quarta-feira, 3 de julho de 2013

LOUCURA

Quem disse que discordar em vários aspectos do sistema estabelecido é sinal de loucura?
Afinal, as regras estabelecidas desde sempre têm como finalidade manter o rebanho disciplinado e, principalmente, ativo como mão de obra operante.
Pão e ócio, na medida certa. Pessoas com filosofia mais epicurista, ou mais transgressora, não são tidas como confiáveis.
Numa escala maior levam a pecha de louco, aí então é o lúcido que não deu certo. Oscar Wilde, o grande escritor inglês, falava muito sobre isso.
Pelas minhas andanças médicas por vários manicômios, tive oportunidade de conhecer pessoas extremamente interessantes e sensíveis, que ali teriam sido colocadas por apresentarem comportamentos considerados inadequados pelas normas sociais vigentes. Nesses, o grande moto da discórdia estava sempre atrelado ao meio familiar, geralmente muito opressor.
Claro, não estou falando de psicóticos graves, esses sim, dependentes de medicação específica e de monitorizarão constante.
Graças ao gênio criativo da grande psiquiatra brasileira Nise da Silveira, ela mesma uma transgressora contumaz, os centros que abrigavam essas pessoas foram drasticamente humanizados.
Outrora considerados verdadeiros depósitos de tortura, foram, em sua maioria, transformados em centros de praxiterapia, em que os pacientes eram tratados de uma maneira lúdica, liberando assim a sua capacidade artística e criativa.
Quem teve oportunidade de conhecer um desses hospitais sabe do que estou falando.
Anulados os uniformes que distinguiam pacientes de seus médicos e cuidadores, esses hospitais se transformaram em verdadeiros redutos de modernidade no tratamento psiquiátrico.
Alguns deles chegaram a organizar shows importantes. No Rio de Janeiro um deles, chamado “Loucos por Música”, se repetia duas a três vezes por ano, e era incentivado por nomes importantes da música popular brasileira.
Basicamente, o espetáculo era formado por pacientes, médicos e paramédicos. Impressionavam a criatividade e o brilhantismo de ótimos cantores, compositores, pintores, que haviam passado grande parte de sua vida trancafiados em instituições arcaicas.
Provavelmente, por falta de recursos e incentivos governamentais, esses megas eventos tiveram pequena duração. Cheguei a receber filmes de colegas do Rio entusiasmados com as novas técnicas.
Li agora, com muita tristeza, quinze anos mais tarde, as denúncias de alguns jornais com relação aos maus tratos e o recrudescimento de práticas desumanas nos chamados manicômios.
Que se promovam auditorias especializadas como as que existiam nos anos setenta e oitenta, tendo em vista que os próprios conceitos de loucura vêm sendo reformulados pela sociedade pós-moderna.
E então, quem fica com a chave?
Nós daqui de fora, ditos saudáveis, ou eles, do outro lado, apenas tentando se expressar de uma maneira que não nos agrada e que vai de encontro ao que aprendemos acreditar como certo?
Faz-me lembrar de Nietzsche que dizia: “há sempre um pouco de loucura no amor. Mas há sempre um pouco de razão na loucura.”
Afinal, transgressão é sempre loucura?

Gabriel Novis Neves
29-06-2013 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.