quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

COMECEI A ASSUSTAR

Chego ao consultório e encontro no corredor um antigo professor que trabalhou comigo na implantação do curso de Medicina da UNIC.

No encontro, um abraço. Um abraço caloroso entre amigos que não se vêem há anos. Ele parecia assustado. Pergunta-me o que eu estava fazendo ali - percebo um tom de surpresa e incredulidade na sua voz. Respondo que há trinta anos mantenho um consultório naquela clínica. “Quer dizer que o senhor ainda trabalha?” – ele me indagou. Entendi então o porquê da surpresa e da incredulidade do meu amigo.

Este entendimento me fez recordar, e confirmar, um conceito bastante nocivo na nossa sociedade: velho é para ficar em casa, à toa, na cadeira de balanço – símbolo maior da velhice - ou jogando cartas.

Porém não comentei nada disso com meu amigo e respondi que sim, que ainda trabalhava – e bastante. Que era uma das coisas que ainda fazia prazerosamente. Comentei também que ainda estudava muito, e que, por necessidade profissional, esqueci-me de tudo o que aprendi na universidade e fui à busca de novos conhecimentos pela educação continuada. Parece-me que ele gostou das explicações, e exclamou: “Ah! Que bom saber”! Satisfeita a sua curiosidade, nem percebeu que eu fiquei assustado com as suas perguntas.

Pergunto o que anda fazendo. Ele me conta que continua dando aulas de fisiologia para todos os cursos da área de saúde e que sua remuneração é por hora/aula. Diz que trabalha em três períodos e que seu ganho mensal corresponde a um dia de certos marajás do serviço público.

Diante do depoimento do meu amigo, fiquei tão, ou mais, assustado do que ele quando me viu ainda trabalhando.

É lamentável como a educação é tratada neste país. Nem um PAC ela merece.

Quando requeri a minha aposentadoria da UFMT - por terrorismo burocrático - foi por tempo de serviço, e não por idade, que sempre foi o meu sonho. Alguns colegas, todos muito mais jovens do que eu, fizeram-me um apelo para que revisse a minha decisão. Interpretei essa ação como uma generosidade dos meus colegas de departamento.

Foi fácil convencê-los da necessidade do meu afastamento para o bem do nosso curso de Medicina. Explico: o pátio de estacionamento de veículos do hospital universitário vivia forrado de carros novos e luxuosos, com exceção de um fusquinha velho. Chamava a atenção, lógico. Os alunos logo indagaram a quem pertencia, e ficaram sabendo que aquele museu pertencia a um médico. Um médico com muitas quilometragens rodadas. Um médico que ocupou por anos a titularidade de secretarias do Estado, que implantou a UFMT - tendo o mandato mais longo - e que possuía uma belíssima clínica privada.

O mau exemplo era evidente! Estudar tanto, trabalhar tanto, para no final se deslocar dirigindo um carro velho, caindo aos pedaços? Aquele carro era um convite à reflexão, e o famoso e charmoso título de médico seria colocado em julgamento.

Temia até pelo esvaziamento do curso, pois, longe de ser um profissional desqualificado, o médico sempre ganhou pouco e trabalhou muito.

O melhor naquele momento seria desaparecer com o fusquinha do estacionamento, para tranquilidade dos futuros médicos - “O que os olhos não vêem o coração não sente”.

Brincadeiras à parte, aposentei-me na UFMT e continuei o meu trabalho em outros lugares.

O resultado desse encontro é a certeza de dois fatos: velho trabalhando assusta muita gente; e a educação vai muito mal, obrigada.


Gabriel Novis Neves

28-01-2011

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.