Nada
a reclamar nesses setenta e oito anos de circulação pelo planeta
terra, muito ao contrário, o acaso tem sido bastante favorável,
proporcionando-me inúmeros momentos de raro encantamento.
Amores
vieram, amores foram, todos sempre intensos, deixando marcas importantes em sua
passagem, mas nunca cicatrizes dolorosas.
Por
desenvolver empatia com pessoas do bem, poucas vezes me deixei assediar por
quem não o fosse e isso me livrou dos grandes dissabores por que passam
inúmeras pessoas.
Amigos
sempre poucos e muito especiais, adotados como verdadeira família, me mostraram
a grandeza desse sentimento e me cobriram de carinhos nos momentos em que deles
precisei.
Filho
primogênito de uma família de nove, fui educado em lar honrado, para ser
modelo de integridade, amizade e abnegação.
Portador
de uma saúde invejável, somente aos setenta e sete anos fui ter o meu
primeiro embate com um corpo que já não obedecia ao desgaste dos anos.
Mais uma vez a sorte me bafeja ao escolher minhas articulações dos
joelhos, para me avisar que o meu tempo tinha chegado.
Encontrei
colegas maravilhosos, aqui mesmo na minha cidade que demonstraram interesse e
conhecimento científico para a minha reabilitação.
São
aqueles médicos, com o qual todos sonham.
Por
ter um compromisso absoluto com a felicidade, sempre me atenho às palavras do
grande mestre Vinícius de Moraes, cuja grande sabedoria era eternizar as
coisas belas da vida, “enquanto elas durassem".
Não
consigo imaginar nada mais verdadeiro que isso!
A
felicidade me parece fácil, desde que nos livremos das coisas ruins antes
que elas apodreçam.
Infelizmente,
isso não nos é ensinado durante a vida.
Para
culminar essa longa viagem, quis mais uma vez o acaso, me premiar através da
comunicação digital, com o reencontro de um grupo de colegas que o tempo
parecia ter apagado da minha memória.
Após
53 anos de ausência, que nem nós supúnhamos tão doloridas, lá estavam intactos,
impregnados íntegros, todos os sentimentos que nos uniram na adolescência.
Muito
mais forte que o passar dos anos, é a impressionante chama da vida que nasce da
distância.
Terminado
o curso médico, quis a vida que tomássemos rumos diversos uns dos outros.
Eram
amigos de verdade, espalhados por este Brasil.
Alguns
permaneceram no glamour aflitivo do Rio de Janeiro, cidades do Centro Sul e
países vizinhos.
Eu
mergulhei na zona de transição entre o cerrado e a mata alta. Nossas realidades
eram absolutamente opostas.
Vidas
retalhadas, filhos formados, viuvezes sofridas, colegas partindo prematuramente
para a eternidade.
Restavam
ainda na turma de 1960 de Medicina da Praia Vermelha, elos que nunca haviam se
fechado.
Numa
faixa etária em que menos oferecemos e muito mais exigentes nos tornamos, nada
poderia ser mais gratificante.
Como
numa reação química abortada, esse reencontro foi tsunâmico, graças a uma
homenagem a mim prestada pelo Jornal do Conselho Federal de Medicina.
Descoberto
no cerrado, a reação de carinho foi muito mais consistente já que
agregada estava uma sabedoria que só a maturidade consegue trazer.
Claro que as inseguranças, os medos, as somatizações persistiam, apenas
mais facilmente metabolizadas.
Enfim,
só por esses momentos que temos desfrutado, já valeria a pena e muito, ter
vivido.
Que
a Mãe Natureza nos mantenha todos juntos, até o Juízo Final.
Gabriel Novis Neves
01-07-2013
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