domingo, 26 de dezembro de 2010

CULTURA

Meu relógio fantasia “Made in China” quebrou. Que situação! Tive que apelar e usar um novinho, de marca famosa, que, de tanto tempo guardado na gaveta, virou de estimação.

Tenho esse patológico hábito de guardar os presentes novos e de valor, e andar feito mendigo. Não entendam, por favor, que eu esteja fazendo uma apologia à avareza. Isto não. Sou católico e sei que a avareza é um dos setes pecados capitais. É cultural mesmo esta minha mania.

Venho de uma família simples, com muitos irmãos e parcos recursos financeiros onde o desperdício, este sim, era um pecado. Então cada irmão cuidava muito bem das suas coisas para o devido repasse ao irmão menor. Creio que veio daí a minha mania de guardar “coisas boas”.

Cuidava com o maior zelo das minhas roupas, sapatos e livros, pois no próximo ano seriam utilizados pelo meu irmão menor. Ah, sim! Tinha obrigação de guardar a melhor roupa para eventos especiais: missa aos domingos, aniversário da dinda, Natal – essas coisas.

Na família do meu pai só o mais velho dos irmãos ia ao médico para obter um par de óculos de grau. Depois os óculos passavam aos outros irmãos, respeitando a idade.

Quando deixei Cuiabá para estudar medicina no Rio, a minha mãe preparou o meu enxoval. Colocou em uma pequena mala de papelão, aquilo que eu dizia ser material para a Arca de Noé. Eram duas - camisas, calças, camisetas de algodão e cuecas. Como também, dois - lenços, pares de meia, pijamas e calções. Um par de sapatos nos pés, um pulôver de tricô feito pela minha mãe e o terno branco da formatura no ginásio. É, acho que foi só isso. Quando ganhava uma camisa nova, claro que guardava!

A história da minha doença é essa e o diagnóstico independe de resultados laboratoriais.

O meu velho relógio quebrou. Com que tristeza remexi na gaveta e resgatei lá do fundo o novo para substituí-lo. Ainda não me acostumei com ele. Além da insegurança de não contar mais com um reserva para “situações especiais”, como diz o meu irmão ao abrir uma conta bancária.

A durabilidade da máquina que uso hoje no pulso esquerdo tem um certificado de garantia bem superior ao dado pelos meus médicos com relação a minha ótima saúde.

Já que extraí das profundidades das minhas origens a razão de guardar as coisas novas para um dia qualquer desses usar, será então, que assim mesmo, ainda continuarei usando trapos?


Gabriel Novis Neves

05-11-2010

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