terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Atenção básica

Após implantar a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e colocar em funcionamento o seu curso de medicina, fui desempenhar minhas funções de docente no Hospital Universitário Júlio Muller (HUJM).
Permaneci nessa atividade até a minha aposentadoria.
Sem privilégios, e como um recém-contratado, o chefe da clínica a que pertencia (Ginecologia-Obstetrícia), designou-me para o ambulatório de obstetrícia no período da tarde, às quartas-feiras, onde, facilmente, a temperatura beirava aos quarenta graus centígrados.
Na época, as salas não eram climatizadas e o velho ventilador de pé jogava o ar quente pelo ambulatório.
Nos outros períodos da semana trabalhava no pronto atendimento; visita com os alunos na enfermaria e centro cirúrgico. Esses blocos de trabalhos acadêmicos, em média, deveriam durar cerca de quatro horas para atender a minha carga horária contratual.
Reunião semanal dos docentes e um plantão noturno de doze horas semanais.
Fazia medicina assistencial com os meus futuros colegas, permutando conhecimentos na difícil profissão de médico.
Tudo corria na mais perfeita harmonia e, finalmente, eu realizava a tarefa mais importante na universidade, que é a docência expositiva.
Por ocasião do reconhecimento do curso, o antigo Conselho Federal de Educação nomeou para relator do processo nosso ex-professor de Clínica Médica e paraninfo dos internos (1959-1960), Clementino Fraga Filho, o professor Fraguinha, assim chamado pelos seus alunos.
Acompanhado do reitor esteve inspecionando o HUJM. Ao me encontrar no ambulatório com os alunos, chamou-me discretamente para uma política caminhada pelo longo corredor do hospital e logo me perguntou:
 “Você acabou de deixar a reitoria e está no ambulatório? É castigo”!
Acalmei-o dizendo que todo o reitorado era de jovens que me ajudaram a implantar a universidade, e eram meus amigos queridos.
Clementino Fraga havia sido reitor da UFRJ e, nos grandes centros (!), após ocupar por quatro anos esse cargo, o ex tem que ser “protegido” em alguma função inacessível aos estudantes.
É também da vaidade acadêmica que os mestres mais titulados fiquem nos fundos dos hospitais.
Visão elitista do nosso ensino, onde o importante na formação do aluno de medicina é que tenham, na porta de entrada do hospital e na rede básica de saúde, os melhores professores.
É no “postinho” de saúde onde simples sinais têm que ser entendidos e esclarecidos. Os médicos dos PSFs, Policlínicas e Prontos Atendimentos devem ser muito bem qualificados e protegidos por uma estrutura que possibilite uma resolutividade ao seu trabalho.
Ali, não é lugar para tratar de sintomas, e sim, de observar  o paciente com uma visão holística e humanista.
Dizer que “qualquer um” serve para essas ações, é cometer um crime.
Vamos valorizar o atendimento à Atenção Básica de Saúde?

Gabriel Novis Neves
09-12-2013

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