Quanta
beleza, poesia e simplicidade são perdidas para o progresso.
As
gerações atuais conhecem viadutos, trincheiras, túneis, elevados, rotatórias,
pontes e avenidas de mão dupla com canteiro central.
Nada
contra a modernização materialista da nossa cidade, apesar de sem alma e corpo
feito de concreto.
É
assim que funciona a civilização. Ganhamos e perdemos.
Em
funcionalidade melhoramos, e muito, mas não creio que nenhum poeta consiga
inspiração atravessando um túnel de concreto.
Ainda
me lembro de muitos becos da Cuiabá antiga. Como criança recém-alfabetizada,
surgiu curiosidade em ler as placas dos meus trajetos mais frequentes.
Só
na maturidade consegui entender seus significados.
Beco
Alto, Beco do Candieiro, Beco da Matraca, Beco Torto, Beco do Urubu, Beco do
Nhô Bento, Beco da Dona Petita, Beco Quente, Beco Sujo e dezenas de outros que
ainda povoam a minha memória. A maioria deles simplesmente desapareceu sem
nenhum registro.
Os
becos da minha cidadezinha continham ensinamentos, e creio que foram os
pioneiros da linguagem digital.
Inspirou
poetas, como o corumbaense Lobivar de Matos, ao descrever em versos a história
do Beco Sujo, que abaixo transcrevo:
Beco
Sujo
Beco
estreito,
beco
sujo.
O
vento está soprando o único lampião
que
continua aceso.
O
vento não gosta de luz
e
quer apagar a lua que se estirou molenga
no
silêncio da noite.
Sombras
esguias, sombras frouxas,
são
cabides para meus sentidos assustados.
Passa
uma mulher magra que é esqueleto só.
Atrás
dela vem um cabra danado,
Zigue-zagueando.
Desenhando
linhas curvas,
tropeça
aqui, agarra lá.
-
Psiu!... Psiu!...
-
Vá para o inferno, peste!
Passa
uma cadelinha sarnenta correndo
e
atrás um vira-lata latindo.
Lá
adiante, no fim do beco,
um
chorinho-chorado
ta
dizendo que há samba gostoso,
que
a tristeza virou alegria,
que
a carne não tem cor.
Sururu.
Siriri. Chorinho-chorado.
Sala
cheia.
Lampiões
enforcados em cordas de fumaça.
São
Benedito no altar.
Negro
só.
soldados
de polícia, marinheiros,
gente
do povo, gente simples, gente boa.
Caminha,
corre roda, não para, pra que parar?
-
O chorinho vai pegar fogo, negrada!
O
rio Cuiabá está quieto, encolhido,
assustado
com a alegria daquela gente triste.
Sento-me
numa pedra a beira d água
e
o chorinho chorado me sacode os nervos
e
eu me sinto mais bêbado
que
aqueles negros que clamam sem sentir,
que
gritam sem saber.
Beco
estreito,
beco
sujo.
O
vento está soprando o único lampião
que
continua aceso.
O
vento não gosta da luz
E
quer apagar a lua que se estirou molenga.
E
há ainda quem diga que não existe poesia num pobre beco!
Gabriel Novis Neves
22-12-2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.