sexta-feira, 9 de junho de 2023

FAZER O TEMPO CORRER


Quando quero que o tempo passe muito rápido, o melhor remédio antigamente era arrumar as gavetas, e hoje as caixinhas do computador.


A minha mãe com noventa anos não precisava de muitas horas de sono à noite para recuperar as suas energias.


Ficava a arrumar as gavetas da sua linda e centenária cômoda, onde ela guardava parte das suas roupas.


Era lá também, que ela escondia seu dinheirinho, para as despesas da casa e alguma economia para uma emergência.


Enrolava esse dinheiro em papel de embrulho e misturava entre as roupas.


Quando precisava dele, era obrigada a procurar por horas.


Esse trabalho não tinha horário fixo e tanto poderia ser feito durante o dia, como a noite.


A sua cuidadora me disse que ela passava a madrugada remexendo as gavetas da cômoda e oratório que ficava em cima, com a imagem de São Pedro, o santo protetor da nossa família.


Além das roupas limpas e passadas ela guardava cartas, fotografias dos filhos, netos, bilhetes vencidos da loteria da Caixa Econômica Federal.


Mamãe acreditava na sorte, tentando de vez em quando arriscar na loteria.


Comprava rifas de tudo e uma vez foi sorteado o seu número, e ela ganhou e vendeu uma Rural Willys zero quilómetro.


Anos depois eu ganhei em um sorteio, um fusquinha zero quilometro e fiz o mesmo que a minha mãe: vendi.


Mamãe depois de viúva, não quis morar com nenhum dos nove filhos.


Alugou um bom apartamento no mesmo andar de uma das suas filhas e tinha uma cuidadora à noite.


Velho por mais paparicado que for, tem momentos de grande solidão.


Ela tinha muitas técnicas para fazer o tempo passar.


Escrevia e respondia cartas das suas amigas, telegramas, convites os mais variados, de casamentos, aniversários, festas de quinze canos e condolências pelo passamento de um ente querido.


Fazia crochê, jogava dama sozinha e adorava conversar com as visitas.


Hoje, queria que a tarde passasse rapidamente sem nenhuma razão.


Lembrei da minha mãe e iniciei a verificar nas caixinhas do meu computador, aquilo que tinha arquivado e esquecido.


Fiz uma faxina como ela costumava dizer.


Descobri tanta coisa que eu não sabia que tinha, e senti falta de coisas que guardei.


Como tinha ainda tempo para gastar, passei a abrir as pastas de fotografias, onde tenho milhares, sendo muitas repetidas.


Gostaria de saber como acha-las quando precisar.


Gastei o meu tempo tão bem, que só parei quando a enfermeira me disse que era noite, e eu precisava tomar banho para lanchar.


Estou realmente velho, e um dos sinais é procurar coisas que um dia foram guardadas.


Gabriel Novis Neves

01-06-2023




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