quarta-feira, 16 de maio de 2012

CULTURA DOMÉSTICA


Sou de uma família numerosa, e o mais velho dos nove filhos. Crescemos embolados, onde os mais velhos cuidavam dos mais novos. O tempo não passou rápido, como se diz, nós é que passamos.
Há bilhões de anos o tempo cumpre a sua rotina, e as gerações vão se sucedendo, assim como tudo o mais que é transitório - menos ele, o tempo.
Impérios foram substituídos, culturas desapareceram, valores transformados. As religiões se multiplicam a uma incrível velocidade. Mas, nesse turbilhão existe um sentimento imutável.
Refiro-me ao sentimento de perda que a maioria das mães sente ao casar os filhos do sexo masculino.
Sei que estou comprando metros de briga com as mulheres, mas é a mais pura realidade, com as honrosas exceções.
Em situação privilegiada de pai e, principalmente, de médico, observo, com muita nitidez, essa preocupação de perda, que acho ser cultural.
As mulheres costumam dizer, na sua imensa sabedoria e baseada no sexto sentido, que ganharam um filho quando casa uma filha.
Entretanto, intrinsecamente, quando um filho casa, a sensação é de perda.
A origem do preconceito contra a sogra, fonte inspiradora de humoristas e artistas, talvez esteja arraigado nesse patrimônio cultural.
As meninas eram incentivadas em casa, muitas das vezes, a arrumar um bom casamento (entenda-se um parceiro com dotes). Os meninos quando arrumavam, ainda na adolescência, uma namoradinha, logo era alertado pela mãe:
“Ela é muito bonitinha meu filho, mas não se esqueça: beleza não põe mesa.”
Esse conselho foi muito utilizado.
 A sabedoria da frase funcionava como um balde de água fria nos hormônios de um adolescente que, antigamente, não questionava conceitos maternos.
Como arrumação da natureza, muitos rapazes acabavam se casando com moças feias, porém prendadas.
Era tão sério isso que, até hoje, prendas domésticas funciona como profissão - e aceita nos registros de identificação da polícia, o famoso RG.
Antigamente, as feias continuavam feias a vida toda, e as belas, com os anos, envelheciam.
Beleza não põe mesa, mas que ajuda, ah! - isso ajuda. Que me perdoem as feias, mas, concordo com o Vinicius de Moraes, beleza é fundamental.
A tecnologia médica contribuiu muito nesse mercado de tentar esconder idade, das meninas com ou casadas com dotes.
Verdadeiros milagres são alcançados, embora esse processo seja altamente seletivo, pois o SUS e a maioria dos planos de saúde, não oferecem cobertura a essas mágicas temporárias.
Nossas mulheres eram conhecidas pela fartura dos glúteos e os generosos quadris. Esses requisitos eram sinais de poder.
 Até que uma linda baiana de olhos verdes perdeu o título de mulher mais bonita do mundo exatamente por possuir duas polegadas a mais no quadril que a sua vencedora.
A derrota da baiana foi mais chorada que a derrota do Brasil para os uruguaios em 1950 no Maracanã.
Essas polegadas a mais desencadearam entre nós a cultura da beleza moldada pelo bisturi.
No Brasil acontece o absurdo dos absurdos.
Quando uma mulher, após os vinte anos, é considerada velha e, estimulada pelo meio em que vive,  inicia-se a ladainha da mulher artificial que quer competir com o tempo.
Próteses são colocadas em todos os pontos estratégicos que elas acham ser atraentes para os homens.
Preenchimentos onde a natureza encerrou o seu trabalho.
Laser pra cá, laser pra lá. Botox, massagens, drenagens linfáticas, acumputura, cremes e óleos milagrosos, não se esquecendo das aulas de academia com personal training e o seu imenso cardápio de sofrimentos.
Certas academias possuem nutricionistas para uma dieta de desprazer.
E pensar que essa vida neurotizante, foi causada pela maldição dos dotes no casamento, e da beleza não põe mesa!

Gabriel Novis Neves
04-04-2012

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