domingo, 5 de fevereiro de 2012

QUASE HERÓI


Considero o crepúsculo da vida como aquele momento em que já é possível se avistar a ponta do cordão do amanhecer. Um pouquinho mais, e o laço é feito, encerrando a nossa missão por aqui.
Vendo essa ponta hipotética do cordão - onde o dia que se inicia é a nossa vida - com o sol radiante saindo do seu esconderijo, recordo-me como em um filme de longa metragem, de fatos que me marcaram - os famosos pontos luminosos do Carlos Heitor Cony.
Estava no iniciozinho da década dos anos cinquenta, quando, por um ano, tive aulas de literatura brasileira. O professor nos apresentou aos grandes nomes da poesia, romances, contos, histórias, enfim, às celebridades do Brasil passado e presente.
Para um menino do interior e com a fertilidade da imaginação juvenil, logo os transformava em mitos.
Quando estudante de medicina no Rio, em uma manhã - no trajeto para a Santa Casa - vejo uma pessoa que, para mim, não era de carne e osso: o poeta Manuel Bandeira, aquele mesmo do livro do Colégio Estadual.
Depois vi Carlos Drumonnd de Andrade e, durante meus 12 anos de Rio, um número considerável de personagens vivos do livro em que estudei, se materializou na minha frente.
Mas o assunto que quero refletir com vocês é sobre a obra do poeta baiano Gregório de Matos. A melhor qualificação que foi dada ao baiano na aula do meu colégio, foi o de representante de satanás.
Os seus versos eram impressos em panfletos e distribuídos à população. O linguajar usado era cheio de palavrões e ofensas, principalmente aos governantes. Um verdadeiro transgressor dos padrões da época, que teve a coragem de cutucar a elite baiana.
Ganhou a imagem de libertário, e até hoje tem fama de revolucionário. Atribuiu-se a Gregório de Matos a defesa dos negros, pobres, o que o deixou próximo de tornar-se um herói nacional.
Acontece que ninguém sabe se as peças atribuídas a ele são mesmo da sua autoria. De qualquer modo, o poeta que me foi pintado em sala de aula, tem muito pouco de libertário.
João Adolfo Hansem, da Universidade de São Paulo (USP), defendeu em 1989, que essa fama de Boca do Inferno é falsa. No livro “A Sátira e o Engenho”, o crítico da USP mostra que o poeta odiava negros, pobres, índios e judeus.
Gregório era um fidalgo do reino português daquela época. O crítico Hansem comparou a sátira atribuída a Gregório de Matos, às denúncias secretas da Inquisição, muito comuns naquela época.
Desde 1591, a Bahia abrigou agentes do Santo Ofício, incumbidos de condenar bruxas, homossexuais, judeus e hereges em geral.
Na Europa, a condenação incluía ser queimado nas enormes fogueiras que marcaram o fim da Idade Média.
Na verdade acredita-se que foram beatos muito fofoqueiros, esses poetas que ganharam o nome de Gregório de Matos.
Esta história de santos de pés de barros e santinhos do pau oco vem de longe e hoje nos assustam com as suas atitudes.
Gregório de Matos quase se tornou herói nacional. Os de hoje, consideram-se heróis de si mesmo.

Gabriel Novis Neves
30-12-2011

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