segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Tragédia


Os jornais locais noticiam em sua primeira página a tragédia que comoveu Cuiabá. Um dos elevadores de um prédio em construção despenca de uma altura razoável, matando operários e encaminhando outros às UTIs.
A nossa Cidade Azul está se transformando em um paliteiro que surge do dia para a noite. É a tal da especulação imobiliária em uma cidade que está crescendo sem a mínima infra-estrutura.
Basta lembrar o nosso eterno problema da água tratada e o saneamento básico - sem contar a mobilidade urbana, totalmente imóvel.
Esses trabalhadores que morreram em serviço trabalhavam onde antigamente passeavam os passarinhos e outros animais voadores.
Lembro-me do espetáculo da saída dos morcegos do seu esconderijo, que era a torre da Catedral de Cuiabá, e seus vôos rasantes em grupos enormes, que surgiam como um tapete no céu até se perderem no infinito.
Um dia pedi explicação ao meu pai sobre o voo diário, com hora marcada, dos morcegos. Ele me disse que os morcegos vão se abastecer de alimentos. Voltam de madrugada e ninguém vê. A saída para a caça era sempre ao crepúsculo.
Meu pai explicou-me também da importância da revoada dos morcegos: além de se alimentarem, traziam um estoque de alimentos que era, basicamente, sementes. No trajeto muitas sementes eram perdidas, iniciando um novo ciclo da flora nativa.
Manoel de Barros conta que onde nasceu só tinha bicho, solidão e árvore. Assim era a minha cidade de nascimento, com um montinho de casas baixas.
O João de Barro, por exemplo, tinha uma casa num poste mais alto que a minha casa.
Nesse cenário é que aprendi o sentido da liberdade, só reencontrado após quarenta anos - no Quarup do Xingu, conversando com Orlando e Cláudio Villas Boas.
As crianças de agora são criadas dentro de caixotes de concreto.

A solidão benigna do silêncio da natureza, só era interrompida pela orquestra dos pássaros, pelo barulho do vento e pelo som das águas dos rios.

Ela nos tempos modernos, foi substituída pela solidão de símbolos da dor: sirenes de ambulâncias, Corpo de Bombeiros, viaturas da polícia, ruídos de helicópteros procurando bandidos - fazendo manobras na altura do nosso dormitório.
Batidas de automóveis e gritos de dor ecoam pelas madrugadas junto às músicas das caixas de som dos carrinhos dos filhinhos de papais ricos e irresponsáveis.
Os operários que, na maioria das vezes, moram em barracões, pagaram com a própria vida a audácia de querer viver decentemente na terra do medo.
Esses trabalhadores sacrificados pelo crescimento e especulações do mundo dos lucros econômicos, não estão mais conosco. Eles deixaram família. Muitos eram arrimos dela. 
E os seus filhos, mulher, pai, mãe, irmãos, amigos que desconheciam a solidão da aglomeração, como ficam após um corte inesperado nos seus trajetos?
Que me perdoem aqueles que não me compreendem - o progresso é a principal causa da solidão dos valores verdadeiros da vida.

Gabriel Novis Neves
07-01-2012

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