sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

UM PASSADO DISTANTE


De raro em raro, sou atacado por meu cérebro.


Após intenso dia de trabalho, um ou outro fato do passado remoto é motivo de briga.


Ainda ontem, pouco antes de dormir, confessei à minha cuidadora que não poderia acreditar que, quando no Rio de Janeiro, certos fatos me turvaram os dias.


Pus-me a enumerar várias passagens de minha vida, no período dos dezoito aos vinte e sete anos.


A medicina não especializada me escondeu o caminho que pudesse me tranquilizar sobre o ocorrido.


Quantas batalhas enfrentei, deixando-as estendidas ao longo de minhas horas.


Na faixa etária em que me encontro, emergem muitas coisas. Fazem-me pensar. Só um bobo para negá-las.


O cérebro nos parece um mágico, passando a fazer piruetas na cachola. Ponho à mesa as mudanças físicas: deixam marcas que chegam a nos descaracterizar.


Isso quando o cirurgião plástico não é convidado a realizar o milagre do rejuvenescimento.


Pra quê, não sei!


Bate-me um caminhão de saudades. Uma amiga contemporânea me disse que ‘cansou de sentir saudades’.


Como a sua família é de longevos, o prognóstico é que ela, no espaço de um ano, passe a sentir ainda mais saudades.


Como não adicionar a minha a esse grupo seleto!


Na vida, tudo se ajusta. Por certo, encontrarei um jeito de distrair meu cérebro.


Ao menos na teoria, a mim me parece fácil resolver tal ‘problema’, bastando aceitar que tudo aconteceu.


Foram vários os riscos de morte por que passei!


Na antiga estrada de Jacarepaguá ao Grajaú, ‘vi a minha morte’ num choque de veículos.


Era uma noite chuvosa. Saía de um plantão de 24 horas batidas. Precisei recorrer a uma carona.


Passados mais de sessenta anos do ‘quase acidente’, já não acredito que tenha vivido momentos de terror.


Outro acidente ocorreu quando minha ambulância, em velocidade excessiva, deslizou no asfalto molhado na Tijuca. Alta madrugada.


Desgovernada, a ambulância foi parada por um poste de energia elétrica, produzindo um forte curto-circuito na região. É de registrar que houve risco de incêndio no carro de socorro médico.


Fiquei machucado, e — só por Deus! —, os quatro funcionários foram salvos. Nesse período, quantos acadêmicos de medicina perderam sua vida nas ambulâncias do Pronto-Socorro!


Custa-me acreditar no dia em que duas senhorinhas, saindo à janela de sua casa, me negaram água para beber! Não lhes condoeu o acidente havido.


Até hoje, quando relato esse fato, vem-me à mente a sede torturante daquela madrugada.


Pergunto: por que relembrar fatos doídos do passado — inacreditáveis aos meus olhos — se, em oposição a eles, houve centenas que me foram tão só bênçãos? 


A Deus, sou ‘agradecimento’!


Gabriel Novis Neves

26-1-2024







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