em 2000, apenas 40 anos depois, com a pílula adotada universalmente, chega-se a seis bilhões. 


A ideia era que, com a pílula, as famílias deixariam de ter dez filhos. Como explicar? É bem simples: as pessoas procriam menos, mas há mais gente procriando.


Outro paradoxo: as mortes por câncer de pulmão dobraram no Brasil, nas duas últimas décadas — quando o número de brasileiros fumantes adultos caiu de 30% para 12%.


Como é isso? Fuma-se menos e, mesmo assim, o câncer dispara?


Claro que não. As vítimas do câncer de pulmão em nossos dias são, é muito provável, os milhões que começaram a fumar há 30 anos — tempo que o tumor levou para se estabelecer.


Quer isso dizer que a queda do tabagismo só se refletirá nos números daqui a algum tempo.


Quanto mais as pessoas aderem a dietas saudáveis, mais cresce a população de obesos!


Quanto mais se combate o racismo, a homofobia e o feminicídio, mais pretos, gays e mulheres são agredidos ou mortos!


Quanto mais as mulheres lutam por respeito e dignidade, mais surgem mulheres-melancia e musas do bumbum!


Quanto mais se imprime dinheiro, menos o usamos! Quanto mais o computador nos facilita o trabalho, mais tempo passamos escravizados a ele!


Quanto mais se aciona o VAR, mais erros povoam a nossa arbitragem!


Curioso: quanto mais se lê a Bíblia, mais se glorificam os vendilhões dos templos!


Sei. Inexiste uma relação imediata de causa e de efeito entre o que se faz — ou se deixa de fazer — com esta ou aquela consequência.


Exceto em relação a esta: quanto mais quente, melhor! Sim: protejamos a natureza! Se é que queremos viver mais e melhor!


Gabriel Novis Neves

22- 2-2024




quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

PROFESSOR DE PORTUGUÊS

 

Contratei um professor de Língua Portuguesa para que eu venha a aprimorar meus textos. Uma das propostas é escrever textos curtos, que não firam a compreensão dos leitores.


Importa evitar ao máximo as palavras difíceis, para não transpirar um tom pernóstico. Pretensão é botar no papel um conteúdo que convide à leitura prazerosa.


Isso tudo atendendo ao que preceituam as boas normas. Foi o que pedi. Isso é o bastante. 


Lembro-me — e não faz muito tempo — de que os editoriais de nossos grandes jornais ocupavam página inteira. Era sucesso!


Naquela época, eu pegava um bonde no bairro do Catete e ia lendo o jornal até o hospital Getúlio Vargas, na Penha.


Chegando lá, presenteava o jornal aos meus pacientes da enfermaria. Uma festa!


Seria impossível repetir esse ato hoje. Mesmo porque o interesse pela informação escrita, aos moldes de então, já não apaixona ninguém.


Os estudantes de medicina já não leem jornais impressos, com notícias ‘amanhecidas’. Em tempo real, recorrem sempre ao WhatsApp. 


Boto atenção para que as crônicas possam ir ao encontro de um maior número de pessoas.


O escrever é um ‘dom’ que recebemos dos deuses. Dom que amadurece com o estudo e com a persistência.


De modo diverso ocorre com o poeta, que é um mágico das letras. A inspiração lhe vem da alma, parece-me.


Com um parágrafo, Manoel de Barros, Mário Quintana e Vinicius de Morais — só para citar alguns — desenhavam o belo, maravilhando aquele que deles se abeirava.


A consulta aos dicionários —que hoje sou obrigado a manusear — é de longe superior a todas que fiz na marcha dos meus dias.


Agasalho o desejo de ser um cronista que transporte um fiapo do belo, competente a amenizar, pouco que seja, as amarguras que o cotidiano envelopa. 


Vontade para tanto não me falta. A meu sentir, isso já é meio caminho andado.


Reconheço que, mesmo assim, de vez em vez envio algumas ‘tijoladas literárias’ ao meu mestre. De volta me brinda com suas preciosas lições.


