Quem
disse que discordar em vários aspectos do sistema estabelecido é sinal de
loucura?
Afinal,
as regras estabelecidas desde sempre têm como finalidade manter o rebanho
disciplinado e, principalmente, ativo como mão de obra operante.
Pão
e ócio, na medida certa. Pessoas com filosofia mais epicurista, ou mais
transgressora, não são tidas como confiáveis.
Numa
escala maior levam a pecha de louco, aí então é o lúcido que não deu certo.
Oscar Wilde, o grande escritor inglês, falava muito sobre isso.
Pelas
minhas andanças médicas por vários manicômios, tive oportunidade de conhecer
pessoas extremamente interessantes e sensíveis, que ali teriam sido colocadas
por apresentarem comportamentos considerados inadequados pelas normas sociais
vigentes. Nesses, o grande moto da discórdia estava sempre atrelado ao meio
familiar, geralmente muito opressor.
Claro,
não estou falando de psicóticos graves, esses sim, dependentes de medicação
específica e de monitorizarão constante.
Graças
ao gênio criativo da grande psiquiatra brasileira Nise da Silveira, ela mesma
uma transgressora contumaz, os centros que abrigavam essas pessoas foram
drasticamente humanizados.
Outrora
considerados verdadeiros depósitos de tortura, foram, em sua maioria,
transformados em centros de praxiterapia, em que os pacientes eram tratados de
uma maneira lúdica, liberando assim a sua capacidade artística e criativa.
Quem
teve oportunidade de conhecer um desses hospitais sabe do que estou falando.
Anulados
os uniformes que distinguiam pacientes de seus médicos e cuidadores, esses
hospitais se transformaram em verdadeiros redutos de modernidade no tratamento
psiquiátrico.
Alguns
deles chegaram a organizar shows importantes. No Rio de Janeiro um deles,
chamado “Loucos por Música”, se repetia duas a três vezes por ano, e era
incentivado por nomes importantes da música popular brasileira.
Basicamente,
o espetáculo era formado por pacientes, médicos e paramédicos. Impressionavam a
criatividade e o brilhantismo de ótimos cantores, compositores, pintores, que
haviam passado grande parte de sua vida trancafiados em instituições arcaicas.
Provavelmente,
por falta de recursos e incentivos governamentais, esses megas eventos tiveram
pequena duração. Cheguei a receber filmes de colegas do Rio entusiasmados com
as novas técnicas.
Li
agora, com muita tristeza, quinze anos mais tarde, as denúncias de alguns
jornais com relação aos maus tratos e o recrudescimento de práticas desumanas
nos chamados manicômios.
Que
se promovam auditorias especializadas como as que existiam nos anos setenta e
oitenta, tendo em vista que os próprios conceitos de loucura vêm sendo
reformulados pela sociedade pós-moderna.
E
então, quem fica com a chave?
Nós
daqui de fora, ditos saudáveis, ou eles, do outro lado, apenas tentando se
expressar de uma maneira que não nos agrada e que vai de encontro ao que
aprendemos acreditar como certo?
Faz-me
lembrar de Nietzsche que dizia: “há sempre um pouco de loucura no amor. Mas há
sempre um pouco de razão na loucura.”
Afinal,
transgressão é sempre loucura?
Gabriel Novis Neves
29-06-2013
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