quinta-feira, 2 de maio de 2013

ESPERIDIÃO


Logo que retornei a Cuiabá para exercer a minha profissão fui premiado pelos colegas mais antigos para cuidar dos pacientes da Chácara dos Loucos do Coxipó da Ponte, apelido oficial do Hospital Colônia de Alienados do Estado de Mato Grosso.
Certa madrugada recebi um telefonema do Pároco da nossa Catedral Metropolitana solicitando com urgência a minha presença na velha Matriz.
Muito nervoso perguntei de que se tratava. Descontrolado, ele me disse que um interno da Chácara tinha fugido e que na hora da missa das cinco da manhã subiu ao altar e começou a sua pregação, para surpresa e espanto dos fiéis.
Dizia ser enviado de Deus e estava ali para pregar o bem. Entoou cantos religiosos e até batina conseguiu vestir.
Tentei acalmar o bom padre. Disse que conhecia o paciente, era meu amigo e jamais cometeria um ato de violência contra os paroquianos.
Falei que já estava me vestindo e que dentro cinco minutos estaria na igreja. Orientei ainda o padre que o ouvissem com toda a devida atenção e respeito.
Assim que me viu na igreja o Esperidião encerra o seu sermão de salvador de almas e disse aos católicos que eu havia chegado para solicitar a sua ajuda nas atividades diárias do hospital, que só funcionava porque ele fazia de tudo ali. Do café da manhã ao jantar. Ainda ajudava na aplicação dos eletrochoques, limpeza e disciplina do hospital.
Assim era o meu grande Esperidião, um delirante acometido de surtos de grandeza, e que tudo resolvia. Era o Deus da Chácara dos Loucos, hoje Hospital Adauto Botelho.
Sempre me lembro com carinho dessa figura humana extraordinária, crônico de um hospital psiquiátrico.
Assistindo ao programa Resumo do Dia, deparei-me com uma entrevista que me fez lembrar muito do Esperidião.
O entrevistado considerava-se um gerentão enviado por Deus, capaz de resolver todos os complexos problemas desta cidade e transformá-la em um verdadeiro paraíso até os jogos da Copa do Mundo.
Tinha experiência de desafios maiores em outros planetas e sempre se saiu bem. Nunca teve um fracasso em sua vida, chegando a tocar ao mesmo tempo com sucesso e eficiência mais de mil e duzentas obras.
Só ele consegue esse milagre para nós pecadores - ficar os três turnos de trabalho nas obras citadas em vários locais deste país.
Confirmou que foi procurado pelo seu grande líder para salvar Mato Grosso. Não teve a curiosidade de saber em que setor. Esperou que o intermediário falasse com o governador sobre essa solução, que tanto poderia ser o seu aproveitamento imediato no comando das obras da Copa, ou em outras missões, nunca impossíveis para ele.
Acredita que o chefe do executivo estadual não se interessou pelos seus trabalhos milagrosos?
Indagado mais uma vez pelo repórter sobre o motivo do desinteresse do governador, respondeu no melhor estilo Esperidião: “ciúmes de homem”.
Ah! Desliguei a televisão. Não suportei as saudades do Esperidião.

Agora soube, que ele comprou um pequeno partido para transformar Mato Grosso!

Que situação!


Gabriel Novis Neves
28-04-2013

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