sábado, 28 de abril de 2012

APAGÃO VISUAL


Sem planejar fiz um tour pelo centro de Cuiabá, hoje chamado de Histórico, e tombado pelo Patrimônio Histórico e Cultural da União.
Nunca poderia imaginar que a casa onde nasci, na Rua de Baixo, depois de transformada em um salão comercial, pudesse ser patrimônio histórico e cultural da minha querida cidade natal.
 Visitei a “maternidade” em que nasci.
Naquele quintal meu pai cavou um buraco e enterrou a companheira, mais conhecida hoje pelo nome de placenta.
Estudando ciências naturais, comecei a entender as coisas, e como achava indecente falar placenta ou companheira enterrada, passei a usar muito a expressão meu umbigo, que é um pedaço do cordão umbilical que fica amarrado no abdome das crianças.
Cai espontaneamente, quando um ritual é preparado, para proteger os recém-nascidos.
O local no qual vivi até os dez anos é hoje um imenso salão comercial.
Procurei a escada da sala de visitas, o quarto do meu nascimento, em cujas janelas frequentemente me sentava, o banheiro no quintal, as plantas, o lugar do jogo de botões. Tudo havia sido demolido, aterrado e nivelado, para as suas novas funções.
Pedaço de mim estava perdido e nem um lugar havia onde os antigos marcavam simbolicamente o início da nossa vida terrestre. O cimento tinha encoberto sonhos e fantasias daquela criança.
Com orgulho juvenil sempre repetia, para demonstrar meu amor por Cuiabá: - “Meu umbigo está enterrado na terra sagrada deste quintal!”
Continuo a minha caminhada, lembrando-me das personalidades que construíram esta civilização. Encontrei escombros de casas de arquiteturas coloniais em estado de decomposição.
Vi há pouco imagens daquilo que fizeram em Hiroshima há sessenta anos.
O centro de Cuiabá é uma Hiroshima do desleixo e desinteresse de várias gerações de cuiabanos de tchapa e cruz que nada fizeram para salvar o nosso DNA arquitetônico.
Exemplos bons devem ser copiados, mas não tivemos a visão do nosso vizinho Estado de Goiás que, sabiamente, preservou a sua cidade histórica e construiu uma moderna capital, visando o futuro.
Não temos aqui nem uma coisa nem outra.
Descaracterizamos o nosso passado e não construímos o futuro para o mundo contemporâneo.
O grande centro de vivência, que era o centro de Cuiabá, parece uma cidade de garimpo novo sem planejamento, leis e segurança.
A principal e histórica Praça Alencastro, durante o dia, é lugar de comércio extremamente perigoso. À noite, centro de prostituição e venda de drogas. Além de albergue para os dependentes químicos.
Em Paris os brasileiros sentem orgulho, quando os guias turísticos mostram onde mora o Chico Buarque.
Em Cuiabá não existe uma placa ou marco, mostrando onde nasceu o único presidente da República cuiabano que, para quem não sabe, tinha o nome de Eurico Gaspar Dutra.
Centro Histórico sem história, terreno fértil para o endeusamento de muitos equívocos históricos derramados nesta santa terra de Rondon, conhecido, aqui, como Cândido Mariano.
Senti um apagão visual, ao verificar a ausência dos antigos casarões cuiabanos onde cada parede de terra era um pedaço da nossa história.
Infelizmente o nosso Centro Histórico é uma imensa sequência de estacionamentos de veículos. Virou uma cidade garagem.
Foi o mais triste apagão visual de que me recordo haver presenciado.
Vândalos não respeitaram nem a placa de bronze que um dia indicou que, naquele casarão da Rua do Campo, funciona a Academia Mato Grossense de Letras, e o Instituto Histórico e Geográfico de MT. Para resolver essa falta de respeito com o nosso passado, o governo planeja acabar com a paupérrima Secretaria de Cultura.
Sobrará dinheiro para as obras da Copa, é a justificativa.

Gabriel Novis Neves
26-02-2012

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