Fiz
questão de comparecer ao almoço comemorativo do centenário de vida do professor
Benedito de Figueiredo realizado há três anos.
Além
de mestre e amigo, pela primeira vez participei daquele tipo de aniversário.
Centenário de uma pessoa viva com lucidez intocável.
O
almoço com o professor foi um dos pontos luminosos da minha vida.
Jamais
esquecerei aquele ambiente aconchegante, repleto das nossas tradições.
Familiares,
amigos, colegas de academia, alunos, gente simples, todos reunidos para prestar
solidariedade à figura humana extraordinária do professor Ditão.
Jamais
esquecerei seus últimos ensinamentos.
O
nosso sábio encerrou a sua vida neste planeta aos cento e três anos,
completados no dia vinte e oito de fevereiro deste ano.
Ditão,
como era carinhosamente chamado pelos seus amigos, permaneceu elegantemente
sentado durante toda a festa em sua velha cadeira de balanço conversando e ouvindo
música regional.
Atendia
com paciência, beijos e abraços as palavras carinhosas dos seus inúmeros
convidados, retribuindo com o seu bom humor e uma palavra generosa a todos que
foram cumprimentá-lo.
A
identificação das pessoas presentes ao almoço era feita por parentes. Vítima
de um glaucoma perdeu completamente a visão nos últimos anos da sua vida.
Lúcido,
brilhante, alegre, aproveitou o máximo da vida para ensinar, principalmente, a
sua arte de lidar com as letras.
Foi
consultor gramatical permanente de várias gerações de jovens estudantes,
professores e cultivadores da língua pátria.
Sua
grande paixão nas letras era o plural das palavras. Foi ele o inspirador
recente de antigos discípulos com relação à palavra gol.
Para
o mestre plural de gol é gois, para desespero de muitos.
Antes
de partir deste plano espiritual, respondeu à pergunta de uma neta, que
desejava avaliar o seu estado de consciência. Ela perguntou ao avô qual era o
plural de terça-feira. Ele respondeu: “- tudo no plural: terças-feiras”. Foram
suas últimas palavras.
Despedida
da vida e da gramática.
Atendendo
ao seu pedido, chegado a mim pelo seu genro Walmir, convidou-me a sentar-se ao
seu lado, segurou durante um longo tempo as minhas mãos e ministrou a sua
última aula de sapiência.
Deixei
que falasse, pois queria ouvi-lo.
Informalmente,
com a simplicidade dos gênios fui anotando na minha memória os valores que
nortearam a sua vida com dignidade.
Humildade,
simplicidade, gratidão, reconhecimento, justiça, amizade e, principalmente, despojamento
dos valores materiais.
Deixou
que eu percebesse as suas duas grandes paixões - a família e os livros.
Esse
foi um ato de extrema generosidade para comigo, o seu depoimento-testamento.
Na
saída da festa do seu centenário, sabendo que eu era torcedor do Botafogo,
disse-me que durante o tempo que estudou no Rio de Janeiro tornou-se torcedor
do Botafogo.
Quis
o destino que o nosso mestre Ditão nos deixasse em um domingo, após o nosso
Botafogo conquistar o Campeonato Carioca de Futebol.
Ditão
se apresentou a São Pedro segurando a Taça conquistada horas antes em Volta
Redonda.
Talvez
nem São Pedro soubesse ainda do resultado do jogo.
Prêmio
do céu a um homem de bem.
Ah!
Se eu pudesse escrever tudo que o Ditão me disse no nosso derradeiro encontro.
Sinto-me
inibido em socializar tanto carinho recebido de um sábio.
Adeus
Ditão!
Até
o dia que concluir a vida que me existe, para continuar a conversa
inesquecível.
Gabriel Novis Neves
07-05-2013
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