sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

PLANEJAMENTO


Preparei-me para viver um século sem depender de ninguém. Herdei uma ótima genética. E ao longo da minha vida tive muito cuidado em não danificá-la.
Quando a expectativa de vida do brasileiro era de cinquenta anos, o meu pai, sem nenhuma preocupação em viver bastante para um possível recorde, chegou fácil aos oitenta e oito anos.
Casou-se aos quarenta anos. Nove filhos foram gerados, e todos nascidos em casa.
Minha mãe ficou órfã de mãe aos vinte e oito anos. Foi criada por parentes e viveu até aos noventa e dois anos.
A média de vida na minha família é de noventa anos.
Estou encostando aos setenta e oito anos, e acho que irei ultrapassar o meu planejamento.
Para quem nasceu antes dos antibióticos, vacinas, médicos especialistas, quando a tecnologia médica era o humanismo, chegar aonde cheguei é uma vitória antecipada de um campeonato ainda não terminado.
Embora com forças físicas e mentais em bom estado de conservação e levando uma vida modesta, estou sempre a depender de pequenas ajudas. Simples ajudas.
Aquele discurso que nascemos com a genética para vivermos em comunidade não é verdadeiro.
Sobrevivemos na solidão, mesmo não sendo portadores da lesão do núcleo afetivo - como acontece na esquizofrenia.
O mundo globalizado pariu a desconstrução de velhos reflexos tribais onde um vive para todos e todos por um.
Só quem visitou uma aldeia de índios lembra que há povos que ainda não perderam esses hábitos dos seus ancestrais.
O cérebro das novas gerações sofreu esse processo de desarrumação dos neurônios afetivos, criando o homem moderno sem sentimentos.
Viver dependente de auxiliares profissionais, que com o aumento da expectativa de vida tornaram-se cada vez mais numerosos, é uma tragédia que a maioria dos idosos enfrenta.
A sociedade elaborou, para o seu conforto, um protocolo pasteurizado condicionando como deve ser tratado o teimoso planejador da longevidade.
Até morrer é permitido, desde que em UTI, onde o infeliz passa solitário o seu último dia neste planeta.
Temos que nos mirar no exemplo dos animais irracionais, estes são sempre solidários e vivem em grupos.
Não depender de ninguém para uma longa vida só estando em bandos, onde a independência é normal.
Impossível executar o nosso ideal, que é viver sem ajudas.

Gabriel Novis Neves
05-12-2012

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