Dizem
que há coisas que só acontecem em Cuiabá.
Fico
sem entender, por exemplo, certas homenagens que são prestadas às pessoas que,
em vida, foram alvo das mais perversas agressões verbais e humilhações.
Eram,
inclusive, apedrejadas, e o carinho da sociedade passava distante delas.
Nunca
vi alguém se compadecer dessas infelizes criaturas, carentes de todo tipo de
necessidades.
Eram
vistas como gente diferente dos considerados normais, e, por isso, sofriam toda
espécie de discriminação.
Pessoas
como Maria Taquara, General Saco, Guaporé, Antonio Peteté e tantos outros
personagens da minha infância.
Maria
Taquara andava, muitas vezes, sem roupa no meio da rua e dizendo coisas
incompreensíveis, para delírio dos adultos e pavor das crianças.
Nunca
vi alguém se aproximar desta pobre mulher para cobrir seu esquelético corpo.
Tampouco que a tivessem encaminhado a um médico ou hospital.
As
mães mostravam aquela cena aos seus filhos dizendo que, se não fossem obedientes,
os entregaria aquela mulher – implantando o medo na imaginação infantil.
Os
adultos zombavam e os adolescentes atiravam pedras naquela paciente evadida da
sua casa por descuido da sua família.
Era
uma figura muito conhecida das ruas da antiga Cuiabá, e que denunciava a gente
desta cidade como seres anestesiados com o sofrimento do próximo.
O
General Saco era uma pessoa inofensiva. Sobre seu vestuário exibia inúmeras
medalhas que recebia de presente dos desumanos aproveitadores da doença humana.
O
General Saco não saía do bar do meu pai, onde não era importunado nos seus
discursos intermináveis - sem pé nem cabeça. Um caso digno de tratamento,
perambulando pelas nossas ruas como uma alegoria dos considerados saudáveis.
De
todos eles, o Antonio Peteté foi o mais humilhado, pois se aproveitavam do seu
baixo QI para explorar contos da sua sexualidade.
Guaporé,
carregador oficial de água da bica da Prainha para a pensão Pécora, ficou
famoso pelo diálogo com a sua madrinha um domingo à tarde.
Todos
esses vultos do passado não tiveram da sociedade cuiabana um mínimo de
compreensão humanitária.
Após
as suas mortes, inventaram que eles faziam parte da nossa cultura e começaram a
prestar-lhes homenagens.
Como
é cruel a burguesia!
Em
vida eles foram as nossas ‘Genis’ do Chico Buarque, desassistidos de tratamento
médico e do amor do próximo.
Depois
de mortos viraram esculturas e nomes de ruas, e ainda são lembrados como
figuras representativas da falida cuiabania.
O
legado que deixaram foi o sofrimento das suas doenças desfilando pelas ruas da
minha cidade.
Agora,
em Várzea Grande, querem homenagear uma senhora que viveu, seus últimos anos
até morrer, em um buraco no centro da ex-Cidade Industrial.
Segundo
matéria de Luiz Fernando Vieira do jornal “A Gazeta”, vai ser construída uma
escultura de três metros de altura no local onde ela escolheu para viver após
fugir do Hospital Adauto Botelho.
“As
pessoas usavam o nome dela, e o modo como vivia até morrer, para amedrontar as
crianças: - você tem que largar a mamadeira, senão vai morar com ‘Nhana
Santa’”.
O
povo realmente é mau.
A
grande Cuiabá nunca foi uma cidade humana! Continua tratando sem
dignidade os seus habitantes, especialmente os seus doentes, e faltando com o
respeito aos seus mortos.
Gabriel Novis Neves
14-08-2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.