quarta-feira, 2 de abril de 2014

Barco

Desde muito cedo aprendi com a observação que um dos momentos mais tristes da carreira de um político é quando o seu mandato está findando.
Dizem que nesse instante os “ratos” iniciam a abandonar os porões do barco do poder e se lançam ao mar, a procura de outro com cheiro de vitória.
A humanidade é assim mesmo. Muito semelhante com certos animais, como o morcego - que só abandona sua vítima após sugar a última gota de sangue.
Mesmo ocupando por longos anos inúmeros cargos públicos importantes, nunca me iludi com elogios e tapinhas nas costas.
Não há sinceridade nem amizade entre políticos, e sim, afinidades para negócios envolvendo a “Cosa Nostra”.
Um veterano político há muitos anos contou-me uma história que ilustra bem esse mundo paradisíaco.
Era governador do Estado e tinha a caneta na mão, instrumento utilizado para administrar o patrimônio público.
Mesmo assim estava em dificuldade para montar a chapa do seu partido para disputar as eleições municipais de um minúsculo município ribeirinho próximo  a Cuiabá.
Foi então que apelou para o seu compadre, homem de bem e muito querido na comunidade.
Astuto e envolvente foi à casa do velho amigo e lhe fez a proposta de aceitar ser candidato a prefeito.
Única coisa que deveria fazer era assinar a ficha do partido. Não precisava pedir votos de casa em casa, fazer comícios, reuniões, tampouco gastar um centavo.
Isso a máquina do governo se encarregaria de fazer, assim como, comprar a roupa da posse.
Após muitos encontros, por fidelidade ao amigo, o honesto trabalhador aceitou a proposta. Estava prestando um favor a um homem que sempre o ajudou na educação dos seus quinze filhos, assim pensou ele.
Eleito quase por aclamação, tomou posse e iniciou o seu trabalho, exclusivamente voltado ao bem estar da sua gente.
Começou a ganhar muitos presentes, e todos os meses o seu salário aumentava. As suas despesas pessoais e da sua família, eram pagas pela prefeitura.
Após seis meses de mordomia que desconhecia, por lealdade, vai ao palácio do governador comunicá-lo que iria renunciar ao cargo.
Este pôs as mãos na cabeça e perguntou se estava lhe faltando apoio, pois a população avaliava a sua administração como ótima.
O humilde homem respondeu dizendo que todo mundo rouba no serviço público e ele começou a gostar das facilidades que o poder propicia.
Se continuasse até o final do mandato sairia da prefeitura como ladrão, situação inimaginável e inaceitável para ele.
Agradeceu ao compadre a oportunidade de ser um rico ladrão e renunciou ao cargo cobiçado para ser ocupado por alguém com esse perfil. Voltou para a roça e nunca mais quis ouvir falar em política.
O mundo continua o mesmo. As pessoas é que mudaram, abandonando a ética na política.
Continuam pulando do barco afundando e, tal como os ratos, sempre atrás de uma boquinha no serviço público, caminho aberto para aumento do seu patrimônio, salvo as poucas e honrosas exceções.

Gabriel Novis Neves
08-03-2014

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