Locutor

Cuiabá, no início do século passado, possuía uma população eminentemente católica.

As crianças estudavam em escolas públicas ou em colégios salesianos. Nas públicas, antes do início das aulas, todos rezavam uma Ave Maria. Nos salesianos as missas precediam os estudos.

Os professores – todos católicos - ensinavam que o Céu existia e para lá iriam, após a vida na Terra, aqueles que cumprissem os Dez Mandamentos da Lei de Deus.

Aquele que cometia pequenos delitos, conhecidos como pecados veniais, passava primeiro pelo purgatório. No purgatório a alma passava por um processo de purificação para, só então, entrar no Reino dos Céus.

Aquele que cometia pecado mortal – violação intencional de um dos Dez Mandamentos – ia direto para o Inferno, e sua alma tinha morte eterna.

Diante da fértil imaginação infantil, todas as crianças cresciam com o sentimento de que nada de prazeroso era permitido.

Matar uma aula chata, ter preguiça, comer uma gulodice era a certeza de uma temporada no purgatório.

Os pecados capitais, tipo destruir a honra alheia, era o passaporte para a vida eterna nas chamas do Inferno.

O céu foi chamado de paraíso, onde só existia o bem para os bons.

Mesmo com as severas exigências no processo de admissão, a população no Céu foi aumentando. São Pedro – o eterno porteiro do Reino Celestial – resolveu então criar um programa no rádio - o “Bom Dia Porteiro”. O programa ia ao ar toda manhã, e São Pedro, o locutor, falava, especialmente, aos recém-chegados ao Céu sobre os novos investimentos que poderiam fazer. Aquilo que já era maravilhoso, dia-a-dia ficava melhor.

Aqui na terra, nos dias úteis da semana, temos o nosso “Bom dia Governador” falando maravilhas deste Estado, deixado perfeito pelo seu antecessor.

Ouço os dois programas. Acho o da Terra bem melhor que o do Céu.

A única vantagem dos habitantes do Céu, é que lá ninguém faz uso dos medicamentos da Farmácia de Alto Custo. Segundo denúncia dos integrantes do Conselho Estadual da Saúde (CESMT), faltam “apenas” 104 tipos de medicação. E centenas de caixas de remédios serão jogadas no lixo por estarem com o prazo de validade vencido.

De resto, estamos vivendo em um lugar muito melhor que o Céu. Por aqui, tudo de mal é permitido para a vida eterna no Paraíso, embora muitos prefiram os confortos deste recém-criado paraíso.

Gabriel Novis Neves

06-07-2013