A cada dia, envido esforços para ‘aperfeiçoar’ o sonho de ser bom cronista. Nesse intento, a ajuda de alguém competente, que valia!


Fica-me a convicção de que o professor não ensina o aluno a ‘ver’. Cabe a ele ‘abrir a janela’ para que este, por si mesmo, o faça.


Gabriel Novis Neves

19-2-2024



terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

A VELOCIDADE TECNOLÓGICA


Do outro lado do mundo, minha filha — pelo celular — comentou comigo sobre um horrível crime ocorrido em importante cidade do nosso nortão.


Curiosamente, no dia seguinte pela manhã, fui informado dessa chacina pela enfermeira que me atende.


No almoço, a cozinheira me fotografou levando o garfo com comida à boca. Por estar distraído com o noticiário da TV, nem havia percebido. 


Ela enviou a foto do almoço à minha filha. De imediato, veio a resposta.


Vivemos em promiscuidade — aqui, no bom sentido — com as distâncias no tal mundo globalizado. 


E pensar quanto por aqui sofremos com o isolamento de nossa cidade em relação ao resto do mundo!


Foram dezenas de anos em que era bem mais fácil nosso comércio ser abastecido por produtos europeus do que por brasileiros. Dá pra entender?!


Ainda em menino, vendia biscoitos, chocolates e até queijos do velho continente no bar do meu pai. Isso a despeito da dificuldade dos transportes. Basicamente, era por via fluvial.


A velocidade com que chegamos à comunicação por telefonia móvel, como foi sensacional!


O triste e injustificável crime cometido ao norte do nosso Estado, e a foto registrada no meu almoço, num instante atinge qualquer ponto do universo.


Como me esquecer disto: a notícia da ‘Independência do Brasil’ demorou quatro meses para chegar a nossa capital.


A notícia da ‘Retomada de Corumbá’, quase dois meses depois, foi divulgada em nossa capital.


Quando criada a diocese de Chapada dos Guimarães, sua área de 140 mil km2 girava em torno de um sétimo da extensão do atual Mato Grosso.


Ficava tão longe, que a bula papal da criação tardava a chegar. Só um ano depois, em 1941, chegou-nos uma cópia…


Não ignoro que todos os setores da atividade humana passaram por um acelerado desenvolvimento nas últimas décadas. 


Mas nada, nada mesmo, pode ser comparado ao setor da comunicação. Verdadeiros ‘impérios’ foram construídos no mundo todo.


Não é por acaso que, aqui no Brasil, a comunicação é tida como o ‘quarto poder da República’.


Em rápidas pinceladas, esse o modo como foi edificado o mundo global, que nos deixa de queixo na mão!


Gabriel Novis Neves

28-2-2024




segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

NOSSA VELHA CUIABÁ


Quanto me orgulho de ser um dos remanescentes da antiga Cuiabá! Guardo com carinho os momentos felizes que vivi naquele tempo.


Tudo era bonito — com tons de simplicidade, diga-se. Mas sinto bem fundo que aquilo que passou, não volta mais.


As brincadeiras das crianças e dos adultos, que doçura eram!


As crianças brincavam nas ruas e nos quintais dos casarões, que hoje, raro, existem por aqui.


Os adultos praticavam muito a pesca. Também a caça, como a de ‘espera’.


As moças passeavam no Jardim, às quintas e aos domingos, desfilando sua graça. As mulheres faziam visitas — costume da época — ou acompanhavam suas filhas aos passeios no Jardim.


A meninada inventava brinquedos, daqueles que não eram comprados nas lojas.


A pesca do pacu e da piraputanga era fácil e farta no rio Cuiabá. O mercado do Porto testemunhava.


As caçadas ocorriam em nossas matas, no entorno da cidade.


Ficava encantado com a ‘caçada da espera’.


O ‘esportista’ — sim, faziam-no por esporte — se paramentava todo. Levava matula e se distanciava do centro da cidade, com uma pequena lanterna, presa à frente do capacete.


