segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

MEU PAI, O BUGRE


Sem curso superior e vivendo de biscates — hoje diríamos ‘bico’ —, no alto dos seus 26 anos meu pai resolveu abrir um bar.


Nessa empreitada, teve o auxílio de sua mãe, Eugênia. Carioca, era filha única de um marechal gaúcho com uma argentina.


Abriu o bar na antessala de um galpão do cinema de Cuiabá, no centro da cidade. Na retaguarda, sua mãe e irmãs: forneciam salgados à ‘empresa’ familiar.


Cabia a ele agasalhar seus irmãos menores no ensino fundamental. Tinô, Ioiô e Joãozinho vieram se juntar ao proprietário ‘Bugre’, um nadinha mais velho.


O sucesso do negócio foi tanto, que comprou bela residência. Ficava na esquina da rua de Cima, ao lado da Sé Catedral.


Reformada a residência para bar e sorveteria, mudou-se do barracão do cinema, onde trabalhara até 1970. Foi quando fechou o bar, meio século de portas abertas.


Numa cidade calorenta, para o sustento da família, nada melhor do que vender cerveja, refrigerante e sorvete.


Meu pai, na rota do costume da época, teve nove filhos. Desses, quatro homens.


Preocupado com o amanhã, estimulou a todos fizessem o curso superior. Resultaram daí dois médicos e um economista. O caçula, que lhe leva o nome, é bacharel em direito.


As meninas são casadas: três são normalistas, uma pedagoga e outra assistente social.


Esse preâmbulo testemunha a inteligência prática e o cuidado que meu pai, Olyntho Neves — o bugre do bar —, emprestou ao que fez.

 

Trazia esta convicção: não havia melhor maneira de educar que não pelo exemplo.


Como não me lembrar do seu carinho aos irmãos: a todos bem encaminhou. Um ficou com ele até que tomou a decisão de fechar o bar.


Curioso: a nenhum dos filhos incentivou a continuar o seu negócio. Ah, colheu em vida o acerto de suas escolhas!


Os pais eram decisivos no futuro dos descendentes.


Meu pai teve nove irmãos. Os três mais velhos puderam estudar no Rio de Janeiro.


Dois deles abraçaram a magistratura, aposentados como desembargador. Um foi engenheiro agrimensor.


Sem recursos para sustentar a ‘escadinha’ no Rio, os demais irmãos ficaram por aqui.


Minha avó, retornando ao seu torrão natal, levou seu filho caçula. Foi procurador do Ministério da Fazenda.


Só uma pessoa bafejada por tamanha largueza de visão seria capaz de fazer o que meu pai se propôs a fazer.


Não nos cumulou de bens materiais. A todos brindou com a educação superior.


A mim, primogênito, foi dado o privilégio de implantar — a outros abraçado — a UFMT. Também fui o primeiro médico da ‘dinastia’ Novis Neves.


Nosso pai — isso nos ficou — foi um ser extraordinário. 


Temos certeza de que ele, feliz, assistiu a tudo que fizemos. Plantada por nossos pais, essa árvore floresceu frutos de excelência. Nossa gratidão!


Gabriel Novis Neves

23-1-2024




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