terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Brincadeira de mau gosto


Retirei os pontos da cirurgia realizada um dia antes do Natal.
Graças a Deus estou curado, embora permaneça com curativo no nariz. Agora de silicone para comprimir o enxerto que cobriu o buracão do meu presente de Natal.
Era um tumorzinho maligno, mas amigo. Foi para o laboratório de patologia com o bloco anatômico. Estava localizado no maior órgão do corpo humano - a pele.
Por puro capricho da natureza, o meu amigo tumor escolheu exatamente a asa do nariz. 
Lá, quase inexiste pele, mas cartilagem. O nariz possui um sutil revestimento de pele - não muito adequado para retalhos e suturas.
O tumorzinho é amigo, pelo seu tipo histológico que corresponde ao sobrenome das pessoas. Como ninguém é perfeito neste mundo, o bichinho que me atacou, é extremamente indiscreto.
Tanta pele para escolher de difícil visibilidade e ele foi escolher exatamente o nariz.
Tá na cara, em todos os sentidos, que as perguntas foram inevitáveis, especialmente nesse período de férias quando a cidade fica vazia e os assuntos vão rareando.
Minha resposta tinha que ser correta, correndo o risco de preocupar o perguntador. A fase não era propícia para frustrar amigos nas festas do feriadão de dezembro.
Nunca escondi os problemas de saúde que enfrentei desde o meu nascimento.

Por ser portador de uma boa composição genética consegui me safar da prematuridade, quando não existia maternidade e nem se pensava em UTI neonatal.
Na ausência de antibióticos o meu sistema imunológico se encarregou de afastar as infecções. 
Vacinas? Peguei todas as doenças do livro de pediatria, hoje evitáveis (sarampo, catapora, varíola, coqueluche, caxumba, rubéola etc.) e, com outras, corri riscos, como a poliomielite.
Respondi perguntas em todos os poucos lugares que frequento: dentro do elevador do meu prédio, na padaria, no trajeto da caminhada e até no hospital onde trabalho e fui operado.
      - O que foi na cara?
      - Retirei um câncer de pele.
      - Já vem você com brincadeira. Foi plástica?
      - Não, um câncer de pele.
      - Mas logo agora? Não podia deixar passar as festas para fazer isso?
      - O que posso fazer hoje eu não deixo para amanhã.
      - Tá tomando antibiótico?
      - Sim.
      - Então não vai beber?
      - Não.
      - Você é um chato hipocondríaco.
Fui, nesse período, severamente repreendido por falar a verdade sobre a minha doença e por operar no dia 23 de dezembro.
Otto Lara Resende dizia que o mineiro só é solidário no câncer. Descobri que o cuiabano nem no câncer é.
Sei que os perguntadores são amigos queridos e traduziram, com as suas perguntas, a nossa cultura com relação à medicina preventiva.

Gabriel Novis Neves
09-01-2011 

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