Desmarcar
um compromisso por motivo justo faz parte da rotina da nossa vida.
“Assim
estava escrito há dez mil anos”, dizia Nelson Rodrigues, o dramaturgo maldito.
Ele sempre acreditou que para o inevitável não
há prevenção.
Não
nascemos com o dom da adivinhação. O futuro é sempre uma hipótese. Vivemos o
presente quando deixamos o passado.
Considero
um risco marcar compromissos a longo prazo.
Uma
marchinha carnavalesca abordou esse assunto de uma maneira simplória e do agrado
de todos: “se não chover, amanhã volto pra te ver...”.
Usar
e viver o presente até os limites do futuro é um sinal de amadurecimento.
Sempre
tive pavor e evitava assumir compromissos com prazo indeterminado cheirando ao
infinito, talvez por saber da nossa finitude.
Mesmo
assim cumpri alguns, mas sempre de olho no hoje e nunca deixando nada para
amanhã.
O
destino foi camarada comigo. Hoje cumpro um compromisso que assumi há mais de
meio século – o exercício da medicina.
Outro
compromisso de longo prazo que assumi foi o meu casamento, desfeito por vontade
divina após quarenta anos.
Cumpri
uma missão no exercício da cidadania, sempre lucidamente, por dezenove anos
ininterruptos.
Lembro-me
ainda de um longo compromisso - de doze anos - ainda recente.
Tenho
também compromissos de duração relâmpago. O mais curto foi de vinte e três
dias.
Dia
desses assumi comigo mesmo o compromisso de realizar uma viagem. Seria uma
viagem curta, apenas para sanar algumas dúvidas com relação a um problema
pessoal. Nada sério. Comprei com antecedência a passagem de ida e volta -
claro.
Fiz
as malas e logo as desfiz. Recebi cartão vermelho. Por ordens médicas estava
impedido de viajar.
Frustrado,
lembrei-me do ponto futuro do saudoso Cláudio Coutinho, que nos roubou a Copa
do Mundo da Argentina, arbitragem à parte.
A
esperança no traiçoeiro futuro, mesmo tão próximo, foi substituída pela dor
insuportável da passagem desmarcada.
Um
dia antes de embarcar, por motivo justo, aconteceu o que temia - confiar no
futuro.
Os
efeitos colaterais dessa passagem desmarcada, que assim quis o destino, se é
que ele existe, são impossíveis de descrever.
Só
o tempo para lamber as feridas abertas pelo imponderável.
Tudo
que nos dá prazer tem que ser realizado no reflexo condicionado do desejo.
“Nunca
deixe para amanhã aquilo que pode ser realizado hoje”, mesmo em se tratando de
uma viagem.
É
triste viver o trauma da passagem desmarcada.
Gabriel Novis Neves
29-12-2012
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