sábado, 12 de maio de 2012

MITOS


Lendo a Revista de Jornalismo Científico da Universidade Federal de Mato Grosso, encontrei uma preciosidade. Um artigo da Camila Tardin: “Será que é verdade?”.
A autora relata o depoimento de uma mulher ribeirinha de 63 anos, dona Hilda, a respeito do que ela ouvia da sua avó sobre o pássaro joão-de-barro.
Diz ela que ainda se recorda nitidamente da história que a sua avó contava em meio à escuridão que tomava conta da cidade quando a tarde caia.
Fala também que um dos passatempos da criançada naquela época era escutar as lendas narradas pelos mais velhos. Uma das mais apreciadas, pela sua dramaticidade, era a do joão-de-barro.
“Ele prendia a fêmea caso desconfiasse de uma traição e fechava a porta da casinha até ela morrer lá dentro.”
E continua: “a garotada até acreditava, mas ninguém chegou a ver tal feito. Quando cresci, deixei de acreditar nessa história. E também nunca vi casinha fechada”, afirma dona Hilda com convicção.
A história do joão-de-barro também foi cantada por Sérgio Reis e pela dupla sertaneja Tonico e Tinoco.
No trecho - “Cego de dor, trancou a porta da morada, deixando lá sua amada presa pelo resto da vida...” -, é evidente a ciumeira do pássaro e sua decepção com a traição da amada. 
Esse é um mito destruído pelo professor Dalci Maurício Miranda de Oliveira:
"Há uma impossibilidade técnica de fechar a abertura da casa de barro com a fêmea lá dentro. Ela não ficaria estática, aguardando o companheiro fechar a porta.”
É comum o joão-de-barro abandonar a sua casa e esta ser ocupada por aves como o pardal, canário, andorinhas e até pequenas corujas.
Outro fator relevante, segundo o professor, é que as aves, com pouquíssimas exceções, não são monogâmicas. E o joão-de-barro não faz parte delas.
A lenda do joão-de-barro esconde o machismo no relacionamento entre homens e mulheres.
Para a professora Vera Bertoline, a utilização do mito, na forma romanceada como é repassado, difunde a ideia de uma prática em que o “macho traído” tem o dever de punir severamente a “fêmea traidora”.
Essa é uma das histórias que antigamente ouvíamos para dormir e forjou o caráter do povo brasileiro.
O joão-de-barro é um pássaro trabalhador, incapaz de construir a sua própria casa sem o auxílio da sua fêmea.
Também adora cantar próximo ao seu ninho.
Se os homens, em vez de criar mitos sobre um pássaro trabalhador, seguissem o seu exemplo, o mundo seria bem melhor.

Gabriel Novis Neves 
23-04-2012

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