Não
acredito que possa ser verdadeira a demonstração de tanto sofrimento, tanta
humilhação e tanta vergonha apenas em função do mau desempenho de uma seleção
de futebol numa Copa do Mundo.
Seleções,
tão ou mais conceituadas que a nossa, milionárias, de países de primeiro mundo,
foram eliminadas precocemente e nem por isso provocaram convulsão entre seus
torcedores.
A
Espanha, por exemplo, com uma equipe de jogadores dos melhores e mais bem pagos
da atualidade, absorveu tranquilamente a derrota de seu time. Seu povo,
massacrado pela crise econômica que assola grande parte da Europa, está muito
mais preocupado com as altas taxas de desemprego, estas sim, extremamente
graves.
Choramos,
não por termos um time “humilhado”, por
ter perdido um jogo por 3, por 5 ou por
7 a zero
ou a 1. Humilhados somos no dia a dia por uma elite política que nada
faz para minimizar os nossos sofrimentos e que apenas se corrompe e nos
corrompe.
Choramos
por nos vermos colonizados por multinacionais poderosas, tal como a FIFA.
Eventos que expoliam a nossa economia, incentivados pelos nossos próprios
governantes, dão um lucro de 12 bilhões
de reais, livres de quaisquer impostos.
Destroem
as nossas leis, impõem suas próprias regras e disseminam a corrupção.
Além
disso, dados oficiais confirmam uma perda de 14 bilhões de reais pelo comércio
em geral. Apenas pequenos setores da economia
conseguiram algum sucesso (ambulantes, bares, botecos e, principalmente,
o turismo sexual). Isso sem falar no
legado de obras faraônicas que se tornarão apenas símbolos de lembranças que
não gostaríamos de ter.
Choramos
por estarmos condicionando as nossas crianças a um patriotismo que apenas se
manifesta nas arenas de futebol quando, histericamente, cantam o hino nacional.
Fazemos
com que essa Copa seja vencida em homenagem a elas que nunca haviam visto o
brilho “do país do futebol”. Até mesmo
as crianças vítimas de enchentes no Estado do Rio foram induzidas a essa participação.
Choramos
por nos mostrarmos ao mundo como um belo e grandioso país, mas que não respeita
o livre acesso de seus cidadãos a um sistema de saúde e de educação de
qualidade.
Choramos
ao constatarmos que, mergulhados no mundo da fantasia que as Copas proporcionam
aos países que as sediam, é possível
melhorar a segurança das cidades e que a polícia pode ser eficiente sem ser truculenta.
Choramos
sim, pela capacidade das grandes mídias promoverem uma lavagem cerebral no
sentido que a vitória de seleções milionárias substitua a penúria em que vive a
maior parte de seus torcedores. Como se o sucesso no futebol fosse uma
compensação do que não conseguimos ser.
Choramos
por um mártir nacional vítima da violência no futebol e pelo qual todos nós
tínhamos de jogar.
Choramos
ao constatar que o chamado “boom econômico” que vivemos na última década se
esvaiu diante da perspectiva de uma economia em declínio.
Choramos,
enfim, com uma seleção, que vivendo longe das nossas agruras, vivenciou na
própria carne as angústias de seus compatriotas. A grande maioria deles saiu da
pobreza, mas as lembranças da pobreza não saíram deles.
Estarão
eles marcados por essa espada cravada em seus
corações, ainda que agora pertencentes ao restrito clube dos
milionários?
Talvez
tenha sido essa a parte mais emocionante desse final de Copa. Não vimos nenhuma
outra seleção com tamanho sentimento de rejeição.
Ressalte-se
a descrição e o respeito de nossos visitantes que comemoraram discretamente em
seus redutos a sua bela e merecida vitória.
Importante
agora é não perder o foco e explicar, principalmente às crianças, que a vida
não se resume apenas a uma vitória de Copa do Mundo...
Isso
é muito pouco para mergulhar um país em depressão.
Gabriel
Novis Neves
08-07-2014
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