Sei
que o ano está terminando quando recebo o boleto do Cemitério Parque Bom Jesus
de Cuiabá.
Depois
que fiquei viúvo, essa tarefa foi mais uma, dentre tantas, que assumi. Esse
documento chegava sempre na primeira semana de dezembro, e, até meados de
fevereiro, não tinha aparecido. Senti falta do boleto de cobrança.
Fiquei
imaginando os mais variados motivos para justificar a sua ausência: mudança na
administração, extravio da correspondência, ou, quem sabe? - de ter ficado
livre da cobrança por usucapião da pequena área de sete metros de profundidade
- coisa que a olho nu não bate com o que se diz.
Ora
bolas! - pensei. Que bobagem essa de sentir falta de uma cobrança regular! Era
mesmo só o que me faltava!
Lembrei-me
dos tempos de estudante de fisiologia do curso de Medicina. Meu professor,
Thales Martins, nos encantou com uma aula sobre reflexos condicionados.
Em
1904 o cientista russo Pavlov obteve o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina
por ter descoberto o reflexo condicionado.
Para
recordar, o professor quis contradizer, cientificamente, que não é o traje que
faz o monge, mas, a repetição de um ato.
É
a história do cachorro, do pedaço de carne e da campainha. Durante meses Pavlov
tocava uma campainha e oferecia um pedaço de carne ao seu cachorro. Depois de
algum tempo, no horário habitual, tocou a campainha e não ofereceu a carne. O
cachorro salivou e Pavlov ganhou o Nobel de Medicina, prêmio nunca conquistado
por um brasileiro. As experiências continuaram com humanos e ficou provado que,
tanto os animais irracionais como os racionais, desenvolvem o reflexo.
As
reações do reflexo são as mais imprevisíveis possíveis, entrando seus
conhecimentos pela sofisticada área das neurociências, com os seus apêndices.
Quando
a minha acompanhante chegou para me fazer companhia no turno da noite, ao
abrir-lhe a porta perguntei a ela se estávamos já no ano novo.
A
pobre senhora, assustada, quis saber se eu estava passando bem. Balancei a
cabeça em sinal afirmativo.
Há
quarenta anos morando em casa de médico, ouvindo conversa de médico e recebendo
queixas telefônicas de clientes, não é uma leiga no assunto.
Fez
as clássicas perguntas pra testar a minha capacidade mental. Perguntou o meu
nome, profissão, endereço, número do telefone de casa e o último ano em que o
Botafogo tinha sido campeão. Eu respondi a todas com acerto.
Mais
calma, mostrei-lhe então, com alegria compartilhada, a chegada do boleto do
Cemitério Parque Bom Jesus de Cuiabá. Sendo minha sócia nesse empreendimento e
sabedora do atraso desconfortante, expliquei-lhe que fomos vítimas do reflexo
condicionado.
Passei
o resto da noite explicando a história do cachorro, da campainha, da carne e da
falta que senti do boleto com o atraso da cobrança.
Gabriel
Novis Neves
20-03-2012
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