segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

NOTÍCIA

Chego para o almoço e a minha secretária me diz para ligar com urgência para um colega de infância.

Antes mesmo de me desfazer do material de consultório - maleta com aparelho de pressão, estetoscópio, termômetro e os mais diferenciados blocos de receituários, moderna exigência do Ministério da Saúde, visando à melhoria do atendimento médico (!), - entro em contato com o colega pelo celular.

Ele atende ao chamado, e eu logo pergunto: “qual o problema?” Explica-me:

- Fui ao hospital, como faço há cinquenta anos.

Na minha mesa um envelope. Abro.

Leio a notícia da minha dispensa, com a frieza de uma geladeira de necrotério.

Procuro o setor de pessoal para saber a partir de quando não precisaria mais voltar ao hospital.

A resposta foi a mais curta possível – “a partir deste momento”.

Retornei para casa não acreditando no dramático final de um casamento com bodas de ouro.

Pedi à minha mulher que lesse a carta.

Em silêncio me devolveu, e sugeriu que eu telefonasse para você.

Ouvi o desabafo do colega sem interrompê-lo. Entendi o seu desânimo. Respirei fundo e lhe disse:

- Caro amigo do Grupo Escolar, Colégio dos Padres, Colégio Estadual, Anglo Americano do Rio, pensão, cursinho pré-vestibular, Praia Vermelha, e, Hospital Geral.

Há uma diferença entre nós, com um pequeno detalhe.

No início das nossas vidas profissionais, tivemos envolvências também, fora da medicina.

Você, com os aviões, na mais ampla compreensão.

Eu, com as crianças, adolescentes e jovens. Durante longos anos fui secretário de educação do Estado, e reitor-fundador da nossa UFMT (1968-1982).

Ele ouvia também sem me interromper. Continuei:

- Aprendi muito com as crianças e jovens.

O resultado vem com o passar dos anos.

Muitos ensinamentos ficaram com uma ponta solta, que só o tempo nos mostrou como amarrá-la.

Dei nó em muitos pontos soltos, que aprendi quando trabalhei com os jovens - nos chamados anos de chumbo.

Um alerta que me tem sido muito útil, vem daquela inquieta geração: “Quem sabe faz a hora não espera acontecer”.

Do outro lado da linha, ouvi algo parecido com um sorriso. Finalizei dizendo:

- Há dois anos, segui a lição dos jovens de 1968.

Fiz acontecer. Não esperei que acontecesse.

Dessa forma, acredito, evitei sentir o devastador sentimento da mágoa. Mágoa provocada pela ingratidão.

Por essas e outras - que a vida nos apronta - é que sustento a tese de que, para não nos deixarmos magoar, devemos acreditar e confiar, somente nas crianças e nos jovens.

Você confiou muito na tripulação do hospital, esquecendo-se que ela é composta por adultos.

Gabriel Novis Neves

06-02-2011

* Publicado simultaneamente no www.gnn-cultura.blogspot.com

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