sexta-feira, 23 de abril de 2010

Perfis brasileiros

Acabei de ler um livro de Joaquim Ferreira dos Santos, com duzentas e oitenta e seis páginas, editado pela Companhia das Letras. É um livro contemporâneo, e despertou em mim sentimentos contraditórios: não sei dizer se de alegria ou, de tristeza. Faz parte da coletânea “Perfis Brasileiros”, e o autor, entre outros trabalhos publicou - para quem gosta do gênero - “Feliz 1958” e a biografia do cronista e compositor pernambucano Antonio Maria.

Encontro um amigo intelectual que não via há muito tempo. Conversa vai conversa vem, e ele me sai com aquela perguntinha – bem típica dos desinformados e preconceituosos com relação à velhice:
- Você ainda trabalha?
Respiro profundamente e respondo:
- Sim.
- Não como antigamente não é?
- É. Respondi monossilábico – a conversa não dava liga.
- E o que tens feito para passar o tempo?
- Nada, pois não quero que ele passe.
- Brincando muito com os netos, né? Ou vais me dizer que com essa idade estás namorando?

Meu Deus, ele ia continuar com aquelas perguntinhas horrendas. Resignado, dou um longo suspiro e respondo:
- Pratico atualmente a medicina artesanal, aquela que não atende (!) planos de saúde - e prossegui - escrevo artigos e crônicas para mim, e leio também matérias não médicas.

Aí ele não se conteve, e do alto da sua erudita cultura, - muito arrogante por sinal - citou umas dez obras de autores estrangeiros, daqueles bem chatos, sabe como é? Daqueles livros que só de ler a orelha já cansa o leitor – clássicos enfim. Pois bem. Então ele me perguntou se eu já tinha lido alguns – ah, antes acrescentou serem obras imperdíveis.
- Não li nenhum desta sua lista – respondi já impaciente. Nunca tive forças para estas leituras, embora possua alguns em casa, presentes de amigos.
- Não me vai dizer que estás lendo a Play-boy, Caras e Quatro Rodas? Perguntou-me entre perplexo e irônico.

Resolvi então revelar minha última leitura:
- Acabei de ler um pequeno e delicioso livro sobre a Leila Diniz.

O impacto causado no meu amigo intelectual foi tão grande que ele quase engasgou. Ainda perplexo me perguntou:
- aquela...? Sussurrou.
- Sim. Ela mesma, a do Pasquim. Respondi triunfante.

Decepcionado, indignado e meio aborrecido, despediu-se de mim rapidamente e foi embora.
Leila Diniz! Uma jovem à frente do seu tempo! Questionadora, irreverente, inovadora, ousada, fascinante. Faltam-me adjetivos para falar de Leila Diniz. Qual uma estrela cadente passou rapidinho pela terra – morreu aos vinte e sete anos de idade em um desastre de avião, bem pertinho do céu. Deixou um legado, não pornográfico como dizem os pseudomoralistas, mas de atitudes atrevidas e inusitadas, boas para uma boa reflexão. O Brasil nunca mais foi o mesmo quando, em mil novecentos e setenta e um, grávida, foi à praia de biquíni, sem a bata que costumava cobrir a barriga. Sem fazer discursos, sem queimar sutiãs nem maldizer os homens, ela realizou uma revolução no comportamento feminino. Viveu com aquela ânsia guiada pela necessidade de existir em liberdade, e é um exemplo que até hoje é citado pelas mulheres. Na política Leila Diniz pregava a luta não armada. Segundo o seu biógrafo Joaquim Ferreira dos Santos, pregava “A felicidade no poder.”

Gabriel Novis Neves
15/04/2010

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