quarta-feira, 16 de julho de 2014

Porque choramos

Não acredito que possa ser verdadeira a demonstração de tanto sofrimento, tanta humilhação e tanta vergonha apenas em função do mau desempenho de uma seleção de futebol numa Copa do Mundo.
Seleções, tão ou mais conceituadas que a nossa, milionárias, de países de primeiro mundo, foram eliminadas precocemente e nem por isso provocaram convulsão entre seus torcedores.
A Espanha, por exemplo, com uma equipe de jogadores dos melhores e mais bem pagos da atualidade, absorveu tranquilamente a derrota de seu time. Seu povo, massacrado pela crise econômica que assola grande parte da Europa, está muito mais preocupado com as altas taxas de desemprego, estas sim, extremamente graves.
Choramos, não por termos um time “humilhado”,  por ter perdido um jogo por  3, por 5 ou por 7  a zero  ou a 1. Humilhados somos no dia a dia por uma elite política que nada faz para minimizar os nossos sofrimentos e que apenas se corrompe e nos corrompe.
Choramos por nos vermos colonizados por multinacionais poderosas, tal como a FIFA. Eventos que expoliam a nossa economia, incentivados pelos nossos próprios governantes, dão um lucro  de 12 bilhões de reais, livres de quaisquer impostos.
Destroem as nossas leis, impõem suas próprias regras e disseminam a corrupção.
Além disso, dados oficiais confirmam uma perda de 14 bilhões de reais pelo comércio em geral. Apenas pequenos setores da economia  conseguiram algum sucesso (ambulantes, bares, botecos e, principalmente, o turismo sexual).  Isso sem falar no legado de obras faraônicas que se tornarão apenas símbolos de lembranças que não gostaríamos de ter.
Choramos por estarmos condicionando as nossas crianças a um patriotismo que apenas se manifesta nas arenas de futebol quando, histericamente, cantam o hino nacional.
Fazemos com que essa Copa seja vencida em homenagem a elas que nunca haviam visto o brilho “do país do futebol”.  Até mesmo as crianças vítimas de enchentes no Estado do Rio foram induzidas a essa participação.
Choramos por nos mostrarmos ao mundo como um belo e grandioso país, mas que não respeita o livre acesso de seus cidadãos a um sistema de saúde e de educação de qualidade.
Choramos ao constatarmos que, mergulhados no mundo da fantasia que as Copas proporcionam aos países  que as sediam, é possível melhorar a segurança das cidades e que a polícia  pode ser eficiente sem ser truculenta.
Choramos sim, pela capacidade das grandes mídias promoverem uma lavagem cerebral no sentido que a vitória de seleções milionárias substitua a penúria em que vive a maior parte de seus torcedores. Como se o sucesso no futebol fosse uma compensação do que não conseguimos ser.
Choramos por um mártir nacional vítima da violência no futebol e pelo qual todos nós tínhamos de jogar.
Choramos ao constatar que o chamado “boom econômico” que vivemos na última década se esvaiu diante da perspectiva de uma economia em declínio.
Choramos, enfim, com uma seleção, que vivendo longe das nossas agruras, vivenciou na própria carne as angústias de seus compatriotas. A grande maioria deles saiu da pobreza, mas as lembranças da pobreza não saíram deles.
Estarão eles marcados por essa espada cravada em seus  corações, ainda que agora pertencentes ao restrito clube dos milionários?
Talvez tenha sido essa a parte mais emocionante desse final de Copa. Não vimos nenhuma outra seleção com tamanho sentimento de rejeição.
Ressalte-se a descrição e o respeito de nossos visitantes que comemoraram discretamente em seus redutos a sua bela e merecida vitória.
Importante agora é não perder o foco e explicar, principalmente às crianças, que a vida não se resume apenas a uma vitória de Copa do Mundo...
Isso é muito pouco para mergulhar um país em depressão.

Gabriel Novis Neves
08-07-2014

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.