sábado, 28 de abril de 2012

Pergunta indiscreta


Muitos me perguntaram por que não aproveitei a recente cirurgia que fiz no nariz para uma repaginação geral.
Repaginação, em termos estéticos, significa a correção cirúrgica das marcas do tempo no nosso corpo, especialmente da parte mais exposta que é o rosto, ou era, não sei mais - depois das fantasias de pintura do corpo nu durante o carnaval.
Como se a retirada das bolsas palpebrais inferiores, da queda das pálpebras superiores, das rugas da testa, das papadas submaxilares, do afinamento dos lábios, do pescoço sanfonado, da perda de gordura das regiões malares e a incrível sobra de pele no rosto, pudesse restituir a juventude.
Estou com o jornal aberto na página social. Noventa e nove por cento das mulheres que frequentam as páginas sociais, e são consideradas destaques, já passaram pelo bisturi de um cirurgião plástico, fazem dermatologia estética, massagens, e tantas outras novidades para tentar recuperar um tempo que passou e com o qual elas não se conformam.
Na vida tudo passa. Inclusive a bandinha do Chico Buarque - e é tão bonito lembrar-se dela na voz da Nara Leão.
Aposto que ninguém nunca pensou em modernizar a banda do Chico, com música eletrônica e bailarinas do Ratinho. Ficaria horrível, com certeza.
Analiso no jornal fotos de um grupo de senhoras. Todas apresentam sequelas do bisturi da juventude.
A fisionomia delas é cirúrgica. Democraticamente, um bom cartão bancário deixou a todas praticamente iguais e artificiais.
Uma sugestão gratuita para essa gente: durante a sessão de fotos, não acreditem na conversa dos fotógrafos que ficam a pedir sorrisos naturais. Tudo que ficou no rosto é artificial.
O sorriso prejudica todo o conjunto. A retirada de pele excedente, preenchimentos com produtos químicos, placas de silicone e o uso indiscriminado do popular botox, faz com que, sorrindo, toda essa estrutura de embelezamento seja repuxada, deixando as sorridentes plastificadas com olhos orientais, com diminuta abertura visual.
Os lábios, fonte inspiradora de poetas, compositores, boêmios e de cantores, como o Orlando Silva em seu imortal Lábios que Beijei , são transformados em estruturas rígidas, verdadeiros lábios que ninguém beijará.
A testa, que nada mais é que a região frontal, onde aprendemos a fazer o sinal da cruz, é transformada, pela ilusão do rejuvenescimento, em verdadeiras pistas de dança no gelo.
Mulheres bonitas são transformadas em mulheres caricatas, sem ao menos possuir um elo com o passado, como se isso fosse possível.
Voltando ao meu caso. Diante das perguntas e das censuras por não ter aproveitado a oportunidade para ficar mais jovem, respondi que, se fizesse a tal repaginada, estaria jogando no lixo do esquecimento a história do meu envelhecimento.
Conto depois com detalhes - a quem se interessar - o significado e a origem de cada marca que o tempo deixou estampada em meu rosto.
Continuarei como estou. Quero morrer virgem da vaidade artificial.

Gabriel Novis Neves
04-03-2012

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