quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Banheiro público

Em 1920 meu pai inaugurou o Bar do Bugre. O bar tinha duas frentes: uma, a principal, dava para a Praça Alencastro, e a outra para a Praça da República.

A situação do bar era estratégica.

O palácio do governo do Estado, a sede da prefeitura e Câmara dos Vereadores funcionavam pelas imediações – vizinhos.

A religiosidade da pequena cidade tinha os seus maiores eventos na Catedral Metropolitana.

Ao seu lado direito, funcionava o símbolo da eficiência educacional, o Palácio da Instrução. Ambos se localizavam na Praça da República – ao lado do bar.

Praticamente o forte comércio também habitava aquela região. O único ponto de taxi da cidade tinha o seu estacionamento à esquerda do bar.

Naquela época, toda essa beleza do aconchego, que só encontramos em pequenas cidades, tinha um problemão.

Não havia, na cidadezinha onde nasci, nenhum banheiro público.

Como tudo era perto, numa emergência voltávamos para casa - ou aproveitávamos a selvática prainha, logo abaixo.

O pessoal que vinha de fora para resolver problemas no governo, os motoristas de taxi e aqueles moradores dos distritos à procura do comércio ou lazer, não tinha outra saída a não ser utilizar-se do banheiro do bar do Bugre.

A cidade foi crescendo e o movimento no banheiro do bar aumentando, chegando, às vezes, a formar filas, que começavam na rua.

Nessa época o meu pai resolveu fechar “o quartinho”, para exigências maiores, e guardar a chave no seu bolso.

Passou a ser de uso exclusivo dos funcionários do bar e para atendimentos muito especiais!

Era impossível manter um mínimo de higiene no único banheiro privado que atendia ao público da capital.

À noite, os jardins da Praça Alencastro e da República eram muito frequentados. O movimento era intenso. Nessa altura do dia, o prazo de validade da creolina tinha vencido.

Era o momento da reclamação. Papai nunca respondeu a ninguém, mas na saída do reclamante dizia-me.

“O governador, prefeito, secretários estão todos no jardim, e essa gente, além de mijar na minha casa, ainda reclama?

O certo é falar com os homens.

Eu já cansei”.

Certa tarde de calor insuportável, o governador, como de hábito, deixava o seu gabinete no palácio, atravessava a praça e comprava cigarros no bar.

Presenciei o João Ponce falar ao papai: “Bugre, a coisa tá braba hoje. O vento está jogando o cheiro do seu banheiro no meu gabinete”.

Pegou o troco da compra e retornou ao palácio.

Falei ao papai: “Não é melhor jogar mais um vidro de creolina?”

Ao que ele respondeu: “Não, menino!

Ele é o governador, e incomodado talvez tome alguma providência.

Se o odor desaparecer, ele irá esquecer”.

Desse dia em diante, a ordem era lavar o banheiro só com água do tanque e sabão de barra.

O pessoal começou então a fazer das duas principais praças, banheiro, e utilizá-las como “quartinho.”

Aí o cheiro maior vinha de fora para dentro.

Sugeri ao meu pai acabar com o bar e transformar o local em um grande banheiro público privado.

“O senhor vai ganhar mais dinheiro e menos aborrecimentos com esse novo negócio” - ponderei. “Não vou conseguir alvará da prefeitura para funcionar, e o escândalo será imenso!”

Você já imaginou a manchete dos jornais? “Bugre cobra para mijar?”

A verdade é que o banheiro público é uma obra social que até hoje nunca sensibilizou os nossos governantes.

É um investimento importante, mas que não conta votos.

O problema continua na nossa ex-Cidade Verde, agravado pelo aumento da população.

Será que para a Copa se esqueceram dos banheiros públicos?

Será a nossa última chance de resolver este pequeno grande problema.

Gabriel Novis Neves

11-02-2011

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