Fora
da medicina não uso o termo científico de doença ou falha genética para os
recém-nascidos com alguma deformação física ou funcional.
Insisto
em banir essa expressão por uma mais humana e que nos lembre de que somos
produtos da mesma natureza, tão pródiga nesses caprichos, principalmente com
plantas, árvores e animais.
Esse
tipo de comunicação não faz parte de nenhuma terapia ou processo de autoestima,
mas, simplesmente, na preocupação de humanizar a relação médico-paciente.
Só
a natureza consegue a perfeição de fazer com que uma célula masculina unida a
uma feminina se fertilize e, como resultado, produza um embrião, um futuro ser
humano perfeito.
Na
imensa maioria das vezes isso é conseguido com absoluto sucesso para a alegria
e felicidade de todos.
Entretanto,
existem as exceções da natureza deste mundo tão difícil de ser compreendido.
É
esperado que em gestações de gemelares nasçam fetos perfeitos anatomicamente,
embora, em raras oportunidades, surjam os caprichos não esperados.
Em
sessenta anos de atividade médica como aparador de crianças, achava que já
tinha visto o suficiente em surpresas morfológicas.
Mas,
este universo do inusitado, me reservou, em um centro cirúrgico de um hospital
de referência em tratamento de olhos em Cuiabá, um contato não programado que
abalou as emoções do velho parteiro.
Uma
bela criança de cinco anos esperava a sua vez de ser operada. Ao celular falava com alguém da sua
intimidade.
Demonstrando
um bom humor e tranquilidade não comuns para a sua idade, informou que a
operação estava atrasada, pois, com certeza, havia muita gente para ser
atendida.
Tudo
bem, se a mesma não fosse portadora de agenesia biocular. Ela nunca enxergou,
mas como sabia que havia muita gente para ser atendida?
Cumprimentei
a sua jovem e simpática mãe pela bela educação que dera a sua filha e me
interessei em saber a sua profissão,
tudo em função da habilidade com que lidava com uma filha portadora de
deficiência visual.
Passou
a me relatar que, após o nascimento da
filha, ao invés de se desesperar, como seria normal, passou a se especializar
em técnicas que minimizassem o crescimento de uma criança carente e
problemática.
Sabendo
da minha profissão, sem ressentimentos em ter uma filha cega, revelou que ela
foi gemelar e seu irmãozinho não apresentou nenhuma alteração anatômica.
Conversei
com essa criança diferenciada, demonstrando um coeficiente intelectual bem
acima da média para a sua idade. Chamei-a pelo nome pedindo um abraço. Ela
deixou o colo da mãe e veio me abraçar
demorada e calorosamente.
Segurei
a sua mãozinha e a fiz deslizar várias vezes pelo meu rosto, braços e cabeça.
Queria que ela tocasse no desconhecido corpo de um idoso e sentisse o cheiro do carinho que dele emanava.
Seria
a forma pela qual eu passaria a
pertencer ao seu universo.
Essa
criança veio para mudar muitos dos
nossos conceitos. Ela e a mãe sabiam disso. Eu passei, a saber, a partir
daquele momento tão especial e inesquecível...
Gabriel
Novis Neves
26-03-2014
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