Lendo
a Revista de Jornalismo Científico da Universidade Federal de Mato Grosso,
encontrei uma preciosidade. Um artigo da Camila Tardin: “Será que é verdade?”.
A
autora relata o depoimento de uma mulher ribeirinha de 63 anos, dona Hilda, a
respeito do que ela ouvia da sua avó sobre o pássaro joão-de-barro.
Diz
ela que ainda se recorda nitidamente da história que a sua avó contava em meio
à escuridão que tomava conta da cidade quando a tarde caia.
Fala
também que um dos passatempos da criançada naquela época era escutar as lendas
narradas pelos mais velhos. Uma das mais apreciadas, pela sua dramaticidade,
era a do joão-de-barro.
“Ele
prendia a fêmea caso desconfiasse de uma traição e fechava a porta da casinha
até ela morrer lá dentro.”
E
continua: “a garotada até acreditava, mas ninguém chegou a ver tal feito.
Quando cresci, deixei de acreditar nessa história. E também nunca vi casinha
fechada”, afirma dona Hilda com convicção.
A
história do joão-de-barro também foi cantada por Sérgio Reis e pela dupla
sertaneja Tonico e Tinoco.
No
trecho - “Cego de dor, trancou a porta da morada, deixando lá sua amada presa
pelo resto da vida...” -, é evidente a ciumeira do pássaro e sua decepção com a
traição da amada.
Esse
é um mito destruído pelo professor Dalci Maurício Miranda de Oliveira:
"Há
uma impossibilidade técnica de fechar a abertura da casa de barro com a fêmea
lá dentro. Ela não ficaria estática, aguardando o companheiro fechar a porta.”
É
comum o joão-de-barro abandonar a sua casa e esta ser ocupada por aves como o
pardal, canário, andorinhas e até pequenas corujas.
Outro
fator relevante, segundo o professor, é que as aves, com pouquíssimas exceções,
não são monogâmicas. E o joão-de-barro não faz parte delas.
A
lenda do joão-de-barro esconde o machismo no relacionamento entre homens e
mulheres.
Para
a professora Vera Bertoline, a utilização do mito, na forma romanceada como é
repassado, difunde a ideia de uma prática em que o “macho traído” tem o dever
de punir severamente a “fêmea traidora”.
Essa
é uma das histórias que antigamente ouvíamos para dormir e forjou o caráter do
povo brasileiro.
O
joão-de-barro é um pássaro trabalhador, incapaz de construir a sua própria casa
sem o auxílio da sua fêmea.
Também
adora cantar próximo ao seu ninho.
Se
os homens, em vez de criar mitos sobre um pássaro trabalhador, seguissem o seu
exemplo, o mundo seria bem melhor.
Gabriel
Novis Neves
23-04-2012
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