Ao escurecer, subia ao tronco mais alto da árvore. Mas não ia só. Fazia-lhe companhia um pequeno livro de leituras. Enquanto ficava de prontidão, empanturrava-se do que lhe fazia carícias à alma.


A espingarda com cartuchos carregados, esta ia a tiracolo.


No bolso do uniforme, uma lanterna maior. Só a acendia quando percebia a ‘presa’ por perto.


O caçador não podia produzir o mínimo barulho, tendo todo o cuidado com sua respiração e tosse.


Assim que a presa saía do esconderijo para procurar alimentos, ao menor barulho ela fugia do local onde estava o caçador.


Bastava que este detectasse barulho nas folhas do chão, acendia a lanterna localizando o animal e lhe acertava um tiro fatal.


Se errasse, a presa fugia e, nesse dia, não haveria mais caçada. Babau!


Os animais possuem um instinto de preservação muito atinado.


Daí por que o controle emocional do caçador devia ser também aguçado.


É fantástica a história contada de caçadores, por se tratar de um jogo de ‘instintos auditivos’.


Bem diferente das ‘estórias’ dos pescadores — como estes ‘viajavam na maionese’, para usar expressão que muito corria —, mais relacionadas à quantidade e ao tamanho dos peixes. Faziam-se mestres no agigantar suas proezas.


Minha velha Cuiabá foi transformada em uma metrópole chata para morar. 


Tudo parece ter ficado mais ‘distante’, até mesmo o tão saudável bate-papo gostoso entre as pessoas. Cada um preso no seu ‘quadrado’, e todos com as ruas esburacadas a complicar.


Gabriel Novis Neves

10-1-2024






MEU FUTURO É HOJE


Há quem alardeie que não precisa da ajuda de ninguém para viver bem e em paz.


Como posso concordar com isso se sou dependente, por inteiro, de tantas mãos a meu lado?


Nada somos sem o outro!


Derramei um pedido de ajuda telefônica a cinco amigos. Foi numa manhã chuvosa, em pleno feriado.


De noitinha, um amigo tinha providenciado o número do celular de que necessitava. Foi o bastante: resolvi o que me afligia.


No outro dia pela manhã, recebi resposta de mais um. Como já tinha encaminhado a solução, agradeci a ele.


E os demais? Ah, estes não me deram retorno! Veio-me à mente Jesus: tendo curado dez leprosos, só um voltou para agradecer. Onde os outros nove?


De minha parte, alegrou-me saber do empenho de um em me ajudar rapidamente. E do outro, que logo me socorreu.


Mas não nego que fiquei decepcionado com a ausência das respostas de amigos bem próximos.


Algo tamborila em minha cabeça: desconfio que tenho pouco tempo por aqui.


Naquilo que me foi possível, estendi a mão a centenas de pessoas. Hoje, percorro o caminho inverso: o de ser ajudado.


E para coisa tão elementar! Desde um simples número de celular para divulgar meus textos, até caminhar para receber um amigo na sala de visitas.


Quando jovens, poucos chegam a botar na cachola que esta fase da vida haverá de ter um fim.


Ainda em criança, voltava da escola e, inocente, perguntei a meu pai quando seria meu ‘futuro’. Do nada, a resposta: ‘hoje’! Fiquei sem palavras.


Por dilatado tempo, essa resposta dormiu a meu lado. E eu, pensativo, envidava esforços para decifrá-la.


Hoje, concluo que o futuro é uma hipótese sem dimensão de tempo.


Como é bom ser criança, que não precisa de ajuda para viver bem, despida da necessidade de trabalhar.


A criança é, de graça, amiga de outra criança, confia em outra criança. Mais que isso: a felicidade parece jamais se afastar dela.


Precisar do auxílio de terceiros é problema que só aos adultos atinge.


A cada dia mais, eles se socorrem da ajuda do outro para conquistar paz interior, mas raramente a encontram.


Precisar é preciso! Pelo menos para minorar, nas atribulações, os sofrimentos que nos cercam.


Gabriel Novis Neves

18-2-2024