Peguei
no laboratório de bioquímica, do hospital onde eu e o meu filho trabalhamos, os
meus exames de rotina. Eu atendo no consultório e ele no ultrassom.
A
recepcionista me entregou um grosso envelope. Levei o envelope, ainda fechado,
até ao meu filho e pedi que ele abrisse e desse uma olhadinha.
Na
minha idade esses exames são abundantes. É necessário verificar o estado de
conservação de todo meu maquinário - que é todo original.
Se
eu fosse um automóvel, estaria em algum museu do mundo sendo tratado como
relíquia.
O
meu guri verificou o envelope selado e perguntou-me se já tinha visto o exame e
se estava a fim de fazer mais uma das minhas gracinhas. Ele sabe que eu sou
curioso.
Disse-lhe
que não. Que não tinha ainda visto os resultados e, que devido à idade
avançada, temia alguma surpresa desagradável. Por isso queria que ele
analisasse os exames. Caso ela fosse confirmada, que ele tomasse as
providências necessárias.
Ele
então retirou lentamente o selo que lacrava o envelope e começou a manusear as
folhas com os resultados.
Eu,
em silêncio, observava a sua fisionomia. Ele leu todos os papéis com o
semblante inalterado. Depois fechou o pacote de exames, selou-o e me devolveu.
Olhei
para ele em busca de uma resposta. Ele me deu:
- Pai, o senhor tem uma saúde irritante! Terrivelmente irritante de boa.
Fiquei
agradavelmente surpreso diante dessa declaração inusitada. E ele prosseguiu:
- Pai, você não vai morrer tão cedo e me obrigará a trabalhar a vida toda. Você
está com algumas taxas, como colesterol, inferiores às do seu neto
Gabrielzinho, de 11 anos.
- Filho – respondi – eu nunca frequentei McDonald,
Bobs, carrocinhas de cachorro quente e nem fico o dia todo com bala na boca.
Também não sou usuário das iguarias dos shoppings e merendas compradas na
escola.
E
esclareci a ele que, até deixar Cuiabá para estudar medicina no Rio, não andava
com dinheiro no bolso e tudo que eu comia era feito pela minha mãe. Não
desenvolvi o hábito de comer fora de casa. Bom para a saúde e para o bolso –
assim minha mãe economizava para uma necessidade mais premente.
Com
os exames na mão, e os resultados tranquilizadores, o meu ego inflou e comecei
a pensar nas festas do meu centenário.
Avisei
também aos meus filhos, netos, irmãos, parentes e amigos que, em caso de uma
fatalidade comigo, procurassem a polícia técnica e trabalhassem com a hipótese
de um crime.
Brincadeiras
à parte, nunca alguém me disse que tinha uma saúde extremamente irritante.
Sei
que é uma brincadeira, mas no fundo esse resultado traduz muitos anos de vida
para mim - e trabalho dobrado para o meu filho.
Estou
errado?
Com
o humor existente entre pai e filho, tudo indica que a caminhada será irritantemente
longa, para a felicidade de todos nós.
Gabriel Novis Neves
16-03-2012
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