domingo, 7 de março de 2010

A Garrafa

Uma mesa simples, quase rústica, coberta por uma toalha bege; três pratos com os seus respectivos talheres; três copos; cadeiras vazias ao seu redor; uma garrafa de vinho no centro. Simples, encantadora, de uma comovente beleza e de uma rara sensibilidade. Esta é a imagem de uma foto que recebi de uma amiga, via email. Uma verdadeira obra de arte – tanto pela arte na composição do cenário, como pela sua mensagem. Feito o preâmbulo, conto o fato.

Dia desses recebi a visita de uma querida amiga. Conversa vai, conversa vem, me falou que estava indo para a serrinha. Perguntou se eu queria ir – só por delicadeza, pois ela sabe que eu gosto é de ficar aqui. Na despedida dou-lhe uma garrafa de vinho – bem apropriado ao clima da serrinha. Adivinhem onde foi parar a garrafa de vinho? Acertaram: no centro da mesa da foto.

Fiquei horas observando a foto, e divagando. A foto me transmite tranquilidade suficiente para me fazer apreciar a beleza em toda a sua simplicidade. Dá até vontade de voltar a viver aquela vida simples e pacata da Cuiabá de antigamente.

No mínimo, naquele local, três pessoas são apreciadoras da bebida dos deuses, talvez pelo clima da região, um dos mais agradáveis do estado, talvez pelo sabor e aroma das uvas pisoteadas, transformando-as num dos líquidos mais saborosos do mundo, e com certeza, são apreciadoras também de um bom papo. A falta de uma cadeira naquela mesa talvez faça companhia à solidão da garrafinha. A seqüência da vida da garrafa é totalmente diferente da pessoa da cadeira ausente à mesa. Uma será totalmente consumida - daqui a pouco será lixo reciclável; a outra continuará vagando por este mundo surpreendente de belezas naturais.

Fico imaginando a cena, afinal servir vinho exige certo ritual, como diz o nosso poeta Drummond: “Respeito silencioso/paira sobre a toalha./A garrafa espera o gesto,/o saca-rolha espera o gesto,/ a família espera o gesto/ que há de ser lento e ritual”. O dono da casa pega a garrafa, geralmente com a proteção de um enorme guardanapo, analisa o rótulo, o ano da fabricação, a sua procedência, retira a rolha e a cheira, segura a taça com a mão direita próxima da base e lentamente faz descer o vinho, roda o vinho dentro da taça para espalhar seu verdadeiro cheiro, coloca o nariz dentro da taça inclinada e cheira, faz a degustação inicial, de forma lenta para verificar sua qualidade. O anfitrião aprova - e só então é servido aos convidados.

E a ausência do copo que deveria estar na mesa nem foi notado, a não ser por mim.

Gabriel Novis Neves
28/02/2010

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