Considero
o crepúsculo da vida como aquele momento em que já é possível se avistar a
ponta do cordão do amanhecer. Um pouquinho mais, e o laço é feito, encerrando a
nossa missão por aqui.
Vendo
essa ponta hipotética do cordão - onde o dia que se inicia é a nossa vida - com
o sol radiante saindo do seu esconderijo, recordo-me como em um filme de longa
metragem, de fatos que me marcaram - os famosos pontos luminosos do Carlos
Heitor Cony.
Estava
no iniciozinho da década dos anos cinquenta, quando, por um ano, tive aulas de
literatura brasileira. O professor nos apresentou aos grandes nomes da poesia,
romances, contos, histórias, enfim, às celebridades do Brasil passado e
presente.
Para
um menino do interior e com a fertilidade da imaginação juvenil, logo os
transformava em mitos.
Quando
estudante de medicina no Rio, em uma manhã - no trajeto para a Santa Casa -
vejo uma pessoa que, para mim, não era de carne e osso: o poeta Manuel
Bandeira, aquele mesmo do livro do Colégio Estadual.
Depois
vi Carlos Drumonnd de Andrade e, durante meus 12 anos de Rio, um número
considerável de personagens vivos do livro em que estudei, se materializou na
minha frente.
Mas
o assunto que quero refletir com vocês é sobre a obra do poeta baiano Gregório
de Matos. A melhor qualificação que foi dada ao baiano na aula do meu colégio,
foi o de representante de satanás.
Os
seus versos eram impressos em panfletos e distribuídos à população. O linguajar
usado era cheio de palavrões e ofensas, principalmente aos governantes. Um
verdadeiro transgressor dos padrões da época, que teve a coragem de cutucar a
elite baiana.
Ganhou
a imagem de libertário, e até hoje tem fama de revolucionário. Atribuiu-se a
Gregório de Matos a defesa dos negros, pobres, o que o deixou próximo de
tornar-se um herói nacional.
Acontece
que ninguém sabe se as peças atribuídas a ele são mesmo da sua autoria. De
qualquer modo, o poeta que me foi pintado em sala de aula, tem muito pouco de
libertário.
João
Adolfo Hansem, da Universidade de São Paulo (USP), defendeu em 1989, que essa
fama de Boca do Inferno é falsa. No livro “A Sátira e o Engenho”, o crítico da
USP mostra que o poeta odiava negros, pobres, índios e judeus.
Gregório
era um fidalgo do reino português daquela época. O crítico Hansem comparou a
sátira atribuída a Gregório de Matos, às denúncias secretas da Inquisição,
muito comuns naquela época.
Desde
1591, a Bahia abrigou agentes do Santo Ofício, incumbidos de condenar bruxas,
homossexuais, judeus e hereges em geral.
Na
Europa, a condenação incluía ser queimado nas enormes fogueiras que marcaram o
fim da Idade Média.
Na
verdade acredita-se que foram beatos muito fofoqueiros, esses poetas que
ganharam o nome de Gregório de Matos.
Esta
história de santos de pés de barros e santinhos do pau oco vem de longe e hoje
nos assustam com as suas atitudes.
Gregório
de Matos quase se tornou herói nacional. Os de hoje, consideram-se heróis de si
mesmo.
Gabriel
Novis Neves
30-12-2011